22 de fevereiro de 2025
“Inelegibilidade perpétua”: condenação por tentativa de golpe pode impedir Bolsonaro
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Uma eventual condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em decorrência da primeira denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pode impedi-lo de disputar novas eleições pelo restante da vida, na avaliação de juristas consultados por reportagem do jornal O GLOBO. Bolsonaro foi enquadrado em cinco crimes cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão. A Lei da Ficha Limpa prevê atualmente, para condenações criminais, que a inelegibilidade começa no momento em que a sentença é proferida e dura até oito anos após o cumprimento da pena, o que totalizaria 51 anos no caso do ex-presidente – que completará 70 anos em março.

Os especialistas avaliam, por outro lado, que há uma série de possibilidades para que Bolsonaro não fique inelegível por tanto tempo se for condenado. Além da hipótese de não receber penas máximas em todas as condutas, o caso de Bolsonaro pode ser contemplado por dois projetos em análise no Senado que pretendem limitar os prazos de inelegibilidade para, no máximo, oito anos. Bolsonaro também poderia ser beneficiado com menores prazos de prescrição para alguns crimes, devido à idade.

— Mesmo se Bolsonaro tiver uma condenação mínima, isso já representaria cerca de 20 anos inelegível nas regras atuais, já que a pessoa fica inelegível pela sanção penal, durante a duração da pena, e só depois pela sanção eleitoral — frisa o advogado eleitoral e criminalista Michel Saliba, que considera “equivocada” a redação atual da lei.

Antes mesmo dos inquéritos que miram Bolsonaro, a duração extensa da inelegibilidade com as regras atuais da Lei da Ficha Limpa já incomodava a classe política. Uma tentativa de mudança surgiu na Câmara em 2021, sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), com a aprovação de um novo Código Eleitoral que, entre outros vários dispositivos, limita a inelegibilidade a um prazo de oito anos após a condenação. A tramitação no Senado, porém, vem ocorrendo a passos lentos.

Outro esforço no mesmo sentido foi um projeto aprovado pela Câmara em setembro do ano passado, de autoria da deputada federal Dani Cunha (União-RJ), e com apoio do PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto, que se atém a mudar os prazos de inelegibilidade, está pronto para ser votado no plenário do Senado, bastando ser pautado pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).

Há também um projeto em tramitação na Câmara, de autoria do deputado bolsonarista Bibo Nunes (PL-RS), que diminui a inelegibilidade de oito para dois anos, mas apenas nos crimes eleitorais de abuso de poder econômico e político e de uso indevido dos meios de comunicação. Bolsonaro já sofreu duas condenações por essas condutas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o deixaram inelegível até 2030. A contagem, nesse caso, começa na eleição onde ocorreram as irregularidades.

No caso da denúncia da PGR, o ex-presidente foi acusado de tentativa de golpe, abolição do Estado democrático, organização criminosa, dano ao patrimônio tombado e dano qualificado por violência ou grave ameaça. Essas condutas são tipificadas em outro artigo da Lei da Ficha Limpa, que estabelece o cumprimento da pena e mais oito anos de inelegibilidade.

Enquanto a pena não termina, seja em regime fechado ou aberto, o condenado fica com direitos políticos suspensos e, por isso, “não pode disputar eleição ou ocupar cargo público”, como lembra a advogada eleitoral Izabelle Paes Omena. Além do prazo, uma controvérsia neste artigo é que ele não faz referência explícita a crimes contra a democracia nas hipóteses de inelegibilidade.

— Entendo que precisaria haver condenação por organização criminosa e crimes contra o patrimônio público para incidir esse prazo de inelegibilidade. Embora este não seja um termo técnico, seria, na prática, uma “inelegibilidade perpétua”, caso ele seja condenado pelas penas máximas — avalia Beatriz Alaia Colin, especialista em Direito Penal.

Já o criminalista Eliseu Mariano, que também enxerga uma “inelegibilidade perpétua” caso Bolsonaro tenha penas máximas, afirma que a Ficha Limpa traz um “rol taxativo” de crimes com esse prazo. O advogado Michel Saliba, por sua vez, pontua que a Justiça Eleitoral dá uma “interpretação extensiva”, e não “restritiva”, ao que consta na lei. Com isso, os crimes contra a democracia poderiam ser enquadrados, em tese, como “crimes de abuso de autoridade”, uma das hipóteses de inelegibilidade da lei.

— Dizer que a lei atual leva a um degredo da vida pública não significa desconsiderar a gravidade das condutas de Bolsonaro. O ideal seria uma gradação nos prazos. Hoje, um cara que furtou uma bicicleta está sujeito aos mesmos oito anos após o cumprimento da pena do que alguém que atentou contra o Estado democrático. O mais correto, na minha opinião, seria estar elegível depois de cumprida a pena — opina Saliba.

Em 2020, o ministro do STF Kassio Nunes Marques chegou a suspender a expressão “após o cumprimento da pena” da Lei da Ficha Limpa, o que restringiria a inelegibilidade ao prazo de oito anos após a condenação. A posição de Nunes Marques, no entanto, foi derrubada pelo plenário da Corte, por 7 votos a 4.

— Como o prazo de oito anos só começa a contar depois que a pena é cumprida, a inelegibilidade poderá ser de fato duradoura. No entanto, se Bolsonaro tiver 70 anos na data da sentença, os prazos de prescrição serão reduzidos pela metade, conforme o Código Penal, o que pode impactar o período total em que ele ficaria impedido de disputar eleições — destaca Wagner Roberto Ferreira Pozzer, especialista em Direito Processual Civil.

Com informações de O GLOBO.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/inelegibilidade-perpetua-condenacao-por-tentativa-de-golpe-pode-impedir-bolsonaro-de-se-candidatar-por-mais-de-50-anos/