24 de junho de 2025
Tutancâmon: “maldição da múmia” vira esperança contra o câncer
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Um artigo publicado nesta segunda-feira (23) na revista Nature Chemical Biology traz uma nova e surpreendente ligação entre o famoso faraó Tutancâmon e a ciência moderna. Segundo o estudo, o fungo Aspergillus flavus, suspeito de ter contribuído para as mortes de pessoas que abriram a tumba do antigo rei no Egito na década de 1920, pode ajudar no desenvolvimento de medicamentos contra a leucemia – tipo de câncer que afeta o sangue e a medula óssea.

O mistério em torno da “maldição da múmia” começou após a abertura da tumba de Tutancâmon, há cerca de 100 anos. Vários arqueólogos e financiadores morreram pouco tempo depois. Embora muita gente tenha visto nisso um castigo sobrenatural, cientistas sugeriram outra explicação: a presença de fungos perigosos, como o A. flavus, que vive em ambientes escuros e úmidos, alimentando-se de grãos antigos.

Arqueólogo examina múmia dentro da tumba de Tutancâmon, o Faraó Menino do Egito. Crédito: Griffith Institute, University of Oxford/Reprodução

Tumba de Tutancâmon foi só o começo de uma série de mortes misteriosas

Casos semelhantes ocorreram em outras escavações, como na Polônia, nos anos 1970, quando 10 dos 12 cientistas que abriram o túmulo do rei Casimiro IV morreram em poucas semanas. As mortes foram atribuídas a infecções causadas pelos esporos do A. flavus, capazes de atacar os pulmões humanos. Há décadas, especialistas debatem se esse fungo também foi o vilão por trás dos óbitos no Egito.

Agora, a fama desse microrganismo pode mudar. Pesquisadores acreditam que ele seja uma fonte promissora de novos medicamentos contra o câncer, especialmente a leucemia. Como a doença mata milhões de pessoas por ano, encontrar uma nova arma contra ela seria um avanço importante.

Os autores do estudo explicam que fungos e bactérias produzem pequenas cadeias de aminoácidos chamadas peptídeos, por meio de diferentes processos celulares. Um tipo específico, conhecido como RiPPs (sigla para “peptídeos sintetizados ribossomalmente e modificados pós-traducionalmente”), já foi bastante estudado em bactérias, mas pouco explorado em fungos. E justamente nesses peptídeos está o potencial para novos tratamentos.

O fungo Aspergillus flavus produz moléculas que podem salvar vidas. Crédito: Bella Ciervo

Em um comunicado, a pesquisadora Xue Gao, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, lembra que os fungos já nos deram medicamentos importantes, como a penicilina. Orientadora da equipe do estudo, ela destaca que, por serem organismos que não podem fugir de predadores, os fungos desenvolveram compostos químicos letais para se defender. E isso pode ser aproveitado pela medicina.

Purificar essas substâncias, no entanto, não é tarefa fácil. Segundo a cientista Qiuyue Nie, muitos peptídeos foram mal classificados ao longo dos anos, o que dificultou os avanços nas pesquisas. Mesmo assim, os compostos que já foram isolados mostraram forte ação contra células animais, o que chamou a atenção dos pesquisadores. “A síntese desses compostos é complexa”, disse Nie. “Mas é também isso que lhes confere essa bioatividade notável”.

Bons resultados de laboratório não garantem sucesso no organismo humano

O estudo analisou 12 tipos de Aspergillus e apontou o A. flavus como o mais promissor. Os cientistas descobriram uma proteína que parece ser a responsável pela produção de peptídeos especiais. Quatro dessas moléculas, chamadas asperigimicinas, foram isoladas e duas delas mostraram capacidade de matar células leucêmicas em laboratório.

Uma terceira asperigimicina, que não funcionava sozinha, se tornou altamente eficiente quando combinada com uma substância da geleia real. No entanto, os autores do estudo alertam: o que funciona em laboratório nem sempre terá o mesmo resultado em seres humanos.

Mesmo assim, a equipe acredita que ainda há muitas outras asperigimicinas a serem descobertas. Esses compostos agem bloqueando estruturas chamadas microtúbulos, essenciais para a divisão celular, o que é vital no combate ao câncer.

A autora principal do estudo, Qiuyue Nie, e Maria Zotova, coautora, purificam amostras do fungo. Crédito: Bella Ciervo

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Natureza é aliada na luta contra o câncer

Outro ponto interessante foi a descoberta de um novo modo de ação, envolvendo o gene SLC46A3, que facilita a entrada dessas moléculas nas células. Isso pode abrir caminho para melhorar outros tratamentos já existentes.

Curiosamente, as asperigimicinas foram eficazes apenas contra a leucemia, não mostrando efeito em outros tipos de câncer. Para os cientistas, isso é positivo, pois um medicamento mais específico tem mais chances de sucesso e menos efeitos colaterais.

Antes de chegarem aos testes em humanos, as substâncias ainda precisam passar por experimentos em animais. Mas os pesquisadores se mostram otimistas. Para Gao, a natureza continua sendo uma grande fonte de inspiração e soluções para a medicina moderna. “Cabe a nós desvendar seus segredos”, disse ela. “Como engenheiros, estamos entusiasmados em continuar explorando, aprendendo com a natureza e usando esse conhecimento para projetar soluções melhores”.

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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/06/23/ciencia-e-espaco/tutancamon-maldicao-da-mumia-vira-esperanca-contra-o-cancer/