24 de fevereiro de 2025
Abin “paralela” usou software espião quase 900 vezes para Bolsonaro
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Novos depoimentos de Mauro Cid e evidências revelam como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi utilizada durante o governo Bolsonaro para monitorar adversários políticos e até mesmo aliados, através do uso irregular de um software de espionagem israelense chamado First Mile.

“Foi tão privatizada a Abin, e tão banalizado o seu uso, sem nenhum critério, que ela virou a casa da mãe de Bolsonaro”, resume José Roberto de Toledo, colunista do UOL, no podcast A Hora desta sexta-feira (21). “Não é mais uma instituição de Estado.”

Segundo as investigações, um pequeno núcleo dentro da Abin, sob a direção de Alexandre Ramagem, realizou monitoramento ilegal de diversas personalidades políticas e jornalistas. O sargento Giancarlo Gomes Rodrigues, cedido do Exército para a agência, utilizou o software First Mile em pelo menos 887 ocasiões para rastrear a localização de pessoas consideradas “inimigas” do então presidente.

O First Mile possui uma capacidade que é “o sonho de todos os arapongas”: com apenas um número de celular, o sistema “te diz onde está aquele aparelho no mapa, triangulando pelas torres de telefonia celular, e te dá a localização do aparelho, portanto do dono do aparelho, em tempo real”.

Entre os alvos da vigilância irregular estavam o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, a ex-deputada Joyce Hasselmann, o ex-deputado Vicente Cândido e o ex-deputado Jean Wyllys.

O software, adquirido sem licitação na transição entre os governos Temer e Bolsonaro, permite rastrear a localização de aparelhos celulares em tempo real através da triangulação de torres de telefonia. A operação estava sob o comando do general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Documentos apreendidos mostram que Heleno mantinha uma agenda manuscrita com “missões” relacionadas ao planejamento de ações contra o sistema eleitoral, parte de uma estratégia mais ampla de desacreditar as urnas eletrônicas.

“O general Heleno é um elemento que ao contrário do que se chegou a se dizer durante o governo Bolsonaro, que ele estava ali para vigiar e acalmar o Bolsonaro, ele era o cara que botava lenha na fogueira”, analisa José Roberto de Toledo, do portal UOL.

Em uma reunião com militares, Heleno chegou a mencionar que tinha “funcionários da Abin que nós vamos infiltrar nas outras campanhas”, sendo interrompido por Bolsonaro: “Peraí, general, aí não, não fala isso aqui, depois a gente fala sozinho.”

A investigação revela ainda que a Abin foi utilizada para fins particulares do presidente, como levantar informações sobre seu filho Jair Renan e sua ex-esposa, durante uma investigação da Polícia Civil do Distrito Federal sobre possível prática de lobby.

“Usar o aparelho do Estado para bisbilhotar a vida alheia, sem ordem judicial e sem nenhuma justificativa, a não ser a sua própria paranoia, é um crime e esses caras precisam ir para a cadeia”, opinou o colunista.

O uso irregular da agência de inteligência teve consequências que se estendem até o governo atual. O presidente Lula optou por não manter a segurança presidencial sob responsabilidade da Abin, transferindo essa função para a Polícia Federal após os eventos de 8 de janeiro.

As revelações constam em denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, que inclui provas materiais como transcrições de conversas e documentos apreendidos. O caso expõe como uma instituição estatal, que deveria servir aos interesses estratégicos do país, foi desviada para atender a interesses particulares e alimentar paranoias políticas do então presidente.

A denúncia é descrita como “uma peça quase cômica, se não fosse trágica”, que mostra como a Abin “foi privatizada para atender exclusivamente os interesses particulares da figura que estava ali na presidência da República, querendo dar um golpe de Estado”.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/abin-paralela-usou-software-espiao-quase-900-vezes-para-bolsonaro/