
São Luís é a segunda cidade a receber o programa de obras públicas da Bienal das Amazônias. Cada Estado da Amazônia brasileira vai receber obras públicas de artistas locais que não estiveram na primeira edição da Bienal, mas que passam a integrar o programa devido à relevância do trabalho desenvolvido na cena artística local. A escolha dos artistas e suas respectivas obras ocorreu durante a leitura de portfólio, realizada no início da Itinerância em São Luís, e começaram a ser entregues à população na última terça-feira (24).
Em São Luís, sete artistas foram selecionados para expor seus trabalhos em diferentes pontos da cidade.
Utilizando as técnicas patchwork e bordado livre, a obra “O Processo das Formigas”, de Telma Lopez, poderá ser visitada no Largo da Igreja de Santo Antônio, no Centro. A instalação utiliza tecidos variados, linhas coloridas, bordados na máquina de costura, crochê e linha de buriti.
A artista conta que a obra foi inspirada por um livro que relata um fato histórico que aconteceu no Maranhão no século 18, chamado de o processo das formigas. “Me levou à reflexão sobre a justiça. Surgem em mim uma crítica à relação da humanidade com a natureza, a forma como ao longo dos séculos buscamos dominar e punir aquilo que ameaça a nossa visão de ordem”.
Já a proposta do artista João Almeida se baseia em utilizar o material que vem do espaço urbano. A instalação “Rever-te” será alocada na Rua da Estrela, da Praia Grande. A obra é composta por tecidos de sombrinhas, coletados ao longo dos anos, depois de terem sido descartadas indevidamente nas vias públicas ou lixeiras da cidade.
“O plástico e o metal deixado nas ruas me despertaram para um olhar de transmutação dessas relações entre nós e o ambiente. Minha obra então reflete sobre questões ambientais, sobre o pensamento da reciclagem de matérias que não se decompõem com facilidade na natureza e que agravam as problemáticas do clima no planeta. A obra é uma bandeira para demarcar o pensamento da transmutação das nossas histórias pessoais em consciência com a biodiversidade”, reforça.
A Rua da Estrela também será o ponto de partida da obra proposta pelo artista visual Rocha. Com o nome “O vai e vem da cidade”, o catálogo ilustrado possui algumas obras públicas da cidade de São Luís, obras que fazem parte do cenário urbano, atravessando o tempo, sobrevivendo e gerando dúvidas. O impresso será distribuído gratuitamente nesta terça-feira (24), a partir das 17h.
“Certa vez ouvi dizer que em São Luís, no Maranhão, andamos sobre tesouros (literalmente), isso me fez pensar no quanto não conhecemos o lugar que pisamos. A vaidade do querer ser eterno faz surgir na cidade monumentos, esculturas, pinturas, obras que podem parecer com ou sem sentido. Andar na rua é ver o tudo e o nada, a vista comum que com o tempo se apaga ou fica despercebida continua lá, uma grande interrogação de aço e concreto, quem fez? O que significa? “, relembra.
A Rua do Giz receberá a obra “A Árvore das Preguiças”, de Dinho Araujo. O artista conta que a instalação com 10 máscaras é inspirada no acontecimento histórico “O Pau da Paciência”, uma figueira centenária da Praça São Pedro, em Pindaré-Mirim, onde viveu uma família de mais de dez preguiças, nas margens do rio Pindaré. A “Árvore das Preguiças” é uma história do assombro e encantamento das caretas e ficará exposta no Jardim da Escola de Música Lilah Lisboa.
O artista Gabriel Lopez terá sua instalação “Couraça de Sal” exposta na Praia Litorânea. Gabriel conta que a instalação de três bandeiras em frente ao mar emerge das entidades encantadas presentes no Tambor de Mina, religião afro-brasileira originária do Maranhão.
“A presença dos marinheiros encantados no Tambor de Mina ressignifica o mar, transformando-o em um espaço de sofrimento em um local de proteção espiritual e afirmação cultural. “Couraça de Sal”, portanto, emerge como um símbolo dessa resistência, representando a proteção espiritual dos marinheiros encantados e a luta contra a opressão histórica imposta pela Marinha Imperial”, explica.
A obra “A Sutura das Brechas do Inexistente”, da artista Marlene Barros dá continuidade a uma obra que foi pensada durante o seu mestrado na Universidade de Aveiro, Portugal, e poderá ser vista na Praça Valdelino Cécio. A intenção é fazer remendos para fechar simbolicamente as brechas existentes nas paredes marcadas pelo descaso e desgaste do tempo e preencher suas brechas usando a costura, o bordado e o crochê.
“A intenção era usar a casa em ruínas com suas brechas nas paredes esburacadas, para fazer uma abordagem comparativa entre as questões de abandono, descaso e desrespeito com que as questões relativas à mulher, principalmente a mulher artista, sempre foram tratadas ao longo da história. A tentativa era também suturar simbolicamente as feridas, os buracos e as falhas deixadas pela ausência da mulher na história, principalmente na história da arte”, reflete Marlene Barros.
A sétima obra pública é de autoria do artista Thiago Fonseca. A instalação “Assentamento Flutuante” faz parte da sua pesquisa, na qual investiga o contexto e as narrativas sobre territorialidade, rito, festa e encantaria. A obra, pensada como site-specific, parte de uma boia-bandeira de pesca, instrumento comum nos rios e mares da região meio-norte do país e será exposta no Coreto da Avenida Beira Mar.
“Conduzo uma inserção de costuras, bordados e pinturas a óleo, que se expandem e ungem essa boia, revelando tempos e histórias que não dominamos, mas que estão presentes. Como um tempo submerso, onde o ouroboros se faz vivo na Ilha, a serpente que encontra e devora a própria cauda, a linha do mar se eleva sobre este grande assentamento que é a Ilha: território de encantaria”, ressalta o artista.
A curadora e diretora de Projetos Especiais da Bienal das Amazônias, Vânia Leal, conta que houve uma conversa aproximada com a poética de cada artista, onde receberam o acompanhamento curatorial na produção e definiram os locais de exposição para as obras site-specific, que dialogam com o local onde são instaladas.
“Tem uma representação muito grande fazer essa escolha e ter esses artistas estendendo a sua participação na Bienal. São artistas que não fizeram parte da primeira edição, mas eles passam a integrar o projeto. Isso é muito importante para o sistema da arte local e para também com a própria Bienal que tem esse projeto político de ampliar vozes que já estão lá e, na verdade, foram só ativadas. Trazer obras públicas para essas cidades da Amazônia brasileira têm esse intuito de representatividade político, cultural e social, do ponto de vista artístico principalmente, porque traz e eleva a produção artística local”, reforça Vânia Leal.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/06/sao-luis-recebe-sete-obras-publicas-da-bienal-das-amazonias/