28 de novembro de 2024
Bolsonaro muda o tom, chama Pablo Marçal de mentiroso e
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Em 8 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal apreendeu um texto na sala de Jair Bolsonaro no PL em Brasília que, após avaliação dos investigadores, foi classificado como “discurso pós-golpe”.

O discurso tem quatro páginas e elenca argumentos para convocação das Forças Armadas. O texto termina da seguinte maneira: “Declaro Estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”. Junto do documento, segundo a PF, havia um parecer jurídico que justificava a convocação das Forças Armadas para anular o resultado das eleições e até a proposta de trocas ministros do TSE.

A PF considerou o texto como um esboço de discurso. “Documento cujo teor parece se tratar de ensaio para discurso preparado para eventual subversão do Estado Democrático de Direito”, diz o relatório do delegado da PF, Daniel Brasil, sobre o que foi encontrado nas buscas.

Os investigadores acreditam que o material seria lido após a ruptura democrática. O documento cita alegados abusos cometidos pelo STF como argumento para as eleições, perdidas por Bolsonaro, serem canceladas.

O discurso pós-golpe contém cinco situações para embasar a intervenção militar. O Supremo e fake news são mencionados:

  • Alexandre de Moraes ser presidente do TSE e, de acordo com o discurso, ter amizade com Geraldo Alckmin, vice na chapa de Lula;
  • decisões ilegítimas restringindo prerrogativas de jornalistas e parlamentares. (Bolsonaro reclamava de medidas judiciais contra deputados e blogueiros que espalhavam fake news);
  • O TSE não investigar acusação do PL de algumas rádios não veicularem propaganda eleitoral de Bolsonaro. (Análises técnicas refutaram a denúncia);
  • o Ministério da Defesa não ter acesso ao código fonte das urnas. (Peritos militares examinaram as urnas e não encontraram falhas);
  • revisão do “trânsito em julgado”. (Não há menção, mas Lula foi condenado e posto em liberdade por falhas no processo);

“Com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro Estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, diz trecho do discurso pós-golpe, segundo a PF.

‘Princípio da moralidade’

O discurso citava artigos da Constituição numa tentativa de mascarar que se tratava de um golpe. Tese jurídicas também foram citadas na busca em dar um caráter de legalidade à intervenção militar.

O “princípio da moralidade” é a base do discurso pós-golpe. Relativo à administração pública, o princípio estabelece que os agentes públicos devem atuar de acordo com os preceitos éticos, além de cumprirem a lei.Ele é citado no começo do texto e, na interpretação de quem escreveu o discurso apreendido, permite contestar uma decisão judicial tomada com amparo da lei caso ela ocorra com intuito autoritário — algo que o bolsonarismo acusa o STF de praticar.

Na interpretação do autor do discurso pós-golpe, o “princípio da moralidade” se aplicava inclusive às eleições. Nesse ponto, entra o parecer jurídico que também estava na sala de Bolsonaro no PL e foi apreendido pela PF dentro de uma pasta com símbolo do partido na capa.

O parecer jurídico é de Ives Gandra e afirma que as Forças Armadas são o poder moderador. O jurista escreveu que militares podem atuar em casos de subversão do Estado democrático de Direito — o que STF rejeitou em julgamento realizado em abril. Esse dispositivo, na avaliação de Gandra, poderia ser posto em prática quando abusos da Justiça e de grupos de mídia influenciam o resultado de uma eleição.

Jurista escreveu que um interventor deveria ser nomeado. Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal estariam subordinadas a ele.

O discurso pós-golpe usa argumentos desse parecer jurídico. Caso o golpe tivesse ocorrido, afirmações de Ives Gandra, segundo a PF, seriam mencionadas junto com o “princípio da moralidade” para dar explicação do por que do golpe.

O argumento de que o poder emana do povo também foi utilizado. Cartazes com essa frase costumavam estar expostos em manifestações golpistas de bolsonaristas espalhadas pelo país — militantes gritavam “eu autorizo”, numa referência à figura de Bolsonaro como líder de uma eventual intervenção militar.

“Os documentos impressos a seguir tratam das “Forças Armadas como Poder Moderador”, diz relatório da PF sobre parecer de Gandra.

Troca de ministros do TSE

O texto de Gandra cita, sem revelar os nomes, que três ministros do TSE deveriam ser afastados. Tratavam-se de Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, Edson Fachin (então vice na corte) e Ricardo Lewandowski. Sem apresentação de provas, a tese bolsonarista é que a eleição foi desequilibrada por causa de decisões da Justiça Eleitoral. O documento apresenta três nomes de ministros substitutos: Nunes Marques, André Mendonça (ambos indicados por Bolsonaro) e Dias Toffoli.

Repotagem do portal UOL revelou que os três ministros visitaram Bolsonaro. Os encontros ocorreram no Palácio da Alvorada entre junho e dezembro de 2022 e foram registrados pelo GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, que era o responsável pela segurança dos palácios presidenciais. No fim daquele ano, o ex-presidente esteve recluso após perder para Lula. Procurados por meio da assessoria de imprensa do STF, os três ministros citados não se manifestaram.

A investigação da PF indica que Bolsonaro teve encontros para tramar um golpe nesse período. Além dos ministros do STF, militares e assessores também indiciados pela PF estiveram com o ex-presidente. O relatório final não cita nenhuma das visitas dos ministros do STF.

Assessoria de Bolsonaro não se manifestou sobre a minuta que cita a troca de ministros e o suposto discurso pós-golpe. Advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten já se manifestou sobre o documento à época das buscas e disse que o texto é apócrifo e “não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente”. “Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros Poderes”, disse ele.

O PL não quis se manifestar sobre o documento. Interlocutores da sigla, porém, apontam que a sala onde foram encontrados os documentos eram utilizadas somente por Bolsonaro, o ex-ministro Walter Braga Netto e as equipes deles.

Leia, abaixo, o texto na íntegra:

“Ordem e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela “segurança jurídica” e pela liberdade” no Brasil, uma vez que não há ordem sem segurança jurídica, nem progresso sem liberdade. Nossa Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis à “segurança jurídica” e à liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e garantias (como o direito à vida, à liberdade e à igualdade), princípios fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade) e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou o Habeas Data) foram criados pelo Constituinte em linha com os interesses de todos os membros da sociedade brasileira.

Sem dúvida, neste contexto, a ideia de justiça para o Direito do Estado presume que o Poder emana do povo e que a realização da justiça é um imperativo para a sociedade e os agentes públicos. É dizer, numa perspectiva constitucional, a ideia de justiça para o Direito depende de leis justas e legítimas no Estado Democrático de Direito, assim como de decisões judiciais justas e legítimas. Para tanto, devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática. Isto ocorre, quase sempre, em razão da falta de constitucionalidade, notadamente pela ausência de zelo à moralidade institucional na conformação com o ato praticado.

Devemos lembrar que a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever expressamente “princípio da moralidade” o caput de seu artigo 37.

Este princípio constitucional (de inspiração humanista e iluminista) surgiu na jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de 100 anos, como forma de controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei. Para além de seu reconhecimento e aplicação na França, o Princípio da Moralidade também vem servindo de baliza para o exercício dos agentes públicos em outros países.

À evidência, de forma louvável por esse precedente, a Constituição Federal de 1988 converteu a “moralidade” em fator de controle da “legalidade”, inclusive quanto à interpretação e aplicação do texto constitucional e de suas lacunas, justamente para conferir a justa e esperada “legitimidade” aos atos praticados pelos agentes públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Insta dizer que o “Princípio da Moralidade Institucional” presume a probidade de todo e qualquer agente público, ou seja, sua honestidade e lisura. Ele proíbe o desvio de finalidade, enquanto arbitrariedade supralegal. Enfim, não permite que leis e/ou decisões injustas sejam legitimadas por atos autoritários e afastados do marco constitucional.

De modo geral, todo servidor público (seja ele um ministro do Supremo Tribunal Federal ou um “gari” de uma cidadezinha do interior) deve atuar sempre de acordo com o “Princípio da Moralidade Institucional”: deve atuar de forma íntegra e legítima, sempre de acordo com a justa legalidade!

O “servidor público” no exercício da magistratura não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra a Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional, isto porque, este mandado constitucional não pode ser afastado, nem ter o seu alcance mitigado: deve sempre ser considerado aplicado. Do contrário, teremos uma atuação ilegítima.

O juiz de direito (seja ele ministro do STF, ou não) nunca pode agir sem a devida e esperada confirmação de suas decisões à moralidade institucional.

Enquanto “guardiões da Constituição”, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, também estão sujeitos ao “Princípio da Moralidade”, inclusive quando promovem o ativismo judicial.

Aliás, o desmentido ativismo judicial e a aparente “legalidade” (desprovidas de legitimidade, contrárias ao Princípio da Moralidade Institucional e, assim injustas) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores, senão vejamos, entre outros, algumas situações recentes:

  • as normas legítimas autorizando a atuação de juízes suspeitos (nestas eleições, o Ministro Alexandre de Moraes nunca poderia ter presidido o TSE, uma vez que ele e Geraldo Alckmin possuem vínculos de longa data, como todos sabem);
  • as decisões legítimas permitindo a censura prévia (restringindo as prerrogativas profissionais da imprensa e de parlamentares, por exemplo);
  • as decisões afastando muitas “causas justas” da apreciação da Justiça (o TSE não apurou a denúncia relativa à falta de inserções de propaganda eleitoral);
  • as decisões limitando a transparência do processo eleitoral e impedindo o reconhecimento de sua legitimidade (impedindo o acesso do Ministério da Defesa ao “código fonte” das umas, não apurando a denúncia do PL quanto às umas velhas;
  • e, ainda, impondo multa arbitrária e confiscatória para constranger o PL em razão de suposta litigância de má-fé — aliás, os dois primeiros dígitos da multa imposta coincidem com o número do partido político em questão) e;
  • as decisões abrindo a possibilidade de revisão do “trânsito em julgado” de importantes matérias já pacificadas pelo STF (notadamente, para prejudicar os interesses de certos e determinados contribuintes).

É importante dizer que todas estas supostas normas e decisões são ilegitimas, ainda que sejam aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais, isto porque, são verdadeiramente inconstitucionais na medida em que ferem o Princípio da Moralidade Institucional: maculando a segurança jurídica e na prática se revelando manifestamente injustas. Para além deste fundamento comum de verdadeira inconstitucionalidade, outros princípios, direitos e garantias também restam vulnerados de forma pontual. Enfim, são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais, em verdade que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país.

Não à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de nosso discurso. Na Antiguidade, “Dar a cada um o que é seu” já era uma ideia defendida por Aristóteles, como definição de justiça e principio de direito. No Iluminismo, a necessidade de “resistência às leis injustas” já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino. Mais recentemente, após a Segunda Guerra Mundial, Otto Bachof defendeu na Alemanha a possibilidade de controle das normas constitucionais inconstitucionais, em especial ao reconhecer existência de um direito supralegal, ou seja, um direito pressuposto natural acima da Constituição e de suas normas.

[Aqui, tratar de forma breve das decisões inconstitucionais do STF]

Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem.”

Com informações do UOL.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/pf-diz-que-sala-de-bolsonaro-na-sede-do-pl-em-brasilia-guardava-discurso-pos-golpe-leia-a-integra/