
O Ageas Cool Jazz está de regresso a Cascais para a sua 21.ª edição. Como tem sido o seu apanágio nos últimos anos, o alinhamento das 7 noites de julho nas quais ocupará o Parque Marechal Carmona e o Hipódromo Manuel Possolo é bastante variado e interessante. Depois dos concertos de Benjamin Clementine, Rita Vian, Seal e Margarida Campelo, o festival recebeu dois nomes da cena londrina que tanto tem dado que falar nos últimos 10 anos: Ezra Collective e Jordan Rakei. O público jovem que encontrámos no recinto já nos dava a entender que esta seria uma noite menos formal que o normal no Cool Jazz.
Um bom exemplo disso foi o concerto de B£RLIM, que à nossa chegada já havia subido ao palco do anfiteatro do Parque Marechal Carmona para mais uma Cascais Jazz Session. O jovem saxofonista que lidera o projeto fez-se acompanhar de cinco músicos (e um outro saxofonista convidado) para destilar o seu jazz de influências contemporâneas que encaixou que nem uma luva no alinhamento. O seu entusiasmo e o virtuosismo de cada um dos músicos ajudaram a vender as canções, mas a atuação ao vivo ainda requer um pouco mais de simbiose entre si. A última canção do alinhamento foi um dos momentos mais singulares, em que os efeitos e eco aplicados ao som do saxofone remeteram-nos a paisagens mais desérticas, enquanto que o ritmo dançável nos lembrou dos Sons of Kemet. Há um álbum de estreia a ser cozinhado e este concerto aumentou a sua promessa.
Ainda com o lusco-fusco a iluminar-nos, Jordan Rakei (recorda a entrevista) subiu ao palco, também em formato de sexteto, à semelhança de B£RLIM. Esta foi a terceira passagem do artista neozelandês radicado em Londres pelo Cool Jazz, num contexto diferente daquele em que o vimos pela primeira vez, em 2018 — num palco menor construído no centro do Parque Marechal Carmona, agora ocupado pela zona de restauração. Para começar, Jordan estava claramente muito mais à vontade neste papel de performer, notando-se algum amadurecimento na sua presença de palco. No entanto, perdeu-se um pouco da qualidade intimista da sua música em detrimento de um som mais cheio que, ao mesmo tempo, é mais adequado ao palco maior do festival.
A segunda canção do alinhamento, “Mad World”, tirada daquele que é provavelmente o seu álbum mais popular, Origin, espelha exatamente isso. O final ambiente com ritmos de palmas foi aqui substituído por um clímax de guitarra que trouxe algum músculo à música e que, neste caso, funcionou bastante bem. Aliás, durante grande parte do concerto, a banda que acompanhou Jordan neste concerto adicionou umas bem-vindas rugas à sua música por vezes demasiado aprumada.

Oscilando entre canções novas e outras mais antigas (“esta é uma canção velha, de 2019” — achámos graça), Jordan salientou que o seu processo criativo para cada álbum muda. Para The Loop, o seu mais recente trabalho, o processo baseou-se na escrita de diários, cujas páginas eram depois convertidas em canções. “Royal”, por exemplo, veio de uma página de raiva. Ainda que a raiva na música de Jordan Rakei não se faça sentir de forma tão aparente como noutros estilos musicais, a música realmente foi mais aguerrida que as demais, completa com uma guitarra elétrica distorcido e um ritmo pesado.
O que The Loop também faz é revisitar a música que marcou a adolescência do artista, nomeadamente o R&B de grandes ícones como D’Angelo e Maxwell. Essa sensualidade esteve bem latente em “State of Mind”, durante a qual Jordan tocou guitarra acústica. Se antes eram as teclas o seu foco principal, por esta altura já é um multi-instrumentista consumado, se bem que o seu instrumento mais característico continua a ser a sua voz carregada de vibrato, que imprime às suas canções uma doçura característica da blue-eyed soul.

Para o final do concerto, um momento funk tocado em modo de rapsódia acabou por não cativar tanto como a primeira metade, mas pelo menos permitiu-nos desempoeirar as ancas antes da festa que se seguiria.
A anunciar o início do espetáculo dos Ezra Collective, uns 5 minutos antes da hora, o clássico “Superstylin’”, dos Groove Armada, enche o recinto do hipódromo Manuel Possolo, levando-nos do dub à pista de dança em questão de segundos. A mesma coisa se aplica aos concertos dos Ezra Collective, que nos guiam por vários géneros musicais, por vezes numa mesma canção. É por isso que não surpreende que os possamos ver em festivais de jazz como este, mas também em festivais de rock e tudo aquilo que há pelo meio.
A banda começa o espetáculo com uma canção dub que fez a ponte entre a sua música e o seu logo com a cara de um leão colorido com as cores do movimento rastafari. De repente, viramos uma esquina e já estamos bem no meio de Londres e da sua cena jazz contemporânea, de raízes bem assentes na música da diáspora africana. “Estamos aqui para tocar música de dança afrobeat“, diz-nos Femi Koleoso, o baterista marca-passo da banda e o seu principal hype man. “Espero que ninguém esteja sozinho aqui. Tomem um tempo para olhar à vossa volta e cumprimentar 5 estranhos!”, exortou, quebrando o gelo entre o público.

Esta é a terceira vez dos Ezra Collective em Portugal em apenas 3 anos, mas este foi claramente o seu maior concerto por cá. Femi recordou a primeira vez que tocaram cá, no Super Bock Super Rock de 2022, num alinhamento que os fez coincidir com o muito esperado Kaytranada. Como resultado disso, tocaram para cerca de 15 pessoas. No entanto, seja para 15 pessoas ou 1500, os Ezra Collective fazem sempre a festa. Talvez por isso sejam tão acarinhados pelo público português, que faz sempre uma “pista de dança bonita”, nas palavras da banda.
Na primeira metade do concerto, os músicos absolutamente sincronizados levaram-nos aos cantos mais psicadélicos do jazz, a ritmos funky e teclas reminescentes de Stevie Wonder, e até ao samba de São Paulo. Foi uma mostra vertiginosa de virtuosismo que impressionou o bem preenchido público. No entanto, o sucesso dos Ezra Collective deve-se principalmente ao jazz como momento de comunhão dançável. Um concerto da banda e, em geral, concertos nos quais as pessoas se juntam para ouvir música e dançar de forma tão descomprometida como neste são, nas palavras de Femi: “preciosos, bonitos e importantes”.

Essa urgência em celebrar a alegria desmedida (“mais forte que o mal”) e esquecer as diferenças entre os diferentes elementos do público foi o foco da segunda metade, em que havia sempre energia para mais um drop da bateria. Um concerto normalmente tem um clímax, mas um concerto dos Ezra Collective tem uns 4 ou 5. Nem todos têm o mesmo impacto, mas a banda não perde a motivação de pôr o público a dançar, chegando até a descer para o meio da plateia para dançar junto das pessoas. Uma versão mais agitada de “God Gave Me Feet for Dancing” e a melodia de trompete inconfundível de “Hear My Cry” fecharam um concerto mais suado do que os que costumam acontecer no Cool Jazz com chave de ouro.
Assim que as luzes se apagaram no palco Ageas, começou no anfiteatro do Parque Marechal Carmona a última atração da noite: o DJ set de Luís Oliveira, presença indissociável da Antena 3 e do bom gosto radiofónico. Para quem ainda tinha energia nesta terça-feira veranil, terá sido um ótimo plano para fechar a noite.
O Ageas Cool Jazz regressa já na próxima quinta-feira, dia 17 de julho, com uma noite maioritariamente dedicada à música brasileira. O palco principal receberá as sonoridades calorosas dos Gilsons e de Jota.Pê, enquanto que o quinteto de Isabel Rato e Rita Lig abrirão e fecharão mais uma noite de Cool Jazz no outro palco, respetivamente.
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/a-festa-dos-ezra-collective-e-o-amadurecimento-de-jordan-rakei-no-ageas-cool-jazz/