3 de março de 2025
“Ainda estou aqui” está entre os pré-indicados ao Oscar
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O legado do filme Ainda estou aqui vai muito além da consagração com o Oscar histórico para o Brasil de Melhor Filme Internacional, da retomada da confiança no cinema nacional e do entusiasmo de ouvir falar o nome do país mundo afora. Só por aqui, em três meses, mais de cinco milhões de pessoas assistiram ao longa. Mas é na política que estão os principais impactos do relato sobre a vida de Eunice Paiva e sua luta para o reconhecimento de responsabilidade das autoridades pelo sequestro, pela tortura e pela morte do ex-deputado Rubens Paiva. O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o debate sobre a anistia, o Ministério Público Federal (MPF) reabriu as investigações, as comissões que tratam do assunto ganharam mais força e a família Paiva, enfim, obteve a certidão de óbito retificada. Nela, agora é possível ler que houve uma causa “não natural”, mas violenta e provocada pelo Estado brasileiro.

No mesmo dia da revelação do Oscar, o MPF divulgou um vídeo em que detalha as investigações sobre os crimes cometidos durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), com destaque para o caso do ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado entre 20 e 22 de janeiro de 1971. A ação apura as circunstâncias de sua morte. A partir da denúncia, apresentada em 2014, cinco agentes de segurança são investigados — apenas dois deles estão vivos.

Há, ainda, outros processos referentes ao período da ditadura. O tema está suspenso porque aguarda interpretação do Supremo para definir se esses crimes são protegidos pela Lei da Anistia ou serão excluídos. Para o Ministério Público, esses atos têm caráter “permanente”, portanto não podem ser abarcados pela lei. Caso o Supremo aceite os argumentos do MPF e determine a punição dos crimes cometidos durante a ditadura, devem ter prosseguimento nas instâncias inferiores.

Suprema Corte

A expectativa é de que, nos próximos dias, o STF defina se a Lei da Anistia vai ser aplicada a casos de desaparecimento de vítimas da ditadura. A estimativa é de que existam por volta de 50 ações criminais que se assemelham ao caso de Rubens Paiva e que ganhariam um novo desfecho, caso o STF assim decida.

Os ministros já analisaram recursos relativos ao ex-deputado, a Mario Alves e ao assassinato de Helber José Gomes Goulart e entenderam que cabe a repercussão geral do assunto. Na prática, significa que deve se aplicar a interpretação em casos que tenham associação aos já julgados.

A sinalização do que deve ocorrer no STF pode ser dada pelo entusiasmo dos ministros com o filme. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, fez uma declaração de amor ao longa nas redes sociais. “É filme que retrata os males de uma ditadura: arbítrio, tortura, assassinatos e desaparecimento forçado de pessoas. E faz isso na perspectiva original do sofrimento de uma família. Com arte, poesia e sensibilidade”, disse. “Resgata para o mundo uma história triste, que todos devemos trabalhar para que não se repita.”

No mês passado, o ministro Flávio Dino, do Supremo, afirmou que o filme renovou o debate sobre a Lei da Anistia. Também disse que o plenário da Corte decidirá se a lei deve ser aplicada em casos de ocultação de cadáver. No relatório, o magistrado mencionou o livro Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva, e a “gigantesca interpretação da Fernanda Torres, como elementos de reflexão que atualizam o debate”.

Comissões

A garra e a determinação de Eunice Paiva, na interpretação majestosa de Fernanda Torres, incentivaram os colegiados que investigam as violações durante o regime militar. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta em 2022, foi reinstalada, no ano passado, pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, o grupo se dedica à análise das ossadas do Cemitério Dom Bosco, chamado de Perus, em São Paulo, para identificar possíveis desaparecidos políticos. Também há buscas de corpos no Araguaia e em cemitérios públicos do Rio de Janeiro e do Recife.

Já a Comissão de Anistia do Brasil, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), é responsável por analisar os pedidos de reconhecimento e reparação econômica a perseguidos políticos e seus familiares por agentes do Estado.

Segundo a presidente Ana Maria Lima de Oliveira, o filme deu fôlego para o grupo, que tem de arregaçar as mangas, pois o que há ali é a necessidade de “reconstrução de terra arrasada”, uma vez que a comissão praticamente parou de funcionar nos quatro anos do governo Jair Bolsonaro.

Para os integrantes das duas comissões, a principal contribuição de Ainda estou aqui é, sobretudo, para o fortalecimento da democracia e das instituições. Princípios que devem ser zelados e que permitem, por exemplo, assegurar que situações semelhantes não ocorram novamente.

Resgate da memória

A curiosidade movida pelo filme fez muitos, que jamais se interessaram pela produção nacional, ir ao cinema. De repente, as atrocidades cometidas durante a ditadura e os traumas deixados por esse período passaram a fazer parte do repertório de adolescente e jovens, que mal ouviram falar do período militar nas aulas de história.

A plateia mais heterogênea lotou as salas do país: adultos maduros se sentaram ao lado de estudantes de ensino médio. Em comum, o encantamento pelo longa. Aplausos, assovios e frases de “Anistia nunca mais”.

Paralelamente, Fernanda Torres, indicada ao Oscar e a melhor das embaixadoras que a cultura brasileira poderia ter, fazia bonito no exterior. Ora em inglês, como em um passe de mágica, ela respondia em francês e, em italiano. Sempre com a mesma simpatia, graça e espontaneidade. A atriz que virou meme, boneco de Olinda, máscara e fantasia de carnaval, também estampou as principais revistas estrangeiras e deu entrevistas nas emissoras mais importantes do mundo.

Assim, o Brasil, pela sétima arte, deixou de ser lembrado apenas pelo futebol e samba e passou a ser reconhecido também por saber fazer cinema e ter uma história política de dor, que não pode nem deve ser ignorada. Um legado a ser mantido, jamais abandonado, porque a história não se repete, quando muito, há episódios que se assemelham a outros já ocorridos, mas como o mundo e as pessoas são outras, as circunstâncias não são iguais. O que vale é que Ainda estou aqui serve como alerta para o presente e o futuro: o passado deve ensinar, por isso, não deve ser esquecido.

* Fonte: Correio Braziliense

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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/03/o-legado-politico-de-ainda-estou-aqui/