
Creches comunitárias vinculadas à vereadora Gigi Castilho (PL), na Zona Oeste do Rio de Janeiro, destinaram R$ 1,7 milhão em verbas públicas a empresas de familiares e pessoas próximas ao seu núcleo familiar. A investigação é do RJ2, da TV Globo, que revelou nesta segunda-feira (23) uma série de contratações suspeitas feitas pelas instituições Creche Comunitária Deus é Fiel e Creche Escola Machado.
Os recursos, repassados pela Prefeitura do Rio para suprir a carência de vagas na rede pública, deveriam ser utilizados para custear a operação das creches, que juntas atendem mais de 2 mil crianças. Desde 2019, ambas já receberam R$ 64,2 milhões do município. A análise das prestações de contas de 2022 e 2023, feita com base nos próprios relatórios das entidades, mostra que ao menos nove empresas emitiram notas fiscais para serviços supostamente prestados às creches — entre elas, padarias, hortifrutis e confecções. Seis dessas empresas já encerraram as atividades e muitas funcionaram por no máximo dois anos.
Endereços fantasmas e parentes na folha de pagamento
Uma das empresas contratadas foi a Padaria e Mercearia Impacto, aberta em 2020 em nome de Andreza dos Santos Adão, filha da vereadora Gigi Castilho. Ela teria recebido R$ 97,5 mil pelas creches por fornecimento de pães e outros itens. No entanto, no endereço registrado na Receita Federal, em Santa Cruz, não há nenhuma padaria: moradores afirmam que o local sempre foi apenas uma vila residencial.
Outra empresa, a Padaria do Xandinho, recebeu R$ 46,4 mil das creches e pertenceu a Alexandre Graciano, sobrinho de Luciano Castilho, marido de Gigi. No local informado como sede, os repórteres encontraram uma casa em obras, sem nenhuma evidência de atividade comercial. Situação semelhante foi verificada no endereço da padaria de Gustavo Graciano Grego, também sobrinho de Luciano, que recebeu R$ 89,4 mil.
Apesar de Gigi e Luciano Castilho terem deixado formalmente os cargos de vice e presidente da Creche Deus é Fiel em 2020, os atuais gestores das instituições têm laços estreitos com o casal. Anderson Nascimento, amigo de Luciano, comanda a Deus é Fiel. Na vice-presidência está Andrey de Oliveira, filho de Luciano. Já Andreza, filha de Gigi, assumiu a presidência da Creche Escola Machado em 2022, após a padaria em seu nome já ter sido contratada pela instituição.
Em 2023, mesmo sem ocupar cargos formais, Gigi apareceu como diretora da creche em vídeos publicados nas redes sociais da instituição.
Especialistas apontam risco de improbidade
Segundo o advogado Maurício Reis, especialista em Direito do Terceiro Setor, mesmo que os nomes tenham sido formalmente retirados da diretoria, é preciso verificar se o casal continuou exercendo poder de fato sobre as entidades. “Se ficar demonstrado que essas pessoas direcionavam contratações para empresas vinculadas a elas ou parentes, configura-se improbidade administrativa”, afirmou.
O vereador Pedro Duarte (Novo), que vem acompanhando a situação das creches conveniadas na cidade, defendeu maior rigor na fiscalização. “O modelo é importante, mas tem que haver controle. Sem fiscalização, abre-se espaço para práticas muito ruins”, declarou.
O que dizem os citados
A vereadora Gigi Castilho, em nota, disse que as acusações são “ilações infundadas” e motivadas por perseguição política. Afirmou que atuava apenas como diretora pedagógica da Creche Deus é Fiel e não tinha relação com a gestão financeira. Já sua filha Andreza, presidente da Creche Machado, declarou que todas as prestações de contas foram aprovadas pelos órgãos de controle e que está à disposição para esclarecimentos.
Alexandre Graciano, dono de uma das padarias citadas, também afirmou que os serviços contratados foram prestados conforme a legislação.
Os demais envolvidos não responderam aos pedidos de esclarecimento feitos pela reportagem.
A Secretaria Municipal de Educação informou que abriu apuração interna e que a Controladoria-Geral do Município acompanha o caso. O Tribunal de Contas do Município também está conduzindo uma auditoria.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/creches-conveniadas-no-rio-gastaram-verba-publica-com-empresas-ligadas-a-familia-de-vereadora/