
A Polícia Federal (PF) identificou que a cúpula do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) atuou para liberar descontos em massa de aposentadorias em favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), contrariando pareceres internos do órgão.
As informações foram reveladas pela Folha de S.Paulo e integram a investigação que resultou na “Operação Sem Desconto”, deflagrada em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU).
Segundo a investigação, Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, autorizou em junho de 2023 a inclusão de descontos associativos em 34.487 benefícios, mesmo após a Procuradoria do instituto ter apontado a impossibilidade legal dessa liberação. De acordo com documentos obtidos pela PF, a decisão ocorreu após reunião entre Stefanutto e representantes da Contag.
Em nota, a defesa de Stefanutto afirmou que ele “reafirma a sua inocência e declara que no curso da investigação será comprovada a manifesta ausência de qualquer participação nos ilícitos investigados”. Já a Contag reiterou comunicado anterior, defendendo que atua “na luta pela garantia, manutenção e ampliação de direitos de mais de 15 milhões de trabalhadores rurais”, e que os descontos são autorizados pelos próprios associados.
Investigação aponta favorecimento à Contag
A operação Sem Desconto mira uma estrutura que, desde 2016, facilitava descontos não autorizados diretamente nas aposentadorias e pensões, sob o pretexto de oferecer benefícios como planos de saúde e descontos em farmácias. Entre 2019 e 2024, as associações e sindicatos envolvidos movimentaram R$ 6,3 bilhões em descontos — valor cuja legalidade ainda está sob apuração.
Conforme relatado pela PF, a liberação dos descontos para a Contag contrariou orientações técnicas e jurídicas do próprio INSS, que inicialmente rejeitaram o pedido da entidade. O bloqueio havia sido instituído para evitar fraudes e proteger aposentados de descontos indevidos.
Apesar disso, após pressão da Contag, Stefanutto determinou a operacionalização dos descontos com base em uma planilha entregue pela confederação, o que levou à inclusão de milhares de mensalidades em benefícios previdenciários. A decisão foi respaldada por despachos do então coordenador-geral de Pagamento de Benefícios do INSS, Jucimar Fonseca da Silva, e do procurador-chefe Virgílio de Oliveira Filho, ambos afastados de seus cargos na semana passada.
Auditorias revelam inconsistências
Auditorias internas e da CGU reforçam a suspeita de irregularidades. Segundo a CGU, houve um número expressivo de solicitações de exclusão de descontos da Contag: 18.693 no primeiro semestre de 2023, 17.988 no segundo semestre e 27.547 no primeiro trimestre de 2024.
Uma auditoria interna do INSS revelou ainda que a alegação de represamento de pedidos de desbloqueio — argumento usado para justificar a liberação em lote — “não condizia com a realidade”. Apenas 213 beneficiários, de um total de mais de 35 mil nomes apresentados pela Contag, aguardavam efetivamente o desbloqueio.
A PF destacou que não houve qualquer validação, nem mesmo amostral, das informações fornecidas pela entidade para liberar os descontos, aumentando as suspeitas de facilitação para a prática de fraudes.
Consequências e próximos passos
O desbloqueio em massa sem a devida verificação é apontado como uma das principais irregularidades no esquema investigado. A PF apresentou à Justiça um diagrama que descreve a atuação de Stefanutto e outros dirigentes no favorecimento à Contag.
Stefanutto deixou o comando do INSS no início de 2024, em meio ao avanço das investigações. Procurado, o INSS informou que ainda não teve acesso aos autos do processo e, por isso, não se pronunciaria.
A operação Sem Desconto ainda apura a extensão dos danos aos cofres públicos e busca identificar quantos aposentados foram vítimas de descontos indevidos. O inquérito também apura indícios de lavagem de dinheiro envolvendo dirigentes da Contag, que teriam recebido cerca de R$ 2 bilhões em contribuições — parte das quais pode ter origem irregular.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/ex-presidente-do-inss-liberou-descontos-em-massa-a-contag-apesar-de-parecer-tecnico-contrario-denuncia-pf/