22 de setembro de 2024
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A influência política dos grandes pastores de igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais tem dado sinais de enfraquecimento diante do avanço dos discursos cristãos nas redes sociais, encabeçados por influenciadores digitais, a maioria sem ordenação formal de igrejas. Entre eles estão coachs, empresários e artistas.

Na eleição de São Paulo, os principais segmentos evangélicos, como Assembleia de Deus, Renascer, Quadrangular, Mundial e Universal declararam apoio à reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Mesmo assim, o candidato do PRTB, Pablo Marçal, um conhecedor das estratégias virtuais, continua tecnicamente empatado com o emedebista nesse grupo, segundo as pesquisas. Os dois candidatos são os que mais têm a intenção de votos do segmento.

De acordo com o Datafolha mais recente, divulgado na quinta-feira, Nunes tem 32% das intenções de voto nesse eleitorado, enquanto Marçal soma 26% — estão empatados na margem de erro, de seis pontos para mais ou para menos nesse grupo. Guilherme Boulos (PSOL) alcança 15%; Marina Helena (Novo) tem 6%; José Luiz Datena chega a 5%; e Tabata Amaral, a 4%.

Aliados de Nunes admitem que o modelo tradicional para conquista desse eleitorado, via pastores nos púlpitos, pode não ser suficiente para ampliar sua base. Pensando no impacto das redes sociais, principalmente sobre os jovens evangélicos, os marqueteiros têm planejado posts direcionados para eles. Além da pulverização dos discursos religiosos online, Nunes não é apoiado oficialmente por vertentes evangélicas menores, como a Igreja Batista Lagoinha, a Igreja Verbo Vivo e a Assembleia de Deus Paulistana.

Marçal sinaliza que vai mirar no segmento religioso na reta final da campanha. Recentemente, encaminhou um vídeo no qual se direciona a pastores ou “líderes em sua igreja” para convidá-los a uma reunião via Zoom, em um grupo de apoiadores. O empresário vem ganhando espaço com parte do segmento nas redes. Ele tem o apoio, por exemplo, do cirurgião plástico Stanley Bittar. Especializado em implantes capilares, o médico começou seu império em Alphaville, e hoje faz palestras motivacionais e com dicas de negócios. Além disso, adotou discurso religioso nas suas redes sociais — só no Instagram ele tem quase um milhão de seguidores — e montou em sua empresa uma célula evangélica, a Culto Stanley, ligada à Igreja Batista Atitude, que promove cultos em casas ou em espaços particulares.

— A mistura do coach com a religião é interessante, desde que não passe do limite. Desde que isso não dê uma conotação de que essas ferramentas são mais importantes do que do cumprir os princípios e a palavra (de Deus) — avalia o pastor Assad, da Igreja Batista Lagoinha, no bairro da Barra Funda, em São Paulo.

Questionado sobre sua posição política na eleição de São Paulo, o pastor afirmou que não havia escolhido um candidato, mas é contra a esquerda. Apesar da sinalização, ele avalia que os líderes das igrejas não influenciam como antes a escolha política do rebanho.

O surgimento das células evangélicas não é novidade e vem acompanhando a evolução das igrejas pentecostais desde o início dos anos 2000. O modelo ganhou impulso, principalmente na classe média, após a pandemia.

“Cristão desigrejado”

O antropólogo Flávio Conrado, pesquisador da religião evangélica no Brasil e assessor da Casa Galileia, explica que tanto o formato de células religiosas quanto as mensagens e cultos on-line se fortalecem diante da tendência do cristão “desigrejado”, aquele que não está sob autoridade de um pastor.

— Os “desigrejados” não têm pertencimento institucional. Esse grupo pode vir a se tornar um número razoável do campo evangélico atual, como aconteceu com o católico não praticante. O “desigrejado” se comunica com essa religiosidade difusa, feita a la carte. Como você não cria fidelidade a uma liderança, os influenciadores podem capturar esses cristãos — afirmou.

Conrado avalia que o voto evangélico costumava ser pragmático até 2018, sempre para candidatos de centro-direita ou direita que tinham boas chances e reuniam coligações que representavam o interesse das igrejas nas bancadas evangélicas ou em questões de regramento urbano. A partir da eleição de Jair Bolsonaro, porém, a retórica ideológica bagunçou essa bússola, e parte do eleitorado passou a votar também movido por temas ideológicos, como anticomunismo e afins — que, ao menos no início da eleição paulistana, são mais explorados por Marçal. Mas a instrumentalização do discurso religioso, diz o antropólogo, avançou para além dos seguidores do ex-presidente.

— Os líderes evangélicos tradicionais construíram um modo de fazer política tradicional, entraram nos partidos de direita. A mediação antes passava necessariamente pelo pastor, pelo culto, hoje passa também pelas redes sociais. Marçal, por exemplo, chega nesse ambiente sabendo usar bem as redes. Aparentemente, a liderança religiosa vem tendo uma perda de poder político, vamos ver se isso vai se consolidar — diz o pesquisador.

Para o bispo da Universal e vereador André Santos (Republicanos-SP), a força da mensagem político-religiosa de influenciadores digitais existe, mas é limitada. Ele e outras lideranças da igreja declararam apoio a Ricardo Nunes:

— As pessoas que não têm ligação direta com a igreja são propensas a ouvir menos a voz do pastor, mas o campo não está tão aberto assim para os influenciadores. As próprias igrejas intensificaram o trabalho nas redes sociais.

Internet com “limites”

O relacionamento entre rebanho e pastores, construído ao longo dos anos, é destacado como decisivo por Jefferson Campos (PL-SP), deputado federal e pastor da Igreja Quadrangular:

— A construção do voto é múltipla, é o apoio, a imagem, é o relacionamento que vamos construindo com o fiel, com o eleitor. A internet é fortíssima, mas tem seu limite, nada supera a influência do líder, da família.

Na unidade da Assembleia de Deus Paulistana, no bairro Jardim Sidney, próximo a Pirituba, na Zona Norte de São Paulo, os pastores e diáconos já declararam apoio a um candidato a vereador da região, do partido Republicanos, mas o candidato a prefeito ainda não foi escolhido pelas lideranças.

Diaconisa na igreja, Tatiana Araujo de Oliveira, mulher do presbítero Cleber de Oliveira Araujo, disse que os pastores falam, dão dicas, dizem quem apoiam, mas o voto é livre:

— A gente pode não concordar plenamente com um candidato, mas procura um que não vai fugir da palavra de Deus. Não vou sair votando em um cara que está totalmente fora da minha fé.

Com informações do GLOBO.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/cristaos-desigrejados-candidatos-influenciadores-miram-evangelicos-e-impactam-acao-politica-de-pastores/