29 de junho de 2025
Entrevista. Dino D’Santiago partilha “Cicatrizes” em livro escrito nas insónias
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por Lusa,    29 Junho, 2025


Fotografia via Facebook de Dino D’Santiago

O artista Dino D`Santiago lança em outubro um livro com textos escritos durante as insónias da paternidade, no qual partilha as suas cicatrizes, sendo a maior de todas a memória de quando o exército apontou armas à sua família.

“Essa imagem é a imagem mais horrível que eu tenho e que eu não consigo apagar, nem com tantas terapias; e não consigo perdoar também”, diz à agência Lusa, a propósito do livro “Cicatrizes”.

Trata-se de um conjunto de cerca de 80 textos, de um universo de 200 que foi desenvolvendo durante o seu processo psicoterapêutico e a fase pré e pós paternidade, além dos “encontros e desencontros” consigo próprio.

Fotografia via Facebook de Dino D’Santiago

Textos escritos nas madrugadas após o nascimento da filha, em que Dino D`Santiago despertava e a mente “começava a ferver”.

“Entre a uma e as seis da manhã fui escrevendo, sem pensar que iria escrever um livro. Fui escrevendo, fui pintando mais de 70 obras e escrevendo canções”, conta.

Dino tem atualmente três álbuns gravados e ainda está a pensar como os vai editar, estando convencido que terão muita conexão com o Brasil.

A aventura literária será publicada em outubro e em 13 de dezembro, dia do seu aniversário, serão expostas pela primeira vez as 70 obras que desenhou.

“É mais um caminhar sobre as minhas cicatrizes e um fechar de feridas abertas na infância”, diz, ressalvando que ficaram de fora as mais viscerais, que eram os seus exercícios de purgar, no âmbito do seu processo psicoterapêutico.

Fotografia via Facebook de Dino D’Santiago

Questionado sobre a sua mais dolorosa cicatriz, o cantor fecha os olhos e, como a acordar de um transe, responde de rompante: “A que doeu mais, porque também envolveu a minha família e doeu mesmo muito e não se curou até hoje, foi o dia em que o exército invadiu a nossa casa, ali nos anos 90 [do século XX]”.

“O meu pai tinha ido trabalhar às seis da manhã, eles arrombaram a nossa porta e ver a minha mãe a chorar e depois, quando fomos para a escola, eles apontarem-nos as G3 e a abrirem as nossas mochilas e ver a minha irmã a chorar e o meu irmão a chorar, essa é uma imagem que eu não perdoo ao país que me viu nascer, nunca”.

“Foram cruéis. E quando o meu pai chegou, veio de Vilamoura a correr até lá a casa, e foi a pessoa que ‘peitou’ estes guardas a dizer: Somos pessoas de fé, nós não temos nada, podem procurar o que quiserem, mas aqui não vão encontrar nada, mas vocês não têm o direito de fazer o que fizeram”, prosseguiu.

Fotografia via Facebook de Dino D’Santiago

Filho de pais cabo-verdianos, da ilha de Santiago, Dino nasceu em Portugal e cresceu no Bairro dos Pescadores, um antigo bairro degradado da cidade algarvia de Quarteira, cujas últimas barracas foram demolidas em 2011.

A escassez marcou a sua infância e para ajudar os mais desfavorecidos fundou, com Liliana Valpaços, a associação Mundu Nôbu, destinada a ajudar jovens de comunidades menos representadas a atingirem todo o seu potencial, através da educação, da participação cívica e da celebração cultural.

A Mundu Nôbu terá em breve a funcionar “um braço” em Cabo Verde, que será sedeado na capital, Praia, com a filosofia adaptada à realidade do arquipélago, mas com o mesmo objetivo: “Trabalhar a auto eficácia e a autoconfiança dos jovens”, disse.

O autor de “Nova Lisboa”, que interpretou com Madonna o tema “Sodade”, de Cesária Évora, tem também novos projetos musicais prontos. A lusofonia e o crioulo estarão presentes nestas obras.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-dino-dsantiago-partilha-cicatrizes-em-livro-escrito-nas-insonias-da-paternidade/