Com uma hierarquia horizontal em que a propriedade recai na sua comunidade, o Subvert apresenta-se como uma alternativa ao Bandcamp. Para Austin Robey, elemento fundador da plataforma, “o problema não está na utilidade de plataformas como o Bandcamp“, até porque afirma que estas são úteis e ajudam os novos artistas a encontrarem o seu público de forma mais abrangente. O problema, para si, “está no poder financeiro e na forma como o poder das tomadas de decisão se encontra estruturado.” Conforme afirma, no caso do Bandcamp a plataforma “torna-se vulnerável quando há uma dependência excessiva numa infraestrutura que não é, de forma alguma, controlada pelas pessoas que dela dependem. Esse é o ponto crítico para o qual o Subvert está a tentar encontrar uma solução.“
Afirma ainda que “a chave é não depender das promessas de pessoas singulares. Isso significa incorporar uma série de garantias nos nossos estatutos e políticas, numa verdadeira governança democrática que sirva os seus membros.” Austin cofundou a Ampled, uma plataforma de propriedade cooperativa para músicos, e a Metalabel. No âmbito do ciclo de conferências do Square Festival, inserido no “Braga 25 – capital Portuguesa da Cultura”, estará em Portugal para falar desta nova plataforma, um marketplace de música online de propriedade e controle coletivo que ainda se encontra em fase de desenvolvimento, dia 31 de Janeiro às 11h30. Embora a plataforma ainda não esteja ativa, espera-se o seu lançamento para 2025.
O que torna o Subvert diferente de outras plataformas como o Bandcamp e o Spotify?
A diferença está na forma como a propriedade está organizada. Como vimos nos últimos dois anos, o Bandcamp foi vendido duas vezes, o que gerou muita preocupação e até sentimentos de traição entre a comunidade de música independente. O que estamos a criar é uma plataforma que será totalmente controlada pelas pessoas que a utilizam. O que a torna diferente é, principalmente, a sua estrutura organizacional e jurídica que permite que seja propriedade de uma ampla base comunitária.
De que forma vai respeitar o trabalho dos artistas? Como vai funcionar o sistema de remuneração?
O sistema de pagamento e a monetização em si vão ser bem reconhecíveis. O modelo vai ser similar ao Bandcamp, mas a forma como vamos estruturar isso está a ser discutido pelos nossos membros. É importante que decisões como estas não sejam feitas unilateralmente e que os membros possam dar o seu parecer. Provavelmente, uma percentagem das vendas que vão passar pela plataforma serão para sustentar a atividade da cooperativa.
“Cabe aos artistas e à comunidade artística exigir uma maior responsabilidade, transparência, um lugar à mesa e, de forma geral, a posse coletiva.”
Muita gente viu o Bandcamp como alternativa ao Spotify, depois sucedeu-se uma série de problemas como a venda à Epic Games e depois à Songtradr, que culminou com o despedimento de 50% dos funcionários da empresa. Achas que acabamos por ser ingénuos na forma como olhamos para as boas intenções destas empresas?
Sim, porque as boas intenções não são suficientes. Se há alguma lição a tirar disto, é essa. Apesar das boas intenções, do posicionamento, das promessas e da boa vontade de uma comunidade, o que realmente faz a diferença são as regras e as estruturas que estão incorporadas nessa comunidade. Isto recai, fundamentalmente, na questão da propriedade, de quem faz as regras. Foi tentador celebrar o Bandcamp em 2020, comparando-o com as outras opções, mas acho que isso foi ingénuo. Quando foi vendido, nunca houve uma assembleia comunitária para perguntar às pessoas o que pensavam. Nunca se levantou a questão de quem poderia opinar, quem seria impactado e se essas mesmas pessoas tiveram voz ou não no processo. Isso demonstra que as boas intenções não são insuficientes. Cabe aos artistas e à comunidade artística exigir uma maior responsabilidade, transparência, um lugar à mesa e, de forma geral, a posse coletiva.
Apesar de tudo, achas que estas plataformas beneficiaram e têm sido positivas para os artistas?
O Bandcamp tem sido positivo. A autopublicação e a autodistribuição, assim como a venda com o mínimo de intermediários é uma coisa boa. Mas torna-se vulnerável quando há uma dependência excessiva numa infraestrutura que não é, de forma alguma, controlada pelas pessoas que dela dependem. Esse é o ponto crítico para o qual o Subvert está a tentar encontrar uma solução.
Como achas que estas plataformas mudaram a indústria da música?
No que diz respeito ao SoundCloud e Bandcamp, essas plataformas trouxeram uma maior democratização através da autopublicação, distribuição e vendas directas. Isso dá muita liberdade para que novos circuitos musicais se possam estabelecer. Assim, os novos artistas podem encontrar os seus públicos de nicho, alcançarem audiências globais e terem um alcance global. O problema não está na utilidade de uma plataforma como o Bandcamp, o problema está no poder financeiro e na forma como o poder das tomadas de decisão se encontra estruturado.
Mas porque achas que estas empresas acabam quase sempre por abandonar as suas intenções iniciais? Porque é difícil manter um modelo que respeite os artistas, os trabalhadores das plataformas e quem recorra a estas plataformas para só ouvir música?
Não se trata de uma questão de terem abandonado os seus princípios, apenas revelaram-se tal como sempre foram. A empresa foi fundada por pessoas que, anteriormente, tinham vendido uma empresa para o Yahoo e sempre demonstravam uma certa relutância quando questionadas sobre possíveis vendas. Por isso, não considero que os fundadores traíram as suas próprias intenções. As intenções revelaram-se pelo que sempre foram.
“Uma coisa realmente bela sobre a comunidade que está no Bandcamp, é que é uma comunidade que sente uma recompensa emocional profunda ao comprar música diretamente aos artistas e chegam, até, a pagar mais do que o preço sugerido.”
Com o crescimento da internet e a ideia da informação livre, quais são os desafios em convencer as pessoas que o trabalho de um artista deve ser pago? E que sempre que alguém se unir à plataforma, alguém ganha sempre dinheiro, sem que isso beneficie o artista?
Haverá sempre ouvintes que são mais passivos e, por outro lado, ouvintes ou participantes mais ativos. Uma coisa realmente bela sobre a comunidade que está no Bandcamp, é que é uma comunidade que sente uma recompensa emocional profunda ao comprar música diretamente aos artistas e chegam, até, a pagar mais do que o preço sugerido. Isso acontece mais da metade das vezes e esse comportamento já existe. Diria que o Subvert não é uma solução mágica com a pretensão de resolver todos os problemas da indústria da música e não é uma plataforma de streaming. Está pensado como uma plataforma de mercado onde os artistas podem vender os seus trabalhos diretamente. Não estamos, realmente, a tentar resolver os problemas do streaming em si e da economia na qual o streaming se baseia. Trata-se da criação de um espaço para pessoas que já entendem o valor da música e que passa a ser cogerido por todas essas pessoas.
Achas que a nível estatal e legal se poderia fazer mais para os royalties dos artistas serem respeitados? Por exemplo, seria justo se houvesse uma regulação cuidada destas plataformas?
A UMAW (United Musicians and Allied Workers) tem estado a trabalhar num projeto lei para os royalties e pagamentos no streaming e acredito que há espaço para intervenções na esfera pública. Há várias frentes por onde podemos avançar e creio que o Subvert está focado numa esfera mais privada. Não queremos esperar pela aprovação de uma agência governamental para fazermos o que queremos fazer. Temos que agir por conta própria, mas isso não significa que não devemos lutar por um maior apoio público para cooperativas ou por mais regulamentação.
“Na nossa comunidade há um forte sentimento contra a música artificial e considera-se que as ferramentas de Inteligência Artificial que criam músicas são interfaces que utilizam como recurso material copiado.”
No vosso site, vocês apresentam-se como uma alternativa direta ao Bandcamp. Porquê o foco no Bandcamp, em exclusivo, quando temos também o Spotify, o Soundcloud, a Apple Music e outras?
Estamos a tentar resolver um problema de cada vez e acho que é uma área onde a propriedade coletiva tem mais probabilidades de ser bem-sucedida. É oportuno e necessário. O Bandcamp está num lugar especial, à margem da indústria musical tradicional. Essa ideia de propriedade coletiva ressoa profundamente com a comunidade já existente. Estabelecer essa comparação, apresentar-nos como um sucessor do Bandcamp de propriedade coletiva também é uma referência útil que permite às pessoas entenderem o que estamos a construir.
Achas que os algoritmos interferem na nossa liberdade de escolha no que diz respeito ao que ouvimos? Pensamos que somos livres de escolher o que queremos, mas há sempre um algoritmo que nos leva a um artista ou a um estilo de música.
De muitas formas, acho que isso pode conduzir a uma espécie de homogeneização do gosto, ou seja, torná-lo todo igual. Não é que seja tudo ruim mas, definitivamente, tem efeitos secundários negativos.
Qual é a tua opinião sobre a Inteligência Artificial nesse contexto, tendo em conta a questão dos direitos de autor?
Na nossa comunidade há um forte sentimento contra a música artificial e considera-se que as ferramentas de Inteligência Artificial que criam músicas são interfaces que utilizam como recurso material copiado. A nossa comunidade está a discutir muito esse assunto, e que medidas deveriam ser adoptadas. Penso que há mais nuances neste assunto do que a priori parece, mas não estou surpreso com a reação negativa que os artistas têm com este tipo de ferramentas.
Achas que a Inteligência Artificial já está a mudar a indústria musical?
Sim. Adquiri recentemente o livro de Liz Pelli, Mood Machine. Ainda não o li, mas parece que já existem muitos falsos artistas a publicarem música de Inteligência Artificial. Esta questão traz à luz do dia a legitimidade do modelo streaming, quando tanta coisa pode provir da Inteligência Artificial. Acho que desvaloriza a música em geral.
“Queremos ver uma economia criativa mais ampla, que seja propriedade dos artistas.”
Dizes que na onda de críticas a estas plataformas faltaram alternativas. Acreditas que o Subvert vai contribuir para que surjam plataformas mais justas e equitativas?
Esse é o nosso objetivo final. Esperamos demonstrar que a propriedade coletiva de plataformas web não só é possível, como é uma vantagem competitiva. Também pretendemos mostrar o nosso trabalho, como organizamos esta empresa e como a propriedade é compartilhada, com a esperança de que outras pessoas possam replicar o que estamos a fazer. O nosso objetivo é ver este tipo de modelo proliferar, e que exista uma alternativa cooperativa para outros serviços não só dentro da música, mas em outros tipos de indústrias e aplicações. Queremos ver uma economia criativa mais ampla, que seja propriedade dos artistas.
Como é que o Subvert vai manter os seus objetivos iniciais sem os perder com o tempo?
A chave é não depender das promessas de pessoas singulares. Isso significa incorporar uma série de garantias nos nossos estatutos e políticas, numa verdadeira governança democrática que sirva os seus membros. Trata-se de construir uma estrutura. É uma dependência na estrutura, na forma como a propriedade e gerência estão organizadas, em vez de indivíduos.
Qual é a tua opinião sobre blockchains como NFTs e outras do género?
Não é concretizável. Conceptualmente, a ideia é interessante e poderia ser discutida, mas na prática já vimos que falhou.
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-austin-robey-com-o-subvert-queremos-ver-uma-economia-criativa-mais-ampla-que-seja-propriedade-dos-artistas/