25 de junho de 2025
Reportagem. Bruno Pernadas, um miradouro na serra de Sintra e
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Fotografia de Enric Vives-Rubio (@enricvivesrubio)

Uma caminhada pela serra de Sintra e um concerto intimista de jazz ao nascer do maior dia do ano. Parece um plano idílico para quem gosta de música e natureza, algo que o Festival de Sintra tem sido especialista em combinar desde a edição de 2023, na qual inaugurou as caminhadas-concerto em diferentes locais do parque natural que embeleza o seu concelho. Há dois anos, caminhámos entre as Azenhas do Mar e a Capela de S. Mamede de Janas para ver Catherine Morisseau tocar piano sob pinheiros; no ano passado, fomos desde o centro da vila de Sintra até à Quinta de Mont Fleuri para ver Tomás Wallenstein ao piano com vista para o mar.

Fotografia de Enric Vives-Rubio (@enricvivesrubio)

Para esta que foi a 59.ª edição do festival mais antigo do país, para além de um evento similar com Tiago Nacarato, a oferta incluiu ainda um concerto a solo de Bruno Pernadas ao nascer do sol no dia do solstício de Verão. Foi este espetáculo que nos propusemos a experienciar, não só pelo conceito, mas também pela presença de Bruno Pernadas, um dos mais aclamados músicos portugueses contemporâneos. A sua música combina géneros como o jazz, pop da era espacial, folk, world music e eletrónica, em composições virtuosas mas também divertidas, e, como tal, fáceis de apreciar.

Não o negamos, o horário de encontro marcado para as 5:00, no Largo da Feira de S. Pedro de Sintra, foi difícil de cumprir, mas a antecipação de mais uma experiência mística que apenas o Festival de Sintra e o seu entorno saloio podem transmitir motivou-nos a encetar a íngreme caminhada que nos levaria a um ponto até então desconhecido. Acompanhados de um guia e de elementos da produção do festival, começámos a subir a partir do centro de S. Pedro, tentando fazer pouco barulho para não acordar a vizinhança que ainda dormia. Eventualmente, enveredámos por caminhos florestais quase sem nos darmos conta, pois Sintra comunica com a serra que a envolve de forma simbiótica.

Fotografia de Enric Vives-Rubio (@enricvivesrubio)

O parco luar minguante era coberto pela folhagem florestal, obrigando-nos a fazer uso das lanternas dos telemóveis para vermos o caminho que trilhávamos. Os braços dos caminhantes que se moviam como pêndulos faziam as luzes dançar no chão de terra, num efeito moderno mas de teor universal. Quantas pessoas não terão já feito o mesmo antes, à luz de tochas, candeeiros, lanternas a pilhas…?

A mais de metade do caminho, começamos a interagir com a infraestrutura do Parque Natural de Sintra-Cascais, sob a forma de escadas que facilitaram grandemente o nosso trajeto e de placas com indicações que nos aguçavam a curiosidade. “Será no Castelo dos Mouros?”, ouvimos alguém dizer. Teria sido mágico, com certeza, mas o destino final não foi menos impactante: o Miradouro de Santa Eufémia, estrategicamente virado a leste para que pudéssemos assistir ao nascer do sol. A nortada fustigava as folhas, que restolhavam como se nos dessem as boas-vindas a um lugar secreto.

Fotografia de Rui André Soares – CCA

Bruno Pernadas já nos esperava lá, com a sua guitarra e o seu arsenal de pedais de efeitos e loops. Cada um dos cerca de 30 caminhantes tomou o seu lugar no pequeno miradouro, ocupando muros, degraus e o chão, aproximando-nos num intimismo que apenas performances deste estilo conseguem conjurar. Em pouco menos de um minuto, Bruno já nos embalava com uma suave versão de “For All We Know”, clássico norte-americano. O ligeiro eco que imprimiu à canção fazia-a misturar-se com a paisagem envolvente como se naturalmente dela fizesse parte.

As cinco canções do alinhamento foram-se seguindo com explorações de sons que já são apanágio da música de Bruno Pernadas, nomeadamente com o uso de um dos seus pedais de efeitos mais característicos. Quando o usa, a guitarra parece conversar com o público num japonês sem sentido, que aligeira o ambiente e nos faz sorrir. Relembrou-nos de que o artista havia regressado da Ásia há dois dias, onde encetou uma curta digressão pelo sudeste da China e ainda atuou no Pavilhão de Portugal da Expo 2025 de Osaka, no Japão. O jet lag que sentia provavelmente ajudou-o a estar tão desperto àquela hora.

Fotografia de Enric Vives-Rubio (@enricvivesrubio)

A certa altura, Bruno apresenta-nos as canções que havia estado a tocar e que não reconhecemos instantaneamente — tirando a terceira canção, a pacífica “This Is Not a Folk Song”, de um dos seus dois álbuns de 2016, Worst Summer Ever. Foi durante esta que o sol finalmente fez a sua aparição. Por sorte, o céu relativamente descoberto permitiu que as poucas nuvens se fossem pintando de laranja à medida que a hora ia avançando, aumentando ainda mais a beleza da vista. Os rostos do público iam ficando dourados com a luz, permitindo-o esboçar leves sorrisos de gratidão por estar ali naquele momento, depois do pequeno esforço da subida e de ter suportado o vento frio por alguns minutos.

Depois de “Drone em Ré Menor” e mais uma canção que não foi apresentada, Bruno Pernadas deu o concerto por terminado, pois já não sentia as mãos devido ao frio. É que Sintra e o seu micro-clima são implacáveis, mesmo no dia mais longo do ano. Os aplausos do público que se seguiram foram sentidos e familiares, uma espécie de agradecimento menos protocolar do que o normal no contexto de música ao vivo. Depois de algumas fotografias tiradas com a audiência, algumas pessoas seguiram o seu caminho serra abaixo, enquanto outras ficaram a conversar um pouco com Bruno ou simplesmente a apreciar mais um pouco a paisagem.

Fotografia de Rui André Soares – CCA

Mais uma vez, a caminhada-concerto foi um conceito vencedor do Festival de Sintra. Parece que as suas possibilidades não se esgotam, permitindo diferentes combinações e contextos que enriquecem a experiência musical de quem participa. Numa altura em que os festivais portugueses (e além-fronteiras) parecem estar a abrandar em termos de novidade e até de adesão do público, é mais importante do que nunca continuar a inovar e a encontrar novas maneiras de viver a cultura.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/reportagem-bruno-pernadas-um-miradouro-na-serra-de-sintra-e-o-solsticio-de-verao/