
Auditorias realizadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) em duas licitações do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) revelaram graves falhas no planejamento e aplicação de recursos públicos. Os técnicos da CGU concluíram que aproximadamente R$ 310 milhões foram destinados a obras de pavimentação e engenharia em nove estados do Nordeste e Sudeste sem critérios técnicos definidos, baseando-se apenas em repasses por emendas parlamentares.
As informações constam em relatórios tornados públicos na última semana. As contratações analisadas envolvem cerca de R$ 200 milhões em serviços de pavimentação e R$ 109,9 milhões para a construção de “passagens molhadas” — estruturas que permitem a travessia de pequenos rios. As obras estão previstas para Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Segundo os auditores, os documentos não apresentavam justificativas técnicas mínimas exigidas por lei, como estudos de demanda, projeções de necessidade ou critérios que orientassem a distribuição regional dos investimentos. Em resposta às cobranças da CGU, o próprio Dnocs declarou que os valores foram calculados com base em “consultas de parlamentares para envio de recursos por emendas”, com o objetivo de montar “uma cesta de serviços e/ou equipamentos” que pudesse atender às bases eleitorais dos congressistas.
Os técnicos da CGU, por sua vez, foram enfáticos: “Não é do melhor interesse público que os recursos da União sejam aplicados de forma aleatória, sem atender a nenhum critério técnico que potencialize os retornos sociais e econômicos dos investimentos realizados”.
Além da ausência de planejamento, a auditoria destacou a grande disparidade entre os repasses por estado. Enquanto Minas Gerais, por exemplo, receberia apenas R$ 5,3 milhões, Alagoas ficaria com R$ 100,9 milhões — mais da metade do valor total da licitação de pavimentação. Segundo o Dnocs, o montante alocado em Alagoas se deve ao “aporte expressivo” da bancada do estado no Congresso Nacional.
Para a CGU, essa lógica fere princípios básicos de equidade e eficiência. “Fica evidente que o quantitativo apresentado foi fundamentado apenas no aporte orçamentário estimado advindo de emendas parlamentares, sem a realização de quaisquer estudos de necessidades de contratação”, ressalta o relatório.
A Controladoria também fez críticas ao modelo atual de distribuição de recursos públicos, no qual o Parlamento tem ganhado protagonismo na alocação de investimentos da Lei Orçamentária Anual (LOA), frequentemente superando o Executivo na definição de prioridades. Segundo os auditores, isso representa um risco direto à efetividade das políticas públicas: “Esse novo arranjo do sistema orçamentário (…) é um risco para o atingimento dos objetivos e melhorias dos indicadores dos programas e ações que são planejados pelos órgãos setoriais e centrais de planejamento e orçamento”.
Outro ponto de atenção levantado pela CGU é o frágil sistema de fiscalização do Dnocs. O departamento informou não dispor de ferramentas próprias de controle e afirmou que o acompanhamento seria feito pelas comissões locais de fiscalização e por meio das documentações apresentadas durante as medições das obras. Entretanto, os auditores apontam que o Dnocs possui um quadro de pessoal “deficitário, principalmente na área técnica de fiscalização”.
A auditoria conclui que a combinação entre ausência de critérios técnicos, influência excessiva de interesses políticos, falta de estrutura operacional e controle ineficaz pode comprometer os resultados esperados das obras financiadas, aprofundando desigualdades regionais e comprometendo os indicadores sociais e econômicos das populações atendidas pelo Dnocs.
Procurado pela reportagem, o Dnocs ainda não se manifestou sobre as conclusões da CGU até a publicação desta matéria.
Com informações do g1.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/cgu-aponta-uso-aleatorio-de-r-310-milhoes-em-emendas-destinadas-a-obras-do-dnocs/