25 de novembro de 2024
uma despedida que soube a um abraço
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O Terno Fotografia: Pedro Maciel

“Quem está vendo Terno pela primeira vez?”, perguntou Tim Bernardes a todos os que esgotaram a lotação do Coliseu dos Recreios na noite de segunda-feira, 18 de Novembro. “É a última!”, responde a rir. A piada terá sido recorrente nos bastidores dos vários concertos da digressão de despedida d’O Terno, que já passou por várias cidades do Brasil, por Los Angeles, Tóquio e que vem dar o último suspiro ao Porto, já nesta quinta-feira, dia 21 de Novembro.

Na primeira passagem por Portugal, em 2016, os Terno saíram do Primavera Sound, em Barcelona, tocaram no MusicBox e depois perante umas 8 pessoas no Texas Bar, em Amor, Leiria. Na despedida, tocaram no emblemático palco de Coliseu dos Recreios à pinha, numa noite que ficará gravada na memória do público português.

O Terno nasceu em 2009, em São Paulo, quando eram apenas miúdos apaixonados pelos Mutantes e Beatles. Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Victor Chaves (este último substituído por Gabriel Basile em 2015) rapidamente ultrapassaram as suas inspirações iniciais, criando uma identidade própria.

O álbum de estreia, 66 (2012), foi aclamado como um marco na música brasileira contemporânea pela Globo, misturando tropicalismo, psicadelismo e pop sofisticado de uma forma inovadora.

O segundo álbum, homónimo, marcou um ponto de viragem crucial. Ao se afastar do rótulo de “revivalistas”, O Terno reposicionou-se na vanguarda da cena musical brasileira. Este trabalho representa o momento em que encontraram a sua verdadeira essência artística, superando influências e criando algo genuinamente original.

Melhor do que Parece (2016), o terceiro disco, é considerado não só o auge da banda, mas um dos pilares do rock brasileiro da década. Com arranjos ousados que incorporam uma paleta orquestral diversificada, o álbum mostra a evolução notável da escrita de Tim Bernardes. As letras evocam, numa mistura de inocência e complexidade, o espírito de Pet Sounds dos Beach Boys, mas com uma identidade brasileira inconfundível.

O quarto e último álbum, Atrás/Além (2019), é um profundo mergulho existencial. Tim Bernardes, à beira dos 30, capta magistralmente o limbo entre juventude e maturidade. Os 12 temas que o compõem retratam as inquietações de uma geração que já experimentou a euforia da juventude (no álbum 66), a novidade da descoberta (no álbum homónimo) e a leveza de Melhor do que Parece. Não há espaço para melancolia excessiva ou alegria desmedida – é um retrato sóbrio do limiar da vida adulta. A recorrência da palavra “final” no disco, seja nas letras ou títulos, sublinha esse momento de transição e introspeção. Como sintetizou Guilherme D’Almeida: “São despedidas e coisas novas, mas não é um funeral nem um renascimento. É tudo ao mesmo tempo.”

O Terno – Fotografia: Pedro Maciel

O último concerto em Lisboa também não soube a despedida, tampouco foi um “funeral”. Pelo público andava Gregório Duvivier, os membros dos Capitão Fausto e pessoas vindas de muitos lados (Canadá e França, ouviu-se), e tudo foi, acima de tudo, uma celebração.

Com uma setlist que abrangeu toda a sua discografia, o concerto começou pela atmosférica “Atrás/Além” e na belíssima declaração de interesses proferida em “Recuperando as memórias do que eu fiz/ No tempo junto ao seu lado fui feliz/ Quem sabe um dia eu te encontro por aí”. O tom intro e retrospectivo de “Tudo o que eu não fiz”, a procura de um equilíbrio de “Pegando leve” e a mais antiga das angústias humanas do desejo universal de amar e ser amado, em “A História Mais Velha do Mundo” e a certeza do amor encontrado em “Não espero mais” puseram fim ao primeiro quinteto de canções.

Seguimos por “Lua Cheia”, com toques psicadélicos, com “Pra Sempre será” e aquela certeza de “Mesmo que acabe, não vai terminar”. Passamos por “Eu vou”, onde se busca por liberdade e maturidade emocionais. Ouvimos em “O Cinza” “O povo corre mas não sabe bem pra onde / No fundo só querem fugir pra muito longe” para desembocarmos em “Morto”, que, no seu blues visceral, oferece uma reflexão sobre a dificuldade de aceitar a própria mortalidade.

“Volta” foi um dos pontos mais emotivos do concerto, com um desenvergonhado coro colectivo num lembrete de que o amor e a felicidade numa relação se podem fazer entre encontros e afastamentos, e “Passado/Futuro” colocou um ponto final na primeira parte, numa “nostalgia da novidade, saudades do futuro”. Para o envergonhado encore tivemos “Melhor do que parece”, que nos fala sobre o pessimismo geral quando está tudo certo, e “66”, que reforça a união entre o antigo e o novo, a simplicidade e a complexidade, a banalidade e o a necessidade de inovação.

Com breves interações com o público, com memórias de digressões que passaram por Portugal, com reconhecimentos e agradecimentos, foi-nos presenteado um concerto que destaca a diversidade das influências d’O Terno, alternando entre o revivalismo dos anos 60/70, rock psicadélico e música experimental. Alternando entre a guitarra e o piano, Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Gabriel Basile demonstraram-nos também que o melhor legado d’O Terno são as músicas que ficam e os músicos que entraram para o firmamento da música. Na casa dos 30 anos, Tim Bernardes é possivelmente o maior ativo da música popular brasileira e uma das vozes mais bonitas que já ouvimos. Com um alcance vocal impressionante, a versatilidade da voz e o conforto com que alterna o falsete com tons mais baixos, acompanhados pelo virtuosismo com que toca guitarra e piano e as letras perspicazes e acutilantes, Tim Bernardes é uma lufada de ar fresco em tudo o que nos dá, um porto de abrigo para descansarmos do frenesim das angústias, das tristezas e das alegrias. E as músicas d’O Terno são pequenos templos, onde se encontram paralelismos com as nossas vivências, se aquece o coração e se dá aquele passinho de dança, por vezes mais solto, por vezes mais envergonhado. E essas ficarão para sempre.

Setlist:

  1. Atrás/Além
  2. Tudo o que eu não fiz
  3. Pegando leve
  4. A história mais velha do mundo
  5. Não espero mais
  6. Nada/Tudo
  7. Depois que a dor passar
  8. O bilhete
  9. Lua Cheia
  10. Pra sempre será
  11. Minas Gerais
  12. Eu vou
  13. O cinza
  14. Morto
  15. Profundo/Superficial
  16. Volta e meia
  17. Culpa
  18. Bielzinho/Bielzinho
  19. Volta
  20. Passado/Futuro
  21. E no final
  22. Melhor do que parece
  23. 66

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/o-terno-uma-despedida-que-soube-a-um-abraco/