
Jorge Mario Bergoglio nasceu em 17 de dezembro de 1936, no bairro de Flores, na capital argentina Buenos Aires. Morreu como Francisco, em 21 de abril de 2025, aos 88 anos, em sua residência – Casa Santa Marta – no Vaticano, às 7h35 do horário local. O tempo, entretanto, parece que ainda não seguiu. O irmão latino-americano, que olhou para os pobres, os infelizes, os vulneráveis, os abandonados; que olhou para o mais fundo dentro de nós; que zelou com carinho pela alma de todos, ainda parece sorrir com amor e ternura, iluminando os dias difíceis e nos aquecendo no frio desolador das noites sem esperança.
Pensando na situação atual, em que palavras que ajudem a suportar essa perda são cada vez mais requisitadas, O Imparcial entrevistou o arcebispo de São Luís, Dom Gilberto Pastana de Oliveira, com um direcionamento sutil e perguntas que buscassem revelar os sentimentos que se passam pelo coração de Pastana, assim como os que devem se passar pelo de tantas outras pessoas do Maranhão.
Acompanhe a entrevista completa:
O Imparcial – Dom Gilberto, o senhor acha que o ser humano tem dificuldade para mostrar os seus sentimentos? Como o senhor lida com os seus sentimentos?
Dom Gilberto – Sim, o sentimento é uma característica própria de cada um. E, evidentemente, há aqueles sentimentos que são públicos, e esses aí certamente não há possibilidade de esconder. Mesmo assim, há pessoas que têm dificuldade de manifestar isso. E há aqueles sentimentos mais internos, que exigem uma amizade, exigem uma relação de mais confiabilidade. Então, depende muito do grau do relacionamento. O sentimento, acho que está muito relacionado ao nosso sentimento também de pertença. Mas há diversas situações em que as pessoas podem, sim, ter dificuldade de manifestar o seu sentimento.
Eu penso que a oração nos ajuda muito. No meu lugar, diante de Deus, nós temos que ser bastante livres para colocar a Ele tudo o que nós sentimos. Diante d’Ele, não há dificuldade de reconhecer o que nós somos ou o que nós estamos sendo. Então, eu penso que isso é uma coisa que a gente vai trabalhando; a gente tem um referencial na vida, e no caso aqui é Jesus Cristo. A gente pode ser ajudado a trabalhar esses sentimentos.
O Imparcial – Qual foi a primeira coisa que o senhor sentiu, ou pensou, quando ficou sabendo do falecimento do Papa Francisco?
Dom Gilberto – É interessante, porque nesse dia, segunda-feira, não sei por quê, foi um dos dias que eu inclusive dormi um pouco mais. Eu sempre acordo muito cedo e esse dia eu dormi um pouco mais. Eu acordei, peguei o celular e, no primeiro momento, a notícia da morte do Papa Francisco estava junto com a notícia de um aniversariante da nossa arquidiocese. E eu estranhei. “Mas o papa não tem nenhuma data que seja motivo de celebrar”, pensei. E aí, quando eu olhei outras notícias, só aí que eu fui me deparar: O papa morreu. Em seguida, é claro, o sentimento de perda, de tristeza, de surpresa. A morte sempre é uma surpresa. A morte continua sendo sempre um mistério para o ser humano. Então, a primeira reação foi de lacrimejar…
Perdi. Perdi o meu orientador. Perdi o meu sucessor de Pedro. Um sentimento de perda, de tristeza, até de me perguntar “Poxa, eu acho que ele tinha tantos sonhos ainda. Ele tinha tanto ainda o que fazer”.
Mas aí vem o olhar da fé. Então, a gente tem que agradecer, em primeiro lugar, por Deus ter dado de presente para o nós o Papa Francisco como sucessor de Pedro. E ter dado a ele essa graça, para ele ajustar a igreja naquilo que ela deve ser. A gente tem que ter muito cuidado, estar muito atento com o espírito mundano. Isso pode tomar conta da igreja.
E o Papa Francisco foi muito fiel a isso, ao sentido do discipulado. Ele ajudou e foi um papa que soube ouvir o clamor do povo e soube estar próximo da realidade sofrida do povo com Jesus; um papa que visitava, acolhia a todos os povos e um papa que demonstrou o rosto de Jesus, simples, pobre, obediente, para fazer a vontade do Pai, e não os seus interesses; um papa que fez com que todos nós entendêssemos que a igreja é para servir. A igreja não é o poder do mundo. A igreja é o poder de Deus. E quem age na igreja é o Espírito Santo.
O Imparcial – É interessante, porque no testamento dele (o papa), foi mencionado que ele queria ser enterrado com simplicidade, em terra simples…
Dom Gilberto – E apenas a palavra: “Francisco”. Muito forte. É um homem testemunhal. É um homem que vivia o que pregava. Não havia a contradição entre o falar e o fazer na vida do Papa Francisco.
Falem da realidade da vida. Não falem do ideal. Falem da concretude da evangelização. Falem das dificuldades e das alegrias que vocês estão tendo. Ele foi um Papa que nos ensinou que o real, o concreto, é mais importante do que a ideia.
O Imparcial – Em um mundo como este, em que cada vez perdemos mais e mais, como podemos lidar com a ausência?
Dom Gilberto – Olha, eu penso que como a Igreja é de Jesus Cristo e é conduzida pelo Espírito Santo, Deus não nos faltará em enviar e continuar enviando pessoas. Agora, é preciso perceber essas pessoas. Porque, assim como o Papa Francisco, quantas pessoas que são anônimas no mundo não estão fazendo o que o Francisco fez? Quantas? E o nosso olhar ainda é o olhar do poder, é o olhar do status, dos privilégios. O Papa Francisco via isso. Então, Deus continua revelando. Muitas, muitas pessoas na base estão fazendo isso, estão testemunhando isso. Eu penso que nós devemos aprender a olhar para o cenário de Deus. E certamente Deus não vai abandonar a sua Igreja. Nunca abandonou. (Ele) Vai mandar, vai fazer-nos enxergar que são necessárias essas mudanças e reformas. É preciso continuar.
O Imparcial – Há algum tempo, conversamos sobre o filme “Conclave”, e o senhor mencionou que há muitos anos não ia ao cinema, mas que decidiu ir para assistir à obra. Você acha que a trama do filme pode ser um espelho para o cenário atual?
Dom Gilberto – É um filme que com certeza tem algumas ficções. Mas, eu me pergunto se as ficções não são possibilidades a serem concretizadas… Tudo é possível. A realidade humana é uma realidade frágil. Daí a importância de nós aplicarmos o Espírito Santo em Deus, a verdade de Deus, a força de Deus. Veja, essa semana nós estamos falando do apóstolo Pedro. Pense, quantas discordâncias Pedro teve com Jesus e não aprendeu? E Jesus dizendo para ele “Não é assim, é desse jeito”. Mas, eu penso que é bom você revelar o seu interior. Porque se você revela o seu interior, pelo menos a gente já sabe com quem a gente está lidando. E a gente sabe que você tem, digamos, essas tendências ao poder, à manipulação. Então, quando você convive com essas pessoas e entende, sabe que essas pessoas têm esse condicionamento, você sabe onde você está indo. Daí, a necessidade de nós sermos fiéis ao Evangelho. O Evangelho deve nos corrigir. O Evangelho deve ser luz para ser praticado. Não é uma ideia. É uma experiência de vida. E isso nós não fazemos de uma forma pessoal, individual. Nós fazemos de uma forma comunitária.
O Imparcial – No filme, notamos uma divisão muito clara de nacionalidades, entre aqueles cotados para se tornarem papas. Dom Gilberto, o senhor acha que o papa tem nacionalidade? E, para você, como um papa deve ser?
Dom Gilberto – Todos nós temos raízes. Isso você não pode negar. Eu sou paraense, então, eu trago comigo as raízes paraenses e jamais vou deixar de trazer. Agora, não podemos confundir essa raiz particular com o geral, com o global. A função do Papa é a função global, universal. Então, isso ele tem que renunciar, não pode ser particularizado. Evidentemente, a igreja é como uma mãe, que, por exemplo, tem sete, oito filhos… para aquele que está doente, ela vai dar mais atenção. Existem situações em que a Igreja precisa ter uma maior preocupação, inclusive com as populações originárias, com os indígenas. É preciso dar prioridade. É isso a função do Papa.
O Imparcial – Qual seria a mensagem que o senhor deixa para as pessoas do Maranhão, que vivem nesse estado brasileiro marcado pela desigualdade e pela pobreza, e agora se encontram sem o Santo Padre para iluminar o caminho, como o Papa Francisco fazia?
Dom Gilberto – Primeiramente, eu acho que eles devem acreditar em si. Acreditar na força de Deus presente em cada um. O Papa foi, sem dúvida, um indicador, uma luz. Mas é preciso que a gente abrace isso e isso seja realizado. Jesus nos ensinou a ajudar as pessoas a buscar o peixe, a pescar. Isso foi o que o Papa fez. Então, é preciso que as pessoas pesquem. As pessoas têm que acreditar na sua força coletiva, na força da comunidade, viver em comunidade, fortificar a comunidade. Porque, se a gente não fizer isso, mesmo o Papa sendo o que ele era, não vai produzir efeito na nossa vida. Nós devemos também nos libertar desse paternalismo. Infelizmente, a nossa cultura ainda é marcada por isso. Então, nós temos que aprender com os ensinamentos do Papa Francisco a fortificar as organizações, a comunidade, a paróquia, os movimentos sociais. Porque somos capazes de fazer isso. Somos capazes. Não esperemos!
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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/04/entrevista-com-dom-gilberto-pastana-ele-esta-junto-do-pai/