
Dois anos e cinco meses após o resultado eleitoral que, para a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR), deu origem a uma tentativa de golpe, o Supremo Tribunal Federal (STF) começará na terça-feira a decidir se aceita tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados réus por tentarem se manter no poder após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro de 2022.
Para isso, a Corte preparou um esquema especial, que inclui segurança reforçada, transmissão da TV Justiça e até precauções contra ciberataques. O planejamento diferenciado ocorreu desde a convocação de três sessões extraordinárias, duas delas de manhã, para analisar o caso.
Um plano de segurança foi elaborado em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Haverá um policiamento reforçado e um controle de acesso mais rigoroso. O reforço também ocorre na segurança digital, contra eventuais ataques hackers.
Outro diferencial é a transmissão da TV Justiça — que é regra no plenário, mas só acontece nas turmas em casos excepcionais. Além disso, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, irá fazer pessoalmente a sustentação oral, função que nas turmas geralmente fica com subprocuradores.
O QUE SERÁ JULGADO?
A Primeira Turma do STF vai decidir se aceita abrir uma ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados de tentar dar um golpe de Estado no país.
QUANDO?
Terça-feira, a partir das 9h30. A previsão é que o julgamento dure o dia inteiro e, se for preciso, continue na quarta-feira, no mesmo horário.
QUAIS SÃO OS CRIMES?
Os oito denunciados são acusados pela PGR de cometerem os crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição do estado democrático de direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
ONDE?
O julgamento do caso acontecerá no plenário da Primeira Turma do STF, que fica em um prédio anexo à sede do STF, na Praça dos Três Poderes.
PASSO A PASSO DO JULGAMENTO
O julgamento começa com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes. Depois, quem vai se manifestar é o procurador-geral da República, Paulo Gonet. Na sequência, será a vez das defesas dos acusados. Em seguida, os ministros vão se posicionar se aceitam a denúncia, ou seja, se defendem que os acusados virem réus, ou se vão rejeitá-la. A ordem de votos é a seguinte: Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
OS ACUSADOS E AS ACUSAÇÕES DA PGR A CADA UM:
Jair Bolsonaro
- Quem é: ex-presidente da República, ex-deputado, ex-vereador do Rio de Janeiro e capitão da reserva do Exército
Ex-presidente Jair Bolsonaro no Aeroporto de Brasília em 6 de março de 2025 — Foto: Reuters/Adriano Machado
O que diz a PGR:
O ex-presidente formou, com os outros sete aliados denunciados no mesmo documento, o “núcleo crucial da organização criminosa”.
Deles partiram as “principais decisões e ações de impacto social” para a ruptura democrática. Bolsonaro é o líder da organização criminosa armada voltada para o golpe de Estado.
Bolsonaro atuou, por exemplo, na propagação de ataques ao sistema eleitoral, na edição da versão final do decreto golpista e na pressão sobre os militares para aderir à insurreição.
O ex-presidente ainda interferiu diretamente na conclusão do relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas.
A PGR também disse que há elementos que apontam que Bolsonaro tinha conhecimento do plano Punhal Verde Amarelo, o plano para assassinar autoridades.
- Relembre: Bolsonaro denunciado: veja principais pontos das acusações da PGR
Alexandre Ramagem
- Quem é: deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal.

Candidato à prefeitura do Rio, Alexandre Ramagem abriu a série de entrevistas com postulantes à Prefeitura do Rio de Janeiro — Foto: : Márcia Foletto/Agência O Globo
O que diz a PGR:
De acordo com a investigação, Ramagem prestou auxílio direto a Bolsonaro na deflagração do plano criminoso.
Ele teve um “importante papel”, segundo a PGR, na “construção e direcionamento das mensagens que passaram a ser difundidas em larga escala pelo então Presidente da República” a partir de 2021.
Os investigadores atribuem a ele ainda um documento “que apresentava uma série de argumentos contrários às urnas eletrônicas, voltados a subsidiar as falas públicas” do ex-presidente com ataques às urnas eletrônicas.
Ramagem também comandou um grupo de policiais federais e agentes da Abin que se valeu da estrutura de inteligência do Estado indevidamente — a chamada “Abin Paralela”.
Almir Garnier Santos
- Quem é: almirante da reserva e ex-comandante da Marinha;

O almirante Almir Garnier Santos foi comandante da Marinha — Foto: Reprodução
O que diz a PGR:
As investigações indicam que o militar aderiu ao plano de golpe. Em reunião em dezembro de 2022, o então comandante da Marinha se colocou à disposição de Bolsonaro para seguir as ordens do decreto golpista.
Em seguida, ele confirmou seu aval à trama golpista em uma segunda reunião, no mesmo mês.
Anderson Torres
- Quem é: ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, à época dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

Ex-ministro Anderson Torres em depoimento à CPI dos Atos Golpistas — Foto: WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O que diz a PGR:
Nos cargos na gestão Bolsonaro, Anderson Torres replicou narrativas sobre a suposta fraude nas urnas divulgada em transmissão ao vivo de julho de 2021, “distorcendo informações e sugestões recebidas da Polícia Federal”.
Ele também atuou para implementar o plano para viabilizar os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em estados do Nordeste, de modo a evitar que eleitores favoráveis a Lula chegassem às urnas.
Torres também elaborou documentos que seriam usados no golpe de Estado. Na casa dele, foi encontrada a minuta de um decreto de Estado de Defesa, para intervenção no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Já como secretário de Segurança do Distrito Federal, omitiu-se nas providências para evitar o ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Augusto Heleno
- Quem é: ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército;

Ex-ministro do GSI Augusto Heleno, em depoimento à CPI dos Atos Golpistas — Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
O que diz a PGR:
Assim como Ramagem, Augusto Heleno atuou no auxílio direto a Bolsonaro para colocar em prática o plano criminoso.
Ele teve papel importante na construção de ataques ao sistema eleitoral — em uma agenda encontrada na casa do militar, havia um planejamento para fabricar discurso contrário às urnas.
Além disso, o general participou do plano para descumprir decisões judiciais, a partir de um parecer que seria elaborado pela Advocacia-Geral da União. Sua agenda também contava com registros que indicariam que ele sabia sobre as ações da “Abin Paralela”.
Heleno também seria o chefe do “gabinete de crise” criado pelo governo Bolsonaro depois da consumação do golpe de Estado.
Paulo Sérgio Nogueira
- Quem é: ex-ministro da Defesa, general da reserva e ex-comandante do Exército;
O general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, em audiência no Senado sobre a participação das Forças Armadas no processo eleitoral — Foto: Roque de Sá/Agência Senado
O que diz a PGR:
Nogueira participou de reunião com Bolsonaro e outras autoridades, em julho de 2022, em que o ex-presidente teria pedido que todos propagassem seu discurso de vulnerabilidade das urnas.
Na reunião, Bolsonaro antecipou aos presentes o que faria na reunião com embaixadores, no mesmo mês (na ocasião, fez ataques ao sistema eleitoral). No mesmo encontro, o militar instigou a ideia de intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral.
O ex-ministro também esteve na reunião de dezembro em que a proposta de decreto do golpe; e na semana seguinte, numa reunião com os comandantes miliares, ele apresentou uma segunda versão do decreto.
“A presença do Ministro da Defesa na primeira reunião em que o ato consumador do golpe foi apresentado, sem oposição a ele, sem reação alguma, significava, só por isso, endosso da mais alta autoridade política das Forças Armadas. Ao pela segunda vez insistir, em reunião restrita com os Comandantes das três Armas, na submissão de decreto em que se impunha a contrariedade das regras constitucionais vigentes, a sua integração ao movimento de insurreição se mostrou ainda mais indiscutível”, disse a PGR.
Walter Braga Netto
- Quem é: general da reserva do Exército, foi ministro da Defesa e da Casa Civil, além de candidato a vice de Bolsonaro em 2022.
Ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto — Foto: Isac Nóbrega/PR
O que diz a PGR:
Braga Netto foi um dos presentes na reunião com Bolsonaro e outras autoridades, em julho de 2022, em que o ex-presidente teria pedido que todos amplificassem seus ataques ao sistema eleitoral.
Uma reunião na casa de Braga Netto, em novembro do mesmo ano, discutiu a atuação dos “kids pretos” dentro do plano “Punhal Verde Amarelo”, o plano para matar autoridades.
Participou do financiamento da ação para assassinar o presidente Lula, o vice Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, no estímulo aos movimentos populares, em reuniões para operacionalizar o plano golpista e na pressão sobre os militares que não aderiram ao golpe.
Uma vez consumada a ruptura, seria o coordenador-geral da “gabinete de crise”.
Mauro Cid
- Quem é: ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel do Exército (afastado das funções na instituição);
Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL) — Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
O que diz a PGR:
Mauro Cid fazia parte do “núcleo crucial” junto com Bolsonaro e os outros seis denunciados. Mas tinha “menor autonomia decisória”, por cumprir ordens do ex-presidente.
O militar também atuou como porta-voz do ex-presidente, transmitindo orientações aos demais integrantes do grupo.
Além disso, trocou mensagens com outros militares investigados para obter, inclusive com a ação de hackers, material para colocar em dúvida o processo eleitoral.
Cid tinha, em seu celular, documento datado de novembro de 2022. O material era uma minuta a ser assinada por representante de partido político, com informações sobre suposta fraude nas urnas.
Também tinha, no mesmo aparelho, documento que seria um discurso de Bolsonaro após o golpe. Participou de diálogos em que se tratou do plano “Punhal Verde e Amarelo”.
Crimes
A PGR atribuiu ao grupo cinco crimes:
abolição violenta do Estado Democrático de Direito: pune o ato de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos.
organização criminosa: quando quatro ou mais pessoas se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para cometer crimes. Pena de 3 a 8 anos.
dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de seis meses a três anos.
deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena de um a três anos.
Com informações de O Globo e do portal G1
Fonte: https://agendadopoder.com.br/stf-se-prepara-para-julgar-bolsonaro-nesta-terca-25-com-seguranca-especial-reforco-contra-hackers-e-transmissao-ao-vivo/