13 de fevereiro de 2025
Briga milionária por restaurante da Câmara tem comida contaminada e
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 A disputa por um contrato de exploração de serviços de restaurante na Câmara dos Deputados virou caso de vigilância sanitária e envolve até denúncia de trabalho escravo. Duas empresas travaram duelo para ter controle do negócio que rende quase R$ 700 mil por ano.

A Câmara concede, por licitação, o direito de exploração dos restaurantes localizados nos anexos I, II e III da Casa. As empresas selecionadas pagam uma prestação mensal à Casa pelo uso das instalações e podem cobrar pelos alimentos que servem.

A unidade mais frequentada fica no anexo III. O local é conhecido como “bandejão” e recebe milhares de servidores, visitantes e deputados todos os dias.

A licitação foi feita em 2023. A vencedora foi uma empresa mineira, a J&F Bar e Restaurante Ltda, de propriedade de Gabriel Oliveira Bitarães. Para vencer a concorrência, a J&F Bar fez uma oferta de R$ 7,2 milhões por ano. O contrato acabou sendo assinado com valor menor de R$ 1,6 milhão. Ela assumiu o comando dos restaurantes. Mas não por muito tempo. Procurada, a J&F Bar não se manifestou.

Menos de seis meses após a empresa de Minas Gerais iniciar os serviços de alimentação, a Câmara rescindiu o contrato. A empresa recebeu duas multas. Uma no valor de R$ 212 mil por descumprimento de obrigações trabalhistas. Outra, de R$ 648 mil, por 18 diferentes motivos. Entre eles, servir comida com contaminação microbiológica e usar alimentos vencidos. Documento da Câmara cita que a empresa serviu refeições “com objetos ou agentes estranhos ao produto, tais como pedaço de metal, cabelo, unha, lagarta e pedaço de insetos”.

A Câmara declarou que a empresa passaria a ficar impedida de participar de outras licitações com a União até o final deste ano. Com a punição da vencedora, assumiu os serviços uma rede de restaurantes de Brasília que usa o nome de Taioba. Essa empresa havia sido derrotada na licitação depois de cuidar do fornecimento de refeições na Câmara por oito anos. O contrato com o Taioba foi renovado por mais um ano no dia 8 deste mês, mas o valor não foi informado.

Entre 2016 e 2023, o controle dos espaços de refeição e fornecimento de alimentos para eventos da Câmara era de responsabilidade do Taioba, mas utilizando diferentes registros no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJs), cada um deles mantido por partes diferentes de uma mesma família. Hoje, o Taiboa é administrado por Lelio Augusto Frazão Reis e Janete Frazão dos Reis.

O Taioba, que passou a cuidar das refeições, também enfrentou problemas. A pressão sobre a empresa cresceu após dois trabalhadores terem sido resgatados de condições análogas ao de escravizado de uma fazenda de Altiva Maria dos Reis Suaiden, em 2022.

Altiva era uma das sócias do CNPJ ligado ao Taioba que venceu a licitação dos restaurantes em 2018, dentro do período em que a rede controlou esses espaços. Em 2022, após a revelação do caso, o PSOL pediu para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o rompimento do contrato.

Altiva e o filho, Igor Suaiden, alegam que não têm relação com a denúncia e que os trabalhadores resgatados prestavam serviço para uma pessoa contratada para fazer o corte de eucalipto no local. “Ele se apropriou da estrutura, levou a mulher dele para lá e largou os funcionários ao relento, foi essa a história”, afirmou Igor.

A Câmara acabou rompendo o contrato com o Taioba em junho de 2023 por falta de pagamento dos valores devidos pelo uso dos espaços da Casa legislativa. De acordo com Suaiden, o impacto da pandemia de covid-19 acabou deixando a situação “incontrolável”. O Taioba, então, pagou R$ 1 milhão pelo uso do espaço da Câmara, o CNPJ usado ficou proibido de licitar por cinco anos e uma nova licitação foi aberta.

No novo certame, de 2023, vencido pela J&F Bar e Restaurante, um dos outros CNPJs da rede que usa o nome de Taioba chegou a concorrer. Após a rescisão do contrato com a J&F Bar, o Taioba voltou à Câmara em 2024, sob um CNPJ diferente. Este é de responsabilidade dos sócios Lélio Augusto Frazão Reis e da mulher dele, Janete Frazão dos Reis. Lélio é sobrinho de Altiva e filho de Lélio Tadeu dos Reis, irmão de Altiva e sócio dela em outra empresa.

Procurado, Lélio diz que sua empresa, que também tem contrato em vigor com o Superior Tribunal de Justiça, não tem ligação com Altiva e que ela não tem nenhum tipo de participação nos negócios.

“O Taioba Self Service tem 35 anos de existência e tem mais de 25 anos com órgãos públicos. Não tem nada a ver com dona Altiva. A gente usa a mesma marca, mas CNPJs diferentes porque há 20 anos era um grupo só, depois separaram e os filhos criaram as raízes deles”, diz. “A gente não tem nenhum impeditivo para poder participar. Ela não tem nenhum tipo de participação.”

Altiva também nega ter algum envolvimento com a atual empresa Taioba que está na Câmara e também sustenta que, apesar de as empresas se identificarem com esses nomes, não há nenhuma outra ligação. “A gente coloca o nome Taioba por ser um nome já consolidado, mas a razão social é completamente diferente”, disse ela.

Questionada se essa negociação poderia ser uma burla ao processo licitatório, a Câmara diz não é do conhecimento da Casa que Altiva figure em lista de pessoas envolvidas com trabalho escravo e que o parentesco não influenciaria a legalidade do contrato. “Tal condição de parentesco não resultaria em impedimento legal à contratação das referidas empresas”, afirma a Câmara.

Escândalo com restaurante levou à queda de um presidente da Câmara

Em 2005, um escândalo envolvendo um restaurante da Câmara levou a queda do presidente da Casa, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE).

Sebastião Buani, empresário que geria restaurantes na Casa, acusou Cavalcanti de cobrar propina para prorrogar a concessão do restaurante quando era primeiro-secretário, em 2002. O caso veio à tona três anos depois, ano em que Cavalcanti assumiu a presidência.

Severino Cavalcanti renunciou ao mandato na Câmara em 2005 Foto: Acervo/Estadão

Severino Cavalcanti renunciou ao cargo em setembro daquele ano, nove meses depois de assumir o maior cargo da Câmara. No discurso de renúncia, citou Euclides da Cunha e culpou a elite parlamentar por sua derrocada.

“A elitezinha, essa que não quer jamais largar o osso, insuflou contra mim seus cães de guerra”, afirmou. O ex-deputado morreu em 2020, aos 89.

Com informações do jornal Estado de São Paulo, Estadão

Fonte: https://agendadopoder.com.br/briga-milionaria-por-restaurante-da-camara-tem-comida-contaminada-e-condenacao-por-trabalho-escravo/