12 de janeiro de 2025
Entrevista. Novo projeto propõe olhar atual sobre canções de José
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por Lusa,    12 Janeiro, 2025


José Afonso / DR

O projeto “Wanderer Songs (Cantares do Andarilho)” propõe um olhar contemporâneo sobre as canções de José Afonso, interpretadas por artistas como Tiago Correia-Paulo, PS Lucas, Lavoisier e Selma Uamusse.

O projeto de reinterpretação artística do repertório de José Afonso (1929-1987) inspira-se no concerto de despedida do criador de “Grândola, vila morena”, realizado no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em janeiro de 1983, gravado e editado em disco. E confirma a atualidade das suas canções, “quanto às letras e ao conteúdo sociopolítico e humanista”, comprovando que são “mais atuais e necessárias do que nunca”, como reconhecem protagonistas do projeto.

Desenvolvido com apoio e colaboração de Pedro Afonso, filho do cantautor, o projeto “Wanderer Songs (Cantares do Andarilho)” conta com a participação dos artistas Nacho Vegas, Augusto Macedo e Diogo Sousa, e ainda de Nástio Mosquito e Vic Pereiró, que também intervêm nos audiovisuais.

“Wanderer Songs (Cantares do Andarilho)” foi preparado em abril do ano passado, numa residência artística no Teatro Faialense, na Horta, na ilha do Faial, Açores, que contou com a participação de diversos artistas, portugueses e estrangeiros, convidados por Pedro Afonso.

O álbum, com a etiqueta Mais Cinco, de Nuno Saraiva, foi gravado ao vivo no Teatro Faialense, e chegará ao mercado no próximo dia 24, antecedido por dois concertos, no dia 22, na Casa da Música, no Porto, e no dia seguinte, no Teatro Tivoli, em Lisboa.

Em palco vão ser projetadas imagens, “para complementarem mensagens, dando uma outra dimensão” ao projeto, um trabalho conceptual do angolano Nástio Mosquito e de Vic Pereiró, responsável pela sua apresentação em palco, disse à agência Lusa o músico PC Lucas.

O editor Nuno Saraiva, em declarações à Lusa, contou que o projeto nasceu de uma conversa que teve com Pedro Afonso, no sentido de “reinterpretar a obra [de José Afonso] numa linguagem [musical] mais atual, numa estética mais século XXI”.

“Os artistas foram todos escolhidos a dedo entre nós”, acrescentou Nuno Saraiva, garantindo que o projeto “nem avançaria sem o apoio de Pedro Afonso”.

Nuno Saraiva defendeu que “qualquer obra de tempos anteriores, deve ser atualizada, merece sempre ser revisitada e atualizada no momento em que vivemos”, e acrescentou: “Isso aplica-se a Bob Marley, a Elvis Presley, ou seja a quem for; uma obra merece sempre esse novo pensamento e essa abordagem renovada”.

“Sobretudo, quando esteve fora de circulação tanto tempo, como foi o caso de José Afonso”, realçou.
O editor fonográfico enfatizou a importância de dar a conhecer José Afonso às novas gerações que “podem não estar tão habituadas a ouvir ‘folk music’ e ‘world music’”.

“Neste projeto temos artistas atuais a reinterpretarem as músicas do Zeca [Afonso] e a surpresa de todos foi que, na verdade, na sua génese, as suas canções, letra e música, continuam muitíssimo atuais, não parecem obras com tantos anos de vida”.

“Musicalmente falando os temas são intemporais, mesmo com esta nova roupagem sentem-se extremamente atuais, quanto às letras e ao conteúdo sociopolítico e humanista, eu diria que infelizmente, e reforço, infelizmente, são mais atuais e necessárias do que nunca”.

“Estou a ver o 25 [de Abril] muito malparado com a subida dos populismos e tiranos que andam pelo planeta, uma nova geração de ‘vampiros’ que tem de ser alvo de combate artístico, em prol do humanismo, da pluralidade e da igualdade, o que vejo muito malparado”, argumentou.

Para o músico PS Lucas, “as canções de Zeca Afonso são património nacional” e, reconhecendo que não é inédito recriá-las, destacou que procuraram cantá-las com a sua verdade e “não carregando nos ombros o peso do seu significado”.

“Uma vontade de nos divertirmos e fazer o que gostamos de fazer, pegar nestas canções e tocá-las como as gostamos de as tocar – a nossa verdade vem à música -, sem perder, obviamente, o respeito pelas canções e que não fossem desvirtuadas, por aquilo que elas dizem em termos do conteúdo e da mensagem, e daquilo que era a expressão musical do Zeca”, disse PS Lucas.

Saraiva esclareceu que o espetáculo no Coliseu de Lisboa “foi uma inspiração, mas não houve regras de seguir tudo à letra”.

Nesse espetáculo, explicou Nuno Saraiva, “José Afonso organizou-o quase de uma forma cronológica, como um cronograma da vida dele, do andarilhar dele nas várias estéticas, começando por Coimbra, depois a música mais tradicional, o ‘folk’, e depois as misturas ‘cross over’ com as influências africanas”.
“Todos os artistas foram livres de escolher os temas ou adicionar outros como fez o PS Lucas que interpreta ‘O Fantoche Kissinger’ ou o Nástio Mosquito a recitar ‘A Utopia’”, um tema pós-Coliseu.
A direção musical é do músico moçambicano Tiago Correia-Paulo.

O projeto tem a preocupação de se internacionalizar e já foi apresentado em julho do ano passado na Alemanha, no Rudolstadt-Festival, na região da Turíngia, e conta, ocasionalmente, com outros artistas não nacionais, daí a escolha do título em inglês, “Wanderer Songs”.

No âmbito deste projeto, está previsto as canções de José Afonso serem traduzidas noutras línguas. Há já uma versão da “Canção de Embalar” em asturiano, por Nacho Vegas. Nuno Saraiva não descarta a possibilidade de “fora de portas” e até “dentro de portas” acrescentar outros artistas ao projeto.

“Wanderer Songs” é um “projeto irreverente, mas que atualiza de uma forma muitíssimo responsável, a renovação da obra”, declarou Nuno Saraiva, acrescentando: “É uma verdadeira invocação de José Afonso, no século XXI”.

Nuno Saraiva realçou a validade e a oportunidade do projeto num mundo em que, na sua opinião, cresce a tirania e o populismo.

“Qualquer que seja o artista do século XXI que olha para o espelho e não comenta o mundo à sua volta, não passa de um mero ‘entertainer’, porque o papel do artista é assumir essa responsabilidade de comentar o mundo à sua volta”, defendeu Nuno Saraiva.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-novo-projeto-propoe-olhar-atual-sobre-cancoes-de-jose-afonso-mais-necessarias-do-que-nunca/