O uso indiscriminado de antibióticos na produção industrial de animais é um problema que desafia tanto a saúde pública quanto a sustentabilidade ambiental, segundo Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Ao Jornal da USP, ele afirma que essa prática está diretamente relacionada ao surgimento de superbactérias resistentes a medicamentos, uma ameaça crescente para a humanidade.
Abramovay ressalta que 70% dos antibióticos produzidos globalmente são destinados a animais, com aplicação frequentemente facilitada por brechas na legislação, inclusive no Brasil. “Apesar de uma legislação proibitiva, é muito fácil administrar antibióticos a animais”, alerta o pesquisador.
Ele também aponta a monotonia genética e o confinamento intensivo como fatores que intensificam a necessidade do uso dessas substâncias, criando ambiente propício à proliferação de vírus e bactérias.
Monotonia no sistema agroalimentar
- O especialista descreve o sistema agroalimentar global como baseado em “tríplice monotonia“;
- Na agricultura, a produção de calorias é concentrada em poucos cultivos, como arroz, milho, batata, soja e trigo, grande parte destinada à alimentação animal;
- Na pecuária, a homogeneidade genética de aves e suínos criados em larga escala agrava os riscos de surtos de doenças, aumentando a dependência de antibióticos;
- “Essa concentração de animais geneticamente homogêneos é um terreno ideal para a proliferação de vírus e bactérias. A única forma de evitar a disseminação é administrando medicamentos, como antibióticos”, explica.
Impactos ambientais e na saúde humana
Além do risco para a saúde humana, o uso excessivo de antibióticos na pecuária provoca graves danos ambientais, como a contaminação de solo, água e ar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já considera o problema um dos dez maiores desafios de saúde pública global.
Embora existam esforços internacionais para reduzir o uso de antibióticos na produção animal, Abramovay ressalta que mudanças significativas nos métodos de produção são indispensáveis.
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Soluções possíveis
Abramovay aponta que reduzir a densidade de animais por metro quadrado e adotar padrões mais rigorosos de higiene, como ocorre na Europa, pode diminuir drasticamente a necessidade de antibióticos sem comprometer a produção de proteínas.
Ele também defende que a diversificação da dieta, com menor consumo de carne, é essencial para romper o ciclo insustentável de produção e consumo. “O necessário para uma alimentação saudável não é consumir cada vez mais carne, mas, sim, diversificar a alimentação e ampliar o leque de produtos consumidos”, diz.
Transformação do sistema alimentar
A busca por um sistema agroalimentar mais sustentável também ganhou destaque no cenário internacional. Abramovay é coautor do relatório Bem-Estar Animal para um Sistema Agroalimentar Saudável e Sustentável, acolhido pelo Brasil no G20. Ele acredita que aliar eficiência produtiva à sobriedade no consumo é fundamental para compatibilizar a produção de alimentos com os limites ecológicos do planeta.
“O setor agroalimentar foi eficiente na conversão de proteínas vegetais em proteínas animais, mas precisamos ir além da eficiência. É necessário adotar padrões de suficiência e sobriedade no consumo. Sem isso, não conseguiremos equilibrar a oferta de bens e serviços com os limites impostos pelos ecossistemas”, conclui o professor.
A reflexão sobre o uso de antibióticos na pecuária insere-se em debate mais amplo sobre a urgência de repensar os sistemas produtivos e padrões de consumo para garantir a saúde humana, a proteção ambiental e a sustentabilidade do planeta.
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