
Uma das lembranças mais latentes que tenho da infância é a de contemplar a coleção de discos de vinil da minha mãe – devo à ela a maior parte do meu bom gosto musical. Não ouvir, só ver mesmo: eventualmente, pegava um por um, revisitando quais artistas me acompanhavam dentro de casa. Às vezes, esperançosa de que aparecesse mais um na coleção; sempre, ansiando por um dia conseguir escutá-los. Na época, a tradição de ouvir vinil estava em stand by, substituída pelos CDs. Só consegui realizar os sonhos da pequena Alice quase vinte anos depois, quando presenteei o meu companheiro com uma vitrola. De quebra, ele herdou a coleção da sogra. Sortudo. Desde então, mantemos a tradição de colecionar vinis e colocar a radiola para tocar sempre que possível.
O mais surpreendente de tudo isso? Olhar à nossa volta e perceber que essa não é mais uma tradição perdida e, arrisco dizer, nunca foi. Não é difícil ver pessoas se reunindo para ouvir vinil, colecionadores, DJs especializados na modalidade, artistas lançando álbuns na versão física, e a quantidade abundante de variações de vitrola, uma mais tecnológica que a outra. Entre tudo isso, a curiosidade mais fascinante é: o público jovem é o mais interessado pela volta desse tipo de mídia – ou, como eles diriam, pelo comeback do vinil.
Para mergulhar de vez nesse universo, conversei com quem vive da agulha girando e do bom e velho chiado: DJs que mantêm viva a cultura do vinil. Ao ouvi-los, percebi que, para ambos, a magia do vinil se resumia em uma palavra: emoção.
Ao Léu Com Léo é DJ há pouco mais de um ano e explica a vivência do vinil como uma experiência completa: “Ele exige atenção, cuidado, e ao mesmo tempo tem uma força estética muito grande. A capa, o som, o toque. É uma forma de não se render ao digital por completo. Eu gosto da limitação que o vinil impõe, porque ela te obriga a pensar melhor o set, escutar mais profundamente.”
Em total consonância com o que foi dito por Léo, Vanessa Serra, DJ há nove anos, também acredita que o magnetismo do vinil não se baseia apenas em um critério estético, afinal, trata-se de uma mídia plurifacetada. “O vinil é uma mídia tátil que mexe com os sentidos em sua completude. Você tem o encarte, tem o apelo visual, tem o tato, porque você pega…É uma obra de arte, não é só uma coisa sensorial.”, relata a artista.
Para além da emoção, o LP permite conexão, afinal, no vinil ouve-se cada detalhe da gravação e percebe-se as nuances dos artistas. Eu, enquanto espectadora e ouvinte, posso atestar a quantidade de vezes em que o simples chiado da vitrola me permitiu iniciar conversas intermináveis sobre o poder da música. Quem sente, sabe que é diferente.
Sobre isso, Léo fala: “Quando a gente toca o vinil, tem um apego afetivo, as pessoas querem ver os discos, querem saber o que tá tocando, perguntam o nome do artista, do álbum… A capa gera curiosidade, vira parte da conversa. É diferente do digital, que às vezes passa batido. No vinil, tudo vira experiência, até a troca do disco no set. Acho que isso aproxima, cria um momento mais íntimo, mais presente.”
Vanessa Serra complementa: “você tem que perceber para quem você está tocando, tem que sentir a pista. Porque é uma troca, o vinil cria um elo”. Ela acrescenta, também, que renasceu com a discotecagem e espera que outras pessoas tenham essa experiência, afinal, o vinil traz uma força de resistência que, além de conectar pessoas, viabiliza a própria reafirmação da identidade.
O boom do vinil no mercado fonográfico
O mistério da magia do vinil ainda é uma experiência individual, mas os números não mentem. Segundo o relatório anual do Mercado Fonográfico do Brasil, realizado pela Pro-Música, as vendas físicas ainda representam uma parte pequena do faturamento total, no entanto, surpreenderam com um desempenho notável em 2024. O crescimento registrado foi de 31,5%, equivalente a R$21 milhões, registrando o maior nível desde 2017. O maior responsável por esse crescimento foi o disco de vinil, que se consolidou como a mídia física mais consumida no Brasil após o faturamento de R$16 milhões e alta de 45,6%.
Em São Luís, a situação não é diferente. Paulo Moraes, sócio da Brisa Discos, é músico e vendedor de discos, e confirma: “a maior parte de quem nos procura é de pessoas novas, tanto na idade quanto no mundo do vinil.” Ele acrescenta: “as feiras que acontecem em São Luís têm tido aumento expressivo e a procura por discos na nossa loja também.” Segundo ele, existe um crescimento na procura por começar coleções, revisitar memórias e ouvir música de uma forma mais única e íntima.
Apesar de funcionar apenas na modalidade digital, a Brisa Discos sente os impactos da retomada dos LPs nas vendas. “O aumento das vendas tem sido proporcional ao número de lançamentos em vinil. É importante dizer que o mercado dessa mídia não é feito somente de discos antigos, pelo contrário, novos artistas têm encontrado no vinil uma forma de driblar a baixa remuneração do seu trabalho via streaming.”
Quando perguntei se o vinil poderia ser considerado um lifestyle, não só Paulo, como os outros entrevistados responderam, sem hesitar, que sim. Devo concordar com eles. Após essa pesquisa e todas essas conversas, pude ter a clareza de que, entre agulhas e memórias, o disco não voltou: ele sempre esteve girando.
Fonte: https://oimparcial.com.br/entretenimento-e-cultura/2025/04/vinil-em-alta-o-retorno-afetivo-e-comercial-dos-discos-no-brasil/