24 de novembro de 2024
TCU aperta o cerco na fiscalização de emendas parlamentares, com
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O Tribunal de Contas da União (TCU) apertou o cerco na investigação de desvio de recursos de emendas parlamentares, sejam elas individuais, de comissão ou do chamado “orçamento secreto”. Ao todo, o tribunal tem 21 processos, em curso ou finalizados, com apuração de irregularidades envolvendo um montante de mais de R$ 10 bilhões em emendas.

As principais irregularidades encontradas até o momento dizem respeito a superfaturamento e sobrepreço (quando o prejuízo não foi consumado) na pavimentação de asfalto, além de desvio de verbas da saúde e irregularidades na execução de obras como praças, campos de futebol e pontes.

Um dos principais alvos das auditorias é a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que teve seu orçamento inflado nos últimos anos para atender a barganhas do governo com o Congresso e passou a ser chamada de estatal do Centrão.

A lista de 21 processos foi enviada pelo TCU ao ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que é relator da ação em que o orçamento secreto foi declarado inconstitucional. Dino, que tem tomado medidas para verificar o cumprimento dessa decisão, encaminhou o documento à Procuradoria-Geral da República (PGR), “para as providências que julgar cabíveis”. Dez desses casos ainda estão em tramitação no TCU.

Uma das auditorias, já encerrada, encontrou irregularidades em 29 pregões eletrônicos lançados ao final de 2020 pela Codevasf para serviços de pavimentação de vias públicas, que totalizaram R$ 533,4 milhões em contratos. O TCU concluiu ter havido utilização indevida do sistema de registro de preços (SRP) para a contratação de obras, além de outras irregularidades relacionadas à execução dos contratos que resultaram em sobrepreços de até 70%.

Procurada, a Codevasf disse que os acórdãos mencionados tratam de pregões e contratos dos anos de 2019 e 2020. “Desde então, a Codevasf adotou uma série de medidas voltadas ao aperfeiçoamento de processos de contratação. Entre essas medidas, estão: parcelamento dos objetos de contratação; padronização de editais, termos de referência e contratos; constituição de comissão permanente para monitoramento de ações; treinamento de equipes de fiscalização; e adesão ao Programa Brasil M.A.I.S., para uso de imagens de satélite no acompanhamento de serviços de pavimentação”, afirma a companhia.

A auditoria identificou falhas no planejamento, ausência de amparo legal para as contratações, além da falta elementos técnicos necessários para execução das obras. “Foi entendido como um indício de irregularidade grave o fato de que as licitações possuíam objetos indefinidos e locais de execução indeterminados, inexistindo projetos básico e executivo das intervenções a serem realizadas”, diz trecho do relatório do TCU.

A Corte, ao constatar as irregularidades, fez diversas determinações à Codevasf visando “o aprimoramento de seus processos de contratações de serviços de pavimentação de vias públicas”. Segundo o TCU, os recursos para essas obras “são, majoritariamente, advindos de emendas parlamentares”.

O TCU ainda identificou que, em geral, os recursos para as emendas chegam nos últimos meses do ano, “quando não há mais tempo para a realização de processo licitatório necessário para a celebração de contratos e empenho das despesas”. A companhia utilizaria, então, o método de adesão à ata para permitir a execução do orçamento ainda dentro do exercício, o que potencializaria a possibilidade de irregularidades.

Outra auditoria do TCU na Codevasf mirou ilegalidades relacionadas especificamente à compra de máquinas pesadas, como tratores, retroescavadeiras, motoniveladoras bancadas com emendas do orçamento secreto. O sobrepreço, nesses casos, chegou a 30% do valor de alguns equipamentos, mas o TCU diz que não houve prejuízo para a União porque as compras não chegaram a ser efetivadas.

“Embora tenha sido confirmada a existência de sobrepreço na maioria das atas de registro de preços, todas elas tiveram vigência expirada, e o únicos itens com ordens de fornecimento emitidas (trator de esteira) não foram honrados pela empresa contratada por ter sua solicitação de reequilíbrio econômico-financeiro indeferida pela Codevasf”, diz trecho do relatório. Mesmo assim, a corte determinou que a Codevasf estabelecesse “medidas a fim de buscar preços mais econômicos de máquinas”.

Ainda por meio de nota, a companhia disse que “atua em permanente cooperação com órgãos de fiscalização e controle e trabalha de modo diligente para cumprimento de suas recomendações e determinações”. “Divergências eventualmente existentes entre faturas apresentadas por empresas contratadas e serviços efetivamente executados são objeto de notificação a essas empresas, para fins de ressarcimento do faturamento indevido. O procedimento é adotado pela companhia sempre que inconformidades são identificadas”, acrescentou a Codevasf.

Calha Norte

Outra investigação, aberta por solicitação do Congresso Nacional, investiga o uso de emendas por meio do Programa Calha Norte (PCN), gerido pelo Ministério da Defesa. Somente entre 2009 e 2022, o programa movimentou R$ 4,3 bilhões em recursos de emendas parlamentares, que são alvos das apurações. Atualmente, o programa atende 619 cidades localizadas em 10 estados. Desse total, R$ 3,5 bilhões se referem a obras e 33,2% tem como finalidade a construção de calçamentos.

Segundo o TCU, os relatórios de situação do próprio Ministério da Defesa sugerem fragilidades no acompanhamento dos convênios. “O aumento do escopo de atuação do programa, infelizmente, tendo sido acompanhado também de denúncias de sobrepreço e superfaturamento e de desequilíbrio dos municípios contemplados, tendo em vista o excesso de recursos direcionados a redutos eleitorais de deputados e senadores da base de governo — governo passado e atual, sem distinção”, diz a apuração do tribunal.

Entre os anos de 2020 e 2023, o TCU diz ter realizado 25 processos de tomada de contas especial para apurar irregularidades gasto com emendas por meio do Calha Norte. Segundo o TCU, isso demonstraria que “há fragilidades nos controles a que são submetidos os convênios celebrados pelo Ministério da Defesa”.

Procurado, o Ministério da Defesa ainda não se manifestou.

O ministro relator do caso, Jhonatan de Jesus, solicitou uma auditoria, que ainda está em andamento, para apurar possíveis irregularidades. Em abril de 2022, o GLOBO mostrou que, somente por meio do orçamento secreto, o ministro da Defesa bancou R$ 588 milhões em obras em municípios comandados por aliados do governo Bolsonaro. As obras incluíram praças, passarelas de concreto, edifícios para abrigar câmaras de vereadores e até capelas funerárias.

Recursos da saúde

Outra apuração, da Auditoria de Conformidade do TCU, verifica a aplicação de recursos da Saúde transferidos a municípios. O TCU registrou crescimento de cerca de R$ 6,1 bilhões nas transferências realizadas a partir de 2020 na área da saúde, que correspondem a um incremento de 90% relativos ao exercício anterior. As emendas de relator-geral, nome técnico do orçamento secreto, foram as principais responsáveis por esse incremento, contribuindo com R$ 3,9 bilhões (64% do incremento total).

A unidade técnica apontou como risco potencial decorrentes das emendas do relator a possibilidade de “concentração de recursos junto a um mesmo favorecido e a falta de transparência quanto à autoria da emenda”. O TCU identificou que municípios utilizaram recursos da saúde para o pagamento de pessoal, além de superfaturamento na aquisição de bens e práticas antieconômicas.

Bela Vista, cidade do Maranhão com 11,3 mil habitantes, por exemplo, recebeu em 2021 R$ 5,5 milhões em verbas de emendas parlamentares para a atenção de “média e alta complexidade”, que resultam numa média de 490 reais per capita. Isso é 24 vezes mais do que a média nacional.

Bom Lugar, no mesmo estado, não tem nem hospital, mas aumentou seus atendimentos em saúde em 1.300% de um ano para o outro. Em Igarapé Grande, as consultas foram tão infladas que chegaram à média de 34 por habitante, padrão que supera até o recorde mundial, estabelecido pela Coreia do Sul, com média anual de 17 consultas por habitante.

Kits de robótica

O tribunal também analisou a compra de kits de robótica em Alagoas, financiadas com emendas de relator. O TCU chegou a suspender os repasses de recursos para a compra de equipamentos. Depois, permitiu o pagamento apenas dos kits que foram comprovadamente entregues.

O relator, ministro Walton de Alencar, afirmou em seu voto que houve falhas “extremamente graves, tornando o desperdício de recursos públicos certo”.

“É possível inferir que escolas sem condições de utilizar as soluções de robótica podem ter recebido recursos para tal; que os alunos não estão sendo devidamente beneficiados pela política pública; que as especificações dos kits fornecidos não têm embasamento em estudos que demonstrem adequada relação custo-benefício, bem como considerem as efetivas necessidades dos produtos para o perfil dos estudantes; e que os valores praticados não têm nenhum fundamento em avaliações de mercado,” afirmou Alencar.

CGU também apura emendas

O uso de emendas também é alvo de apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Em relatório enviado ao STF, o órgão afirmou que as emendas de comissão da Câmara e do Senado repetem o modelo do orçamento secreto, com falta de transparência e de controle dos gastos.

Classificados pela sigla RP8, esses recursos correspondem a R$ 15,4 bilhões do Orçamento neste ano e forma como vêm sendo utilizados, segundo o relatório, “prejudica a eficiência da execução orçamentária, esvaziando a capacidade do Estado de aplicar recursos em iniciativas estratégicas e enfraquecendo a implementação de políticas públicas essenciais”.

A CGU também levantou as dez cidades mais beneficiadas com emendas parlamentares, proporcionalmente ao seu número de habitantes. Cinco das dez cidades estão no Amapá, incluindo as três primeiras da lista. Devido à concentração de cidades da Região Norte, o ministro do STF ordenou que um novo relatório seja apresentado, dessa vez com até seis municípios em cada uma das outras quatro regiões.

Com informações de O Globo

Fonte: https://agendadopoder.com.br/tcu-aperta-o-cerco-na-fiscalizacao-de-emendas-parlamentares-com-21-apuracoes-mirando-irregularidades/