19 de março de 2025
Ministra do STM diz que crimes de tortura não são
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A ministra Maria Elizabeth Rocha, que vai presidir o Superior Tribunal Militar (STM) a partir de março, defende que a lei da anistia, de 1979, fere os princípios constitucionais, e diz que a Constituição estabelece que “crimes de tortura não são suscetíveis de anistia”. A Lei de Anistia perdoou os crimes de tortura, morte e desaparecimento de adversários políticos cometidos por pessoas ligadas à ditadura militar-empresarial, mas a ministra avalia que isso não deveria prevalecer.

A ministra, em entrevista concedida ao programa da jornalista Míriam Leitão, na emissora GloboNews — e publicada pelo jornal O GLOBO — falou sobre a tentativa de golpe de Estado no governo Jair Bolsonaro e o que os militares envolvidos poderão enfrentar no tribunal militar. Segundo ela, os militares envolvidos se forem denunciados, podem vir a perder a patente.

Primeira mulher a ocupar este cargo, foi eleita por oito votos a favor (sendo um dela) e sete contra, ele atribui ao “patriarcado” a resistência que sofre na corte. “Não tenho a menor dúvida que o fato de eu vestir saias incomoda.”

Leia a entrevista na íntegra:

Dos 34 denunciados pela PGR, 23 são militares. Eles serão julgados no Supremo Tribunal Militar em algum momento por algum desses crimes?

Maria Elizabeth: Em algum momento, sim. Normalmente, essa competência seria nossa. Mas o ministro Alexandre de Moraes, que foi o primeiro juiz a atuar em todos os feitos que se sucederam no dia 8 de janeiro, se tornou prevendo. Ou seja, ele é o juiz natural da causa. Tanto que a denúncia é uma ação penal originária, que foi oferecida diretamente no Supremo Tribunal Federal e que será julgada, em princípio, pelo menos o seu recebimento, pela primeira turma.

Não identifiquei, pelo menos na primeira lida da denúncia, nenhum crime militar conexo. Os crimes que eu vi, que foram imputados aos réus, aos 34 réus, foram organização criminosa armada, tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado, golpe de Estado. E, no caso do ex-presidente Bolsonaro, liderar organização criminosa armada para além dos demais crimes que já tinham sido nomeados. Então, nesse sentido, não há aqui, pelo menos não à primeira vista, um crime militar conexo que leve a jurisdição militar a se pronunciar.

Porém, se o processo for recebido, quando os denunciados se tornarem réus, forem julgados e eventualmente condenados, e a pena for superior a dois anos, eles serão submetidos a uma representação de indignidade por oficialato. Eu falo foro superior porque a pena aqui, somando todos os crimes cometidos, superam até os 38 anos. Se for inferior a dois anos, um conselho de justicação. Se for superior, uma representação de indignidade.

Explica o que é a representação de indignidade para o oficialato. Significa ser expulso do exército?

É a morte ficta. É a perda do posto e da patente do oficialato. É quando o oficial se torna indigno para continuar integrando a corporação militar. Isso é competência privativa e exclusiva do Superior Tribunal Militar. Isso o Supremo não pode se pronunciar sobre este tema.

Há algo que os militares consideram fundamental na sua estrutura, que é a obediência à hierarquia. E vimos tenente-coronel conspirando contra general ou acusando de general, conspiração contra a ordem.

Isto são crimes militares. E isso nós julgaremos. Mas o golpe de Estado em si, não. É competência do Supremo Tribunal. Todas as tentativas que foram feitas para solapar o Estado Democrático de Direito serão apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. Agora, os crimes propriamente militares, como nós chamamos, os crimes de desobediência, de desacato superior.

Dependeremos que o Ministério Público Militar ofereça uma denúncia, só podemos apreciar uma ação quando somos acionados. O Judiciário não se pronuncia ex-ofício, ele precisa de um acionamento judicial. E todas as ações são penais públicas incondicionadas. Não são as vítimas que podem oferecer a denúncia. É o Ministério Público, por outras palavras, o Estado. Nós dependemos que o Ministério Público Militar ofereça uma denúncia desses crimes que eventualmente vão ser apurados ao longo da instrução penal.

Pelo que eu li na denúncia, e sem querer prejulgar, porque os denunciados terão possibilidade de se pronunciar no caso de 15 dias – acho muito difícil que essa denúncia não seja recebida, porque o doutor Paulo Gonet é um jurista que ofereceu uma peça que tem começo, meio e fim. Os indícios são fortes, a peça processual está bem fundamentada a peça processual. Acredito que será pela primeira turma.

E como existe a súmula 606 do Supremo Tribunal Federal, que impede a impetração de habeas corpus contra ato monocrático de magistrado ou contra decisão de turmas, de órgãos fracionários, como é o caso das turmas, nem a habeas corpus caberá para o trancamento da ação penal. Porque o inquérito já foi concluído, a denúncia já foi oferecida, então as defesas vão impetrar a habeas corpus para trancar o que, exatamente? Acredito que realmente, ao longo da instrução penal, muitos crimes, para além dos que foram apontados pelo Procurador-Geral surgirão e aí cabe ao Ministério Público Militar atuar.

Teve uma versão, como a defendida pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, de que 8 de janeiro não foi uma tentativa de golpe. Na sua visão, aquele evento de 8 de janeiro está vinculado a todos os outros? Há uma tentativa de golpe ali?

Não tenho a menor dúvida disso. E é espantoso. Eu acho que quando o presidente Hugo Motta se pronunciou a esse respeito, ele não tinha noção e nem conhecimento dos fatos que foram expostos na denúncia. Porque isso foi feito com a Polícia Federal, o Ministério Público era o único que era detentor do conhecimento de todos os atos que foram perpetrados e dos seus desdobramentos e dos seus antecedentes. Hoje eu te digo, com muito assombro, que eu não tenho dúvida de que a democracia correu sérios riscos e que se tivesse se decretado GLO, provavelmente, o golpe teria sido desfechado.

Se GLO tivesse sido decretado pelo presidente Lula

Exatamente. Naquele momento que era o que se pretendia. Pelo menos até onde eu sei.

O passado que o Brasil nunca resolveu da ditadura militar acaba nos assombrando novamente. Gostaria de fazer uma pergunta até pessoal. Você é casada com um militar, um general, cujo irmão foi morto pela ditadura, ou seja, seu cunhado foi morto pela ditadura. E seu sogro também era general. A fratura do país está dentro da sua família. Como é que isso é encarado por você?

Eu encaro como qualquer brasileiro que aprecia a democracia. Com dor, com sofrimento e com esperanças de que a Constituição prevaleça sempre. Vou contar um episódio muito interessante que aconteceu recentemente, não vou citar o nome, mas estávamos num jantar e um ministro de um tribunal superior se espantou quando soube que o meu marido tinha um irmão que era desaparecido político, que foi torturado e o corpo jogado no mar. E aí ele pergunta ao meu marido: “na revolução”? O meu marido responde: “no golpe”. É interessante um general dizer a um juiz que, na verdade, não se estava diante de uma revolução. Era um golpe de Estado. Um golpe que nos custou anos sombrios, que não escolheu suas vítimas, que todos nós sofremos e continuamos a sofrer. E essas sequelas, elas não acabam. Elas não se cicatrizam.

Há a reabertura dessa discussão no Supremo Tribunal Federal, se no caso de desaparecidos políticos há como reabrir a discussão da anistia, levando-se em conta que é crime continuado, já que o corpo não apareceu, é um sequestro com um crime continuado. Na sua avaliação de jurista, isso faz sentido?

Isso faz sentido, isso não é uma tese nova do ministro Flávio Dino. O Ministério Público já dizia isso, mas não foi ouvido há anos.

Na verdade, eu ouvi por primeira vez sobre um procurador militar, da Justiça Militar. Ele falou sobre isso num documentário que eu fiz sobre o Rubens Paiva em 2012.

Exato. Essa não é uma tese nova. Vou mais além. Eu acho que a lei de anistia há muito foi revogada. Primeiro porque nós temos dispositivos constitucionais que dizem que crimes de tortura não são suscetíveis de anistia. E depois houve uma decisão não tão recente, mas do Supremo Tribunal Federal, o voto condutor inclusive foi do ministro Gilmar Mendes, que os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, tem status supralegal. Ou seja, estão abaixo da Constituição, porém estão acima da lei.

Em qualquer boa faculdade de Direito, se aprende que quando uma norma superior é incompatível com uma hierarquicamente inferior, ela a revoga. Para mim, a lei de anistia, de muito, já se encontra revogada. Eu entendo, inclusive, que quando se discutiu o caso Gomes Lund, e guerrilha do Araguaia versus Brasil na corte interamericana dos direitos humanos, a corte já havia assentado que os crimes não eram anistiáveis e que deveriam ser apurados. Mas o Brasil nunca respeitou a soberania da corte interamericana. O Brasil sempre entendeu que as decisões da corte interamericana são recomendações.

Depois teve o caso Herzog, que também o Brasil foi condenado e simplesmente ignorou. O Brasil indeniza e deixa por isso mesmo, ao contrário de todos os demais países da região, cujas decisões da corte têm eficácia imediata e aplicabilidade. Nós não. A soberania do Supremo é maior do que a de um próprio órgão de direitos humanos, um tribunal de direitos humanos supranacional. Mas enfim, é o que nós temos. E a discussão agora é entre o próprio Supremo e a sua jurisprudência anterior. Porque o Supremo é que assentou que a lei de anistia era constitucional.

Mas eu entendo que, mesmo se fosse, hoje ela estaria revogada pelo entendimento que atribuiu aos tratados de direitos humanos e a Convenção Interamericana e o Pacto de São José da Costa Rica e o Tratado de Roma, são tratados de direitos humanos internalizados, tem status supralegal. Quer dizer, vamos falar dos desaparecidos políticos e vamos esquecer, por exemplo, a tortura? E os torturados? E os torturadores que ainda estão vivos?

Ministra, você enfrentou muita resistência para chegar onde chegou. É a primeira mulher a chegar nesse posto. no mandato tampão, teve resistência

Tentaram mudar o regimento interno para me impedir.

E agora, a eleição foi muito disputada. Teve a maioria, mas teve muita gente que votou contra.

Mas um detalhe, eu tive a maioria com meu voto. O voto decisivo foi meu

Foi um voto de diferença. E como é que a senhora explica essa resistência toda e como é que vai lidar com isso nesse seu mandato?

Em primeiro lugar, eu atribuo ao patriarcado. Não tenho a menor dúvida que o fato de eu vestir saias incomoda. E eu sou uma pessoa que voto com independência e não intimido, e nem poderia, diante de dissidências e divergências. Eu ouvi do ministro Marco Aurélio uma vez um conselho que eu sigo à risca, não apenas para me colocar na corte, mas também quando eu sou vencida nas minhas decisões: “quem não sabe como viver com a divergência não pode compor um órgão colegiado”.

Sempre aceitei ser vencida e eu sou o voto vencido do tribunal desde os meus 18 anos de corte e sempre aceitei respeitosamente. Então eu não admito que as minhas decisões, que os meus entendimentos sejam atacados. Claro que a divergência jurídica faz parte ali da nossa discussão e isso acontece em todos os tribunais. Mas a questão é que eu sinto que fui de uma certa forma, preterida pelos meus pares, por pensar diferente deles.

Primeiro porque eu sou a única do meu gênero naquele tribunal. Depois porque o Brasil está dividido e aquele tribunal refletiu a divisão exata do Brasil. Sete votaram contra mim, sete votaram a favor e eu desempatei com o meu voto. Não pude nem ser elegante como o ministro Barroso (Luís Roberto, presidente do STF), de não votar em mim. Eu tive que votar em mim para poder ser eleita. E digo que não foi o meu voto que me elegeu, foi o voto de todas as magistradas, de todas as mulheres que não tenham um teto de vidro para quebrar.

Nós somos impedidas de ascender aos cargos de poder e de comando de todas as formas possíveis. É incrível como o patriarcado ainda domina as relações de poder dentro do Estado. E eu sou uma feminista, uma garantista, e acho que estou fazendo ali um papel que é abrir portas para as novas gerações de mulheres que virão depois de mim. Porque não é possível que elas sofram. Porque é sofrido, é doloroso. Eu sofri 18 anos esperando a minha vez.

A senhora conviveu com o meio militar até dentro da família, sendo feminista. Isso não causa polêmicas?

O meu marido é um general fora da curva. Ele é um engenheiro militar, que foi professor do IME durante muitos anos, eu o conheci na sala dos professores da faculdade Cândido Mendes, em Ipanema, no Rio de Janeiro. O meu marido não é, e talvez esse tenha sido o meu grande susto, um modelo do militar, do protótipo militar.

Ele é uma pessoa aberta, ele é uma pessoa de esquerda, se eu posso dizer assim, mas os meus colegas são conservadores e eu respeito isso. O problema não é pensar diferente de mim. É o que eu digo, a tolerância é o respeito. Você não precisa concordar com o outro, mas você tem que respeitá-lo. Você tem que tolerá-lo. E às vezes eu sinto que eu não sou tolerada. Mas acho que essa cultura de misoginia, de machismo, ela está sendo paulativamente vencida. E eu espero, sinceramente, que as minhas lutas não sejam as mesmas lutas das mulheres que virão depois de mim. Elas lutarão, não tem dúvida. Mas acho que as lutas serão menos árduas, menos dolorosas. Está-se cogitando, o presidente indicar uma mulher.

Neste sentido, acho que nós estamos avançando, sim. Mas esse processo não é fácil. Eu digo que se eu hoje me sento na cadeira de magistrada no Superior Tribunal Militar, é porque muita sufragista morreu, é porque muita sufragista apanhou para eu poder estar lá. Isso faz parte do nosso crescimento, do nosso processo. E eu tenho pra mim que direitos civis nunca são concedidos, mesmo que estejam fundamentalizados na carta política, clausulados como petrius, eles são arrancados a fórceps. É assim com os negros, com os indígenas, com as mulheres, com a comunidade LGBTQIA+. Para todo diferente, a luta também é diferente, porque ela é muito mais dura. Mas nós temos que enfrentá-la.

Houve muita turbulência dentro das Forças Armadas, ainda com a ideia de que as Forças Armadas são os garantidores da democracia, portanto, eles podem decidir se é um poder moderador. Eu queria fazer duas perguntas aqui. Primeiro, como blindar a democracia brasileira de um outro evento como esse, que nós não podemos mais ter um susto a essa altura? E se o caminho é alterar o artigo 142?

Eu acho que alterar o artigo 142 é despiciendo porque nenhuma Constituição é uma carta suicida. É óbvio que o artigo 142 na sua interpretação exegética e teleológica não permite golpes de Estado. Quando se começou com essa discussão de que o artigo 142 dizia que as forças armadas eram um poder moderador, aliás, uma tradição que vem desde a República Velha, desde o golpe da República, o Supremo foi muito claro quando disse que aquilo não autorizava golpes de Estado. Pode ser alterado sem problema algum. Mas não foi ele que gerou todo esse caos que nós estamos vivendo hoje.

Eu acho que a maneira que nós temos de blindar a democracia é, primeiro, o judiciário ser o garante dela, porque é ele que, em última análise, bate o martelo e dá a última palavra, e que diz qual é o direito e interpreta a Constituição. Todos nós somos juízes constitucionais interamericanos. E depois, um processo continuado, um projeto intergeracional. As constituições são cartas inacabadas, que devem ser feitas e reconstruídas e repensadas de geração em geração. Então, o letramento e a conscientização do que é uma ditadura e de quais são as benéficas de um regime democrático, ela tem que ser incorporada no inconsciente coletivo para que ele possa entender os benefícios de um regime ilegítimo. Eu fico espantada quando a juventude pede a ditadura militar.

Os nossos jovens sempre tiveram o coração à esquerda. Os nossos jovens sempre quiseram mudar o mundo. E hoje eu não vejo isso acontecer. Isso me assusta, isso me espanta. Porque nós estamos falando daqueles que construirão o Estado que ocuparão os cargos e os postos-chave de poder quando nós sairmos. E são esses jovens que têm uma visão de mundo completamente distorcida. E por que? Porque eles não sabem que horror de uma ditadura. Porque se eles tivessem vivido e sentido na pele todas as agruras de um regime ditatorial, eles não diriam isso.

No caso do músico Evaldo Rosa, que foi morto por militares que atiraram 257 vezes no carro, sua posição foi derrotaa, mas a senhora fez um voto muito forte. E a sua emoção foi quando falou do menino de 7 anos, que viu o pai morto dentro do carro. O seu raciocínio ali era atribuir a morte de Evaldo a um preconceito racial. Ele foi morto por racismo. É isso que a senhora entende?

Isso também. O racismo estrutural, eu não tenho a menor dúvida, foi um fator gerador da brutalidade. Quando viram um negro dirigindo um carro que infelizmente, lamentavelmente, era o mesmo carro que meliantes tinham roubado, furtado, um pouco antes, na cabeça daquele grupo de militares, aquilo era inaceitável. Porque, em princípio, o corpo negro era um alvo. Depois, um negro não é o motorista de um carro, ele deveria estar dentro de um ônibus, suado, e nunca conduzindo com uma família ao lado, Um veículo que um homem de classe média, em princípio, deveria ser branco. Eu disse, e repito, que uma cena daquela jamais teria acontecido em Ipanema. Aconteceu na periferia. Então, o racismo estrutural foi um fator de decisão que eu não tenho dúvida alguma que foi fundamental.

Mas tem mais do que isso. Esse uso indiscriminado de garantias de lei e da ordem para substituir o papel das polícias militares, porque por diversas razões não estão dando conta de lidar com a violência urbana, sobretudo no Rio de Janeiro, e que são forças que estão acostumadas a lidar com a letalidade. Então eu acho que uma pergunta também tem que ser feita. Por que se utiliza tanto GLOs quando é o papel das polícias exercer a repressão de uma forma menos bruta, de uma forma menos violenta e tentar conter essa criminalidade urbana que não para de crescer? Eu reconheço que é um problema grande, é um problema grave que o Brasil não está conseguindo resolver, mas eu não consigo separar esse binômio de direitos humanos e segurança. Todo cidadão brasileiro tem direito à segurança, é um direito fundamental. Agora, isso não pode vir apartado dos direitos humanos que têm que ser respeitados.

Nesse caso, especificamente, os seus colegas decidiram o contrário. Oito foram absolvidos, pela maioria dos ministros, e a pena foi reduzida. Com esse resultado, como melhorar a imagem do STM no seu mandato?

É uma pergunta difícil, porque realmente as críticas à justiça militar são muito grandes, sobretudo em termos de paz. Não se entende porque tem uma justiça militar em termos de paz. Mas o fato é que a justiça militar, apesar de todas as suas agruras, ela tem um papel importante na construção do Estado Democrático. É ela que contém homens que são investidos no monopólio da força legítima do Estado a não exacerbar, como foi o caso, lamentavelmente, as suas funções. Eles são investidos no monopólio da força legítima, eles são armados pelo Estado. Então, é necessário que haja uma justiça especializada para contê-los, para puni-los. Eu reconheço que nesse caso isso não ocorreu, mas a ação ainda não terminou. É possível ainda que haja um recurso extraordinário para o Supremo.

E, para o bem ou para o mal, durante a ditadura militar, o STM se comportou de uma forma bastante digna em determinadas situações. O STM, por exemplo, garantiu a comunicabilidade dos presos políticos que tinha sido quebrada com seus advogados pelo AI-5. O STM garantiu a primeira liminar em habeas corpus que não existia em lugar nenhum, em tribunal nenhum e que serviu de precedente para o Supremo Tribunal Federal. O STM, por exemplo, subscreveu um acórdão unânime assinado por brigadeiros, generais, civis e almirantes, condenando as torturas e serviços.

Aí questionam: mas por que ele não fez nada? Mas ele não agiu, porque Fico (Carlos, historiador) escreveu um livro dizendo que o STM tinha conhecimento das torturas. É lógico que tinha. Fui eu quem degravei, inclusive, essas fitas que estavam em celulóide, se apodrecendo e transposto para a mídia digital, nos meus oito meses de mandato, para salvar esse material, pra salvar esse acervo.

Os advogados chegavam lá e diziam: mas quem deveria propor essa ação penal era o Ministério Público. O STM denunciou. Ele mostrou a tortura, o que ocorria no Doi-Codi, mas era o Ministério Público que tinha que agir. E para os nossos espectadores não acharem que eu estou falando tudo isso por dever, por corporativismo, que é como nós costumamos ser taxados, eu convido que ele entre na página da revista Veja, de abril de 1977, cuja matéria de capa é o STM: o Superior Tribunal Militar e os Direitos Humanos Respeitados. E nós estamos falando de abril de 1977.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/ministra-do-stm-diz-que-crimes-de-tortura-nao-sao-perdoaveis-e-defende-que-lei-da-anisitia-de-1979-seja-revogada/