2 de julho de 2025
Benedita da Silva: resistência, mobilização e liderança política. A história
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* Paulo Baía

Nascida em 26 de abril de 1942 na favela da Praia do Pinto, no bairro do Leblon, Rio de Janeiro, Benedita Souza da Silva Sampaio, popularmente conhecida como Bené, é filha de uma lavadeira com um pedreiro e teve uma infância marcada pelo trabalho precoce e pela dura realidade de viver em uma das regiões mais desiguais do país. Com 13 irmãos, Benedita vendia limões, trabalhava como doméstica e mais tarde como auxiliar de enfermagem, contribuindo desde cedo para a sobrevivência de sua família. Ainda jovem, mudou-se com os pais para o morro do Chapéu-Mangueira, onde enfrentou os efeitos da pobreza urbana, do racismo estrutural e da exclusão histórica das mulheres negras nas esferas de decisão.

Nos anos de 1960 e 1970, começou a se destacar como liderança comunitária em sua própria favela. Tornou-se faxineira, assistente social e criou o Departamento Feminino da Associação de Moradores do Chapéu-Mangueira. Participou também do Centro de Mulheres de Favelas e do Centro da Mulher Brasileira, onde organizava atividades de formação política e cidadã, denunciava a violência doméstica e racial e articulava ações contra a precarização da vida nas periferias cariocas. Sua militância foi essencial para mobilizar mulheres pobres e negras em torno de suas demandas históricas e coletivas. A experiência acumulada nesse ativismo a conduziu naturalmente para o cenário partidário.

Em 1980, Benedita participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, legenda que representava sua identificação com as pautas populares e com os movimentos sociais. Dois anos depois, foi eleita vereadora do Rio de Janeiro, sendo a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal. Em 1986, alcançou projeção nacional ao ser eleita deputada federal. No Congresso, integrou a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 a 1988, tornando-se a única mulher negra entre os constituintes. Foi titular da Subcomissão de Negros, Índios e Minorias, tendo atuado com veemência na defesa da demarcação de terras indígenas, do reconhecimento dos quilombos e da ampliação dos direitos das empregadas domésticas. Suas intervenções durante os debates da nova Constituição revelaram uma parlamentar combativa, preocupada em construir um país menos desigual e mais plural.

Autora de projetos relevantes, Benedita promoveu a instituição do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, e contribuiu para que Zumbi dos Palmares fosse incluído no Panteão dos Heróis Nacionais. Atuou pela criação de delegacias especializadas para crimes raciais, pela inclusão de cotas raciais nas universidades públicas e pela obrigatoriedade da etnia nos registros oficiais. Ajudou ainda a aprovar legislações que ampliaram os direitos das empregadas domésticas, culminando com a Emenda Constitucional conhecida como PEC das Domésticas. Sua atuação a consolidou como uma das mais relevantes parlamentares negras da história do país.

Em 1994, Benedita foi eleita senadora pelo estado do Rio de Janeiro, com cerca de 2,25 milhões de votos. Tornou-se a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no Senado da República. Lá permaneceu até 1999, quando assumiu a vice-governadoria do estado na chapa encabeçada por Anthony Garotinho. Em 2002, com a renúncia de Garotinho para disputar a presidência da República, Benedita assumiu o governo do Rio de Janeiro, sendo a primeira mulher e a primeira pessoa negra a governar o estado. Seu mandato, de apenas nove meses, foi marcado por dificuldades financeiras e disputas administrativas, mas também pela continuidade de obras importantes, como o emissário submarino da Barra, projetos de expansão do metrô e ações de saneamento na Baía de Guanabara. Sua gestão buscou afirmar a presença do estado nas áreas populares e valorizar as políticas sociais, mesmo enfrentando forte oposição política e dificuldades orçamentárias herdadas.

Nas eleições daquele ano, Benedita tentou a reeleição, mas foi derrotada por Rosinha Garotinho. Apesar disso, sua trajetória a colocou definitivamente entre as figuras mais respeitadas da política fluminense e nacional. Em 2003, ao assumir o governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nomeou ministra da Assistência e Promoção Social. Na pasta, Benedita priorizou ações de combate à pobreza e inclusão social. Durante sua gestão, enfrentou críticas relacionadas a uma viagem oficial à Argentina para participar de um evento religioso, o que gerou questionamentos sobre o uso de recursos públicos. Benedita devolveu os valores e manteve-se no cargo até 2007.

Depois de um período fora do Executivo, Benedita retornou ao Legislativo. Foi eleita novamente deputada federal em 2010, sendo reeleita em 2014, 2018 e 2022. Cumpre atualmente seu sexto mandato na Câmara dos Deputados. Sua atuação segue marcada pela defesa intransigente das causas sociais, das comunidades negras, das mulheres e das favelas. Em 2020, apresentou-se como candidata à prefeitura do Rio, ficando em quarto lugar com mais de 300 mil votos, e sendo a candidata mais votada no Complexo do Alemão e em áreas de forte presença popular.

Nos últimos anos, Benedita tem mantido seu papel de referência nas lutas por justiça racial e de gênero. Foi relatora da Lei Aldir Blanc, voltada ao apoio emergencial ao setor cultural durante a pandemia de COVID-19. É membro de diversas comissões da Câmara dos Deputados, incluindo Cultura, Assistência Social e Direitos Humanos. Defensora das cotas raciais em campanhas eleitorais, contribuiu para a articulação que levou o Tribunal Superior Eleitoral a aprovar, em 2020, a distribuição proporcional de recursos e tempo de propaganda para candidaturas negras.

Em 2025, recebeu o título de doutora honoris causa pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, tornando-se a primeira mulher negra a receber essa honraria na instituição. Reconhecida por entidades como a Organização das Nações Unidas e por movimentos sociais do Brasil e do mundo, Benedita da Silva é hoje um ícone da resistência e da construção democrática. Sua trajetória rompeu barreiras de classe, raça e gênero, e inspirou milhares de mulheres negras, trabalhadoras e faveladas a ocuparem espaços na política institucional.

Aos 83 anos, Benedita mantém sua voz firme e sua coerência ideológica. Sua história prova que é possível transformar a dor em força, a exclusão em protagonismo e a resistência em poder político. Ela representa, em essência, uma política popular, uma liderança histórica e um símbolo de coragem que desafia o racismo, o patriarcado e a elitização da democracia brasileira. Ao pavimentar um caminho de conquistas e de afirmações, Benedita da Silva legou ao Brasil mais do que leis e políticas: legou um exemplo de dignidade, de afeto e de luta contínua pela igualdade e pela justiça.

* Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ

Fonte: https://agendadopoder.com.br/benedita-da-silva-resistencia-mobilizacao-e-lideranca-politica-a-historia-de-uma-mulher-que-quebrou-barreiras/