20 de setembro de 2024
Compartilhe:

O Google aplicou, nos Estados Unidos, uma regra ao Gemini, inteligência artificial (IA) da empresa, que o impede de falar sobre política e traçar perfis dos candidatos à presidência. No mês passado, a big tech garantiu que ia implementar a mesma regra na versão brasileira do chatbot.

“Nossos usuários dependem de nós para fornecer informações confiáveis ​​e atualizadas sobre tópicos como candidatos, processos de votação e resultados eleitorais — e essa nova tecnologia pode cometer erros”, disse Laurie Richardson, vice-presidente de Confiança e Segurança do Google, quando da aplicação da regra nos EUA.

Só que, segundo o jornal O Globo, o filtro não está funcionando muito bem por aqui. O periódico realizou levantamento e concluiu que o Gemini traça perfis de candidatos à prefeitura de 20 capitais brasileiras.

Gemini não respeita regra eleitoral imposta pelo Google

  • Para realizar o estudo, o jornal fez uma pergunta-padrão para o chatbot: pediu que a IA trouxesse informações de, ao menos, quatro candidatos;
  • O perfil dos candidatos que o Gemini decide ou trazer informações é diverso, ou seja, ele pode aceitar ou negar falar sobre candidatos de direita, esquerda, nanicos e líderes nas pesquisas, e independe do tamanho do município;
  • Entre candidatos que visam ser reeleitos no País, a IA do Google se nega a falar sobre 11. Entre eles: João Campos (PSB), de Recife (PE), Bruno Reis (União Brasil), de Salvador (BA), e José Sarto (PDT), de Fortaleza (CE);
  • Já os que recebem um perfil do Gemini, o tom costuma ser de elogio ao candidato;
  • Contudo, houve omissão de informações (leia mais sobre abaixo);
  • Em ao menos quatro casos, a IA indicou o site oficial do candidato: Professor Júnior Geo (PSDB), de Palmas (TO), Felipe Camozzato (Novo), de Porto Alegre (RS), Marina Helena (Novo), de São Paulo (SP), e Catarina Guerra (União), de Boa Vista (RR);
  • Já perguntas específicas sobre a disputa eleitoral (como chance de vitória ou pontos fortes da candidatura) não são respondidas. O mesmo vale para perguntas simples, como “onde descobrir o local de votação para as eleições de 2024”;
  • Por fim, perfis de candidatos do partido direitista Novo, por exemplo, vê-se maior destaque para a defesa da “liberdade econômica” e da “transparência”, enquanto os esquerdistas recebem, frequentemente, termos, como “luta de classes” e “militância”.
Regra do Google foi ignorada pelo chatbot (Imagem: Primakov/Shutterstock)

Detalhes de alguns perfis traçados pelo chatbot

Conforme dito, O Globo pediu informações de quatro candidatos por cidade ao Gemini.

Em São Paulo (SP), a IA do Google diz que Pablo Marçal (PRTB) é “figura que tem se destacado no cenário político brasileiro”, com campanha nas eleições de 2024 marcada “por diversas polêmicas”.

Quando é perguntado sobre o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), o Gemini destaca que ele é candidato à reeleição e que “uma das marcas da sua gestão” é o investimento “em obras de infraestrutura”, incluindo “a construção de novas escolas”.

Já sobre José Luiz Datena (PSDB), ele diz que o candidato é um dos “principais apresentadores de televisão” do Brasil, que “demonstra empatia pelas vítimas de crimes”.

Contudo, o filtro do Google funciona para os candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Tabata Amaral (PSB). Ao receber perguntas para traçar o perfil deles, o Gemini responde que não pode ajudar “com respostas sobre eleições e personalidades políticas”.

No Rio de Janeiro (RJ), apenas Cyro Garcia (PSTU) tem perfil traçado. Ele é definido como tendo “socialismo revolucionário” e “figura respeitada e influente na esquerda brasileira”. Para Eduardo Paes (PSD), Alexandre Ramagem (PL) e Tarcísio Motta (PSOL), o filtro político funciona.

O líder das pesquisas em João Pessoa (PB), Cícero Lucena (PP), é definido como político de “grande popularidade”, com gestão focada em obras de infraestrutura.

A atual prefeita de Campo Grande (MS), Adriane Lopes (PP), é destacada como tendo “compromisso com valores cristãos” e por ser “atenta às demandas da população”. Outro candidato a reeleição, o prefeito de Belo Horizonte (MG) Fuad Noman, é definido como “moderado” e “pragmático”. “Ele tem enfatizado a importância de uma gestão eficiente e transparente”, completa o Gemini.

Em Teresina (PI), o prefeito Dr. Pessoa (PRD), tem seu perfil balizado pelo episódio no qual o candidato “protagonizou uma cena chocante ao dar uma cabeçada em um candidato adversário”.

Isso aconteceu no primeiro debate entre os cadidatdos municipais, no começo de agosto. “Para além desse episódio, é importante buscar informações mais aprofundadas sobre Dr. Pessoa”, pede o Gemini, mas não sugere locais de busca, tampouco da mais informações sobre o prefeito.

Voltando ao caso de omissão de informações, o periódico diz que isso aconteceu com o prefeito de Porto Alegre (RS), Sebastião Melo (MDB), ao não citar sua atuação durante as enchentes que assolaram a cidade e todo o Rio Grande do Sul entre abril e junho.

“Sua gestão tem sido marcada por um diálogo constante com a sociedade civil e por uma busca por consensos em torno das principais questões da cidade”, diz a IA do Google sobre Melo.

O Google foi procurado, mas não quis comentar o assunto.

Leia mais:

  • Inteligência artificial: conheça os pontos negativos e perigos da IA
  • 5 melhores cursos de IA para iniciantes
  • Gemini: IA do Google vai exibir links relacionados à sua pesquisa
Logo de chatbots
Outras IAs não têm essa regra (Imagem: Koshiro K/Shutterstock)

Outras IAs não têm essa regra

Vale destacar que, entre as várias IAs que operam no Brasil, como ChatGPT e Claude, apenas o Gemini recebeu restrição sobre os candidatos às eleições municipais brasileiras.

Ao periódico, Marco Aurelio Ruediger, diretor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI), explicou que a profusão dos sistemas de IA generativa, como os citados, pode mudar como as pessoas pesquisam na internet, em “jogo de interação” que tem potencial de se tornar mais complexo.

Ele acredita que, até para o Google, pode ficar difícil controlar a filtragem de respostas: “Estamos no prelúdio de relação que, talvez, ainda não consigamos entender. Mas certamente haverá complexidade maior. […] Pode se tornar questão enorme em poucos anos, até nas eleições de 2026”, opinou.

Como se sabe, os sistemas de IA generativa coletam vastas quantidades de informações na internet para fins de treinamento e responder aos seus usuários. Contudo, Fernando Ferreira, doutor em inteligência computacional e pesquisador do NetLab da UFRJ, alertou que os resultados produzidos pelos chatbots se baseiam em probabilidade.

Ele rememorou que o treinamento dos sistemas se balizam em duas etapas primordiais. Na primeira, a IA gera respostas baseadas em padrões e probabilidades, calculando a sequência de palavras que soa lógico conforme o contexto.

A segunda etapa, chamada de aprendizado de reforço, envolve “ensinar” a tecnologia a ajustar suas respostas. “A dificuldade é essa. Fazer esse alinhamento para absolutamente tudo. Termos mais simples relacionados a eleições podem ser mais fáceis de serem barrados, mas nomes específicos, por exemplo, não. Me parece que falta mapeamento de quem são os candidatos”, pontuou.

“Minha preocupação é as pessoas usarem esses modelos generativos como fontes de informação. Eles são modelos probabilísticos, e não fontes confiáveis”, encerrou.

O post Gemini não respeita Google e quer falar de política no Brasil; entenda apareceu primeiro em Olhar Digital.

Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/09/11/pro/gemini-nao-respeita-google-e-quer-falar-de-politica-no-brasil-entenda/