
A saída de Carlos Lupi do Ministério da Previdência Social aprofundou a crise entre o PDT e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gerando forte insatisfação na cúpula pedetista e colocando em xeque a histórica aliança entre as duas legendas. Embora o partido tenha sido um dos mais fiéis à base governista desde o início da legislatura, a condução do episódio provocou um debate interno que pode levar a legenda a adotar uma postura de independência no Congresso.
O descontentamento do PDT foi vocalizado pelo líder da bancada na Câmara, deputado Mário Heringer (MG), que classificou como equivocada a maneira como o Palácio do Planalto tratou a saída de Lupi. “A condução do caso foi ruim”, afirmou. Um dos principais incômodos foi a falta de consulta à legenda sobre a escolha do novo presidente do INSS, após a demissão de Alessandro Stefanutto, nomeado por Lupi. A decisão foi interpretada como sinal de que o ex-ministro havia perdido o respaldo do governo.
Mesmo com o tom crítico, o presidente Lula nomeou como substituto o secretário-executivo da pasta, Wolney Queiroz, filiado ao PDT desde os 20 anos e ex-deputado com seis mandatos. A escolha, embora não tenha sido negociada diretamente com o partido, acabou sendo aceita pelos principais líderes pedetistas. Heringer chegou a dizer que a indicação era “natural”, dada a trajetória de Queiroz como braço-direito de Lupi e seu trânsito interno no partido.
Apesar da nomeação, o episódio acirrou tensões. O ex-ministro Lupi repetiu publicamente que seu nome não aparece nas investigações da Polícia Federal, inclusive durante sessões na Câmara que trataram do escândalo. A oposição, no entanto, vê a troca como superficial. “Lula trocou seis por meia-dúzia”, ironizou um parlamentar da direita.
Para a oposição, a proximidade entre Lupi e Queiroz enfraquece a tentativa do governo de dar uma resposta institucional à crise. O vice-líder da oposição, deputado Sanderson (PL-RS), afirmou: “O que vemos é a repetição da história: corrupção sistêmica, apadrinhamento e tentativa de jogar tudo para debaixo do tapete. Esse escândalo exige CPI, investigação profunda e punição rigorosa”.
O descontentamento da base aliada se dá em um contexto de alta fidelidade do PDT ao governo: levantamento do UOL mostra que o partido seguiu a orientação do Planalto em 92,46% das 3.464 votações realizadas desde o início da legislatura em 2023.
A origem da crise
O estopim da crise foi a revelação de um esquema de descontos indevidos aplicados a milhões de aposentados e pensionistas do INSS. A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União identificaram que entidades utilizavam convênios com o INSS para aplicar mensalidades automáticas sem autorização expressa dos beneficiários — como exige a legislação.
Auditoria da CGU avaliou 29 entidades e revelou que muitas não tinham condições de entregar os serviços prometidos, como descontos em academias, planos de saúde e assistência jurídica. Uma amostra feita com 1.300 segurados revelou que 97% deles nunca autorizaram os descontos.
Atas de reuniões do Conselho Nacional de Previdência Social revelam que o então ministro Carlos Lupi foi alertado sobre as irregularidades em 12 de junho de 2023. Embora tenha reconhecido a gravidade da denúncia, Lupi alegou que não era possível tomar providências imediatas diante do volume de beneficiários afetados — cerca de 6 milhões. As primeiras ações concretas só vieram em março de 2024, nove meses depois.
Mesmo com novas regras publicadas pelo governo, o então presidente do INSS teria atuado para manter brechas que possibilitassem a continuidade dos descontos, segundo a investigação. A demora na reação do ministério e a tentativa de contornar as novas diretrizes pesaram na decisão política de afastar Lupi e Stefanutto.
Agora, com o desgaste político instalado, o PDT avalia qual será sua nova posição frente ao governo Lula. Embora a sigla ainda ocupe um ministério, a ideia de independência ganha força entre seus quadros — um possível ponto de inflexão após décadas de parceria iniciada ainda nos tempos de Leonel Brizola.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/crise-no-inss-desgasta-relacao-entre-lula-e-pdt-que-pode-deixar-base-do-governo/