22 de fevereiro de 2025
Delação de Mauro Cid: veja tudo que o ex-ajudante da
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou nesta quarta-feira, 19, o sigilo da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.

O ex-ajudante de ordens da Presidência revelou detalhes do papel do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na trama golpista após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do funcionamento do gabinete do ódio no Palácio do Planalto e do envolvimento de aliados do então presidente no questionamento e afronta ao Estado Democrático de Direito.

O acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens no governo Jair Bolsonaro (PL), está organizado em 25 cláusulas que preveem suas obrigações e as contrapartidas oferecidas pela Polícia Federal em troca das informações compartilhadas.

O que foi revelado por Mauro Cid

Bolsonaro milionário

Mauro Cid se queixou, em depoimento prestado ao STF, de o aliado ter “se dado bem, ficado milionário”, enquanto ele próprio “perdia tudo” e sua carreira estava “desabando”. O depoimento de Cid, feito em 22 de março de 2024, foi motivado por uma reportagem da revista Veja intitulada “Em áudios exclusivos, Mauro Cid ataca Alexandre de Moraes e a PF: Enquanto suas informações ajudam a desnudar a tentativa de golpe militar e comprometem Bolsonaro, o tenente-coronel detona o ministro e a instituição”. A publicação havia sido feita no dia anterior.

À época, Moraes considerou que a conduta de Cid configurava crime de obstrução de Justiça e tornou a decretar a sua prisão preventiva, busca e apreensão em sua casa e nova oitiva para que o ex-ajudante de ordens esclarecesse as afirmações que constavam na reportagem.

A respeito da afirmação, exposta na reportagem, de que Moraes tinha uma “sentença pronta”, Cid respondeu se tratar de um desabafo e que acabou “falando besteira”. Questionado sobre quem se referia ao dizer que “todos se deram bem, ficaram milionários”, o tenente-coronel declarou que “estava falando do presidente Bolsonaro, que ganhou Pix”, enquanto ele mesmo tinha “perdido tudo”.

Bolsonaro recebeu R$ 17,1 milhões em suas contas por meio de transferências bancárias realizadas por Pix entre janeiro e julho de 2023, como mostrou o Estadão naquele ano. Uma possível explicação para os valores é a vaquinha promovida por seus apoiadores para pagar multas processuais – o “Pix” a que Cid se refere na delação.

Eduardo era ‘radical’ a favor do golpe

Na delação, Cid narra que os conselheiros do então presidente após a derrota eleitoral em 2022 se dividiam em “radicais”, “conservadores” e “moderados”. No grupo mais agressivo, que defendia a insistência na busca por fraude em urnas eletrônicas e por um golpe de Estado com um braço armado, estariam a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Ambos, entretanto, não foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República.

Além dos familiares do presidente, a ala mais radical tinha ainda o ex-ministro Onyx Lorenzoni, o senador Jorge Seif (PL-SC), o ex-ministro Gilson Machado, o senador Magno Malta (PL-ES) e o general Mário Fernandes. Eles também não estão entre os formalmente denunciados pela PGR.

Nesse grupo, segundo Mauro Cid, havia uma subdivisão com os “menos radicais”. Esses insistiam por tentar encontrar “elemento concreto” de fraude nas urnas eletrônicas. Estariam nele o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), o major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e um “grupo de pessoas que prestavam assessoramento técnico”.

No grupo conservador, estariam o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) Bruno Bianco, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o brigadeiro Batista Junior, então comandante da Aeronáutica.

Gabinete do ódio

Segundo o tenente-coronel, o gabinete do ódio, revelado pelo Estadão em 2019, atuava em uma “salinha pequenininha” que “não tinha nem janela” no mesmo andar do gabinete do ex-presidente.

De acordo com o delator, o grupo, responsável pela estratégia de comunicação digital do ex-presidente com um tom belicoso para lidar com os adversários políticos, era formado por “três garotos que eram assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro”: Tércio Arnaud Tomaz, então assessor da Presidência, José Mateus (Sales Gomes) e Mateus, sem saber citar o sobrenome do terceiro assessor.

A sala em que o grupo atuava, no terceiro andar do Palácio do Planalto, não tinha controle de entrada e saída, segundo Cid.

Cid relata que os três atuavam dentro da estrutura da assessoria do ex-presidente, nomeados formalmente, desde o início do governo, em 2019. Segundo ele, o grupo fazia o acompanhamento das mídias sociais sob o comando do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), filho “02″ de Bolsonaro. De acordo com a delação, Carlos “ditava o que eles teriam que colocar, falar”.

Pressão sobre o ministro da Defesa

Mauro Cid revelou ainda que Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesageneral Paulo Sérgio Nogueira, para mudar um relatório em que o Exército não identificou falhas nas urnas eletrônicas.

Em depoimento ao STF em novembro de 2024, Cid afirmou: “O general Paulo Sérgio, a conclusão dele ia ser isso (ausência de falhas nas urnas). Aí, o presidente tava pressionando para que ele escrevesse isso de outra forma, né? O presidente queria que ele escrevesse que tivesse fraude. O que acabou saindo, eu acho, foi que não se poderia comprovar porque não era possível auditar”.

Cid concordou ao ser questionado por Moraes se o general “foi proibido de mostrar o laudo que não tinha nenhum problema”. O ministro do STF também afirmou que o então ministro da Defesa cancelou uma reunião com ele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de última hora. No encontro, os dois discutiriam a conclusão da comissão do Exército que participou da fiscalização da eleição de 2022.

Na denúncia enviada ao STF na terça-feira, 18, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apontou que o general Paulo Sérgio Nogueira teve atuação “indiscutível” no movimento golpista. Antes de ser ministro da Defesa, Nogueira foi comandante do Exército no governo Bolsonaro.

Joias sauditas

Mauro Cid afirmou em delação premiada que entregou ao ex-presidente US$ 86 mil decorrentes da venda de joias recebidas como presentes enquanto chefe de Estado. O montante corresponde a US$ 68 mil obtidos com a venda dos relógios Rolex e Patek Philippe a uma loja na Filadélfia e mais US$ 18 mil da venda de demais joias em um centro especializado de Miami, ambas cidades nos Estados Unidos. O valor foi fracionado e entregue em espécie a Bolsonaro em diferentes ocasiões, para evitar que “circulasse no sistema bancário”, segundo Cid.

Em julho passado, a PF indiciou Bolsonaro e outras 11 pessoas no caso das joias sauditas, revelado em março de 2023 pelo Estadão. A corporação imputa ao ex-chefe do Executivo supostos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Dinheiro em ‘sacolinha de vinho’

O tenente-coronel Mauro Cid revelou que recebeu dinheiro do general Walter Braga Netto, ex-ministro do governo Bolsonaro, em uma “sacolinha de vinho”. Segundo a denúncia da PGR apresentada ao Supremo, o dinheiro dado por Braga Netto a Cid seria usado em um plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Moraes, no fim de 2022, com vistas a dar um golpe de Estado no País.

Durante um depoimento ao STF em novembro passado, Cid foi perguntado: “Braga Netto entregou o dinheiro dentro de um carregador de vinho, uma caixa de vinho?”. Cid respondeu: “Não, não, uma bolsa de presente de vinho. Uma sacolinha. Aquela que o pessoal dá de presente”.

Em outro trecho do depoimento, Cid disse: “O general Braga Netto me entrega dinheiro”, acrescentando: “Ele (Braga Netto) entregou um… era tipo uma coisinha de vinho assim, de presente de vinho, com dinheiro. Eu não contei, não sei quanto, tava grampeado”.

Chefes das Forças Armadas autorizaram radicais nos quartéis

O tenente-coronel cravou que partiu de Bolsonaro a ordem para os comandantes das Forças Armadas divulgarem uma nota conjunta autorizando a permanência de manifestantes nos acampamentos golpistas. Os chefes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica condenaram no texto “eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos”

Segundo Mauro Cid, o ex-presidente “sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe”.

“Esse foi um dos motivos pelos quais o então presidente Jair Bolsonaro não desmobilizou as pessoas que ficavam na frente dos quartéis. Em relação a isso, o colaborador também se recorda que os comandantes das Três Forças assinaram uma nota autorizando a manutenção da permanência das pessoas na frente dos quartéis por ordem do então presidente Jair Bolsonaro”, diz o termo de depoimento.

GSI comprou motos para acompanhar motociatas

Cid afirmou que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) comprou motos para acompanhar Bolsonaro nas motociatas.

A partir do momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu andar de moto, o GSI teve de comprar motos similares à do ex-presidente para poder acompanhá-lo. Para ir aos locais onde ocorriam as ‘motociatas’, por vezes tiveram que embarcar as motos para que essas chegassem ao local do evento”, disse Cid à Polícia Federal em agosto de 2023, acrescentando que acredita que as despesas eram pagas com cartão corporativo, abastecido com dinheiro público.

Bolsonaro cedeu carro da Presidência para evitar prisão de blogueiros

Bolsonaro autorizou o acesso ao Palácio da Alvorada a três blogueiros aliados que temiam ser presos pela Polícia Federal no dia em que as imediações do edifício sede da instituição, em Brasília, foram alvos de vandalismo, em dezembro de 2022.

Os blogueiros Oswaldo Eustáquio, Bismark Fugazza e Paulo Souza telefonaram a Bolsonaro relatando a apreensão e o então presidente determinou que a entrada deles fosse liberada. As informações constam no conteúdo da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

O que diz Bolsonaro

Em nota, a defesa de Jair Bolsonaro rebateu a denúncia da PGR chamando-a de “inepta”, “precária” e “incoerente”. Os advogados do ex-presidente também alegam que a denúncia é baseada em um acordo de colaboração “fantasioso” do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência.

O posicionamento de Bolsonaro também afirma que, “a despeito dos quase dois anos de investigações, (…) nenhum elemento que conectasse minimamente o (ex-) presidente à narrativa construída na denúncia foi encontrado”.

Com informações do jornal Estado de São Paulo, Estadão

Fonte: https://agendadopoder.com.br/delacao-de-mauro-cid-veja-tudo-que-o-ex-ajudante-da-presidencia-revelou-sobre-bolsonaro-e-o-plano-de-golpe/