
Luiza Cantanhêde, natural de Santa Inês/MA e radicada em Teresina/PI desde 1984, é técnica em contabilidade e poeta. Atualmente, é secretária da Academia Piauiense de Poesia e diretora da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – Maranhão.
Autora de cinco livros, tem poemas publicados em antologias nacionais e internacionais, com traduções para o grego, espanhol e italiano. Sua trajetória literária é marcada por diversas premiações, incluindo o Prêmio Destaque Nordeste (2019), o Prêmio Nacional Selo Off Flip – Edição Nordeste (2023) e o 1º Concurso Literário da Feira da Literatura Piauiense (2024).
Em entrevista a O Imparcial, ela conta sobre a trajetória, as obras e o cenário literário maranhense. Confira!
O Imparcial – Poeta Luiza Cantanhêde, você recebeu uma atenção da crítica sempre positiva em relação aos seus livros. O olhar crítico é importante?
Luiza Cantanhêde – A recepção positiva da crítica me alegra, claro, especialmente quando vem acompanhada de escuta sensível e de leitura que vai além da superfície. Mas o que me move é anterior ao aplauso e sobrevive mesmo à ausência dele. É essencial lembrar que a escrita nasce de outro lugar: de um impulso vital, de uma urgência que não espera validação. O que me move é o desejo de nomear o indizível, de dar corpo e voz às ausências, às margens, às memórias silenciadas. Quando a crítica reconhece isso, é uma alegria – não por vaidade, mas por saber que a palavra alcançou alguém em sua inteireza. No entanto, escrevo antes de tudo por necessidade – estética, política e existencial.
O Imparcial – Luiza, como você avalia os seus quatro primeiros livros de
poesia?
Luiza Cantanhêde – Vejo meus quatro primeiros livros como territórios de busca. Cada um carrega o seu tempo, suas perguntas, suas urgências. Neles, há o exercício de uma voz que ainda tateava, mas já sabia o que precisava dizer – mesmo quando não sabia como. Avaliar esses livros é também revisitar a pessoa que eu era, os afetos e feridas que me habitam. Eles não são perfeitos – e ainda bem. São testemunhos vivos do que me atravessava.
Eu estava tentando me ouvir, tentando entender o que é ser mulher, poeta, nordestina, corpo marcado por ausências e resistências. Cada livro é um grito de presença. Um jeito de não desaparecer. Não penso em corrigi-los ou “melhorá-los”. Eles foram necessários. Foram honestos. E isso me basta. Eles são parte da casa onde minha linguagem nasceu.
O Imparcial – A poeta Ana Cristina Cesar disse num verso: “Eu não sabia/ que virar pelo avesso/ era uma experiência mortal”. A poesia de Luiza Cantanhêde vira a existência pelo avesso? A “poeta marginal” tinha razão?
Luiza Cantanhêde – Sim, a poeta marginal tinha toda razão. Virar pelo avesso é uma experiência mortal – e vital. Porque escrever poesia, pra mim, é exatamente isso: desfiar a carne do cotidiano até que ela revele o que há por baixo, por dentro, por trás. É entrar nas frestas da dor, da memória, da injustiça, e transformá-las em linguagem. Minha escrita sempre se move nesse impulso: de virar o avesso do mundo, mesmo que doa, mesmo que sangre. A poesia que me atravessa não é contemplação passiva – é enfrentamento, é rasura, é reconstrução. É nesse avesso que a verdade pulsa, e às vezes,
sobreviver a isso já é um ato poético.
O Imparcial – Fale um pouco sobre o livro Alfinetes. Ele está dividido em
quatro partes. Como elas conversam? As dez primeiras pontadas foram pensadas
para furar os olhos cansados?
Luiza Cantanhêde – Alfinetes é um livro que não pede licença. Ele chega espetando, porque foi escrito num momento em que eu mesma estava em carne viva – e queria que o leitor também sentisse isso. A divisão em quatro partes não é só formal, é quase orgânica. Cada uma delas representa um tipo de ferida, um tipo de resistência. As dez primeiras pontadas, sim, foram pensadas como uma espécie de provocação inicial – uma tentativa de furar os olhos acostumados com a indiferença, com a leitura
superficial, com a poesia adocicada. Elas são agulhas: pequenas, mas incisivas.
Depois disso, o livro caminha por outros terrenos: o corpo que sangra, o amor que cura e fere, o cotidiano atravessado por silêncios, e por fim, a memória – esse alfinete invisível que nos prende ao que fomos e ainda somos. No fundo, essas partes conversam como cicatrizes de uma mesma pele. Alfinetes é um livro de cortes, mas também de costuras – entre linguagem e vida, entre dor e poesia.
O Imparcial – A Literatura, para você, é um instrumento de conscientização,
de reflexão? Você pretende interferir na realidade quando escreve?
Luiza Cantanhêde – Sim, sem dúvida. A literatura, pra mim, é faca e semente. É instrumento de reflexão, mas também de convocação. Escrever, no meu caso, nunca foi apenas um gesto estético – sempre foi também um gesto ético, existencial, político. Quando escrevo, estou interferindo na realidade – mesmo que de forma sutil, simbólica ou poética. Porque toda vez que a palavra dá corpo a uma dor silenciada, a uma memória marginalizada, a uma verdade negada, ela já está reconfigurando o mundo à sua maneira.
Eu escrevo com a intenção de tocar, de acordar, de incomodar às vezes. Mas não
num tom professoral – é um chamado sensível. Quero que meus poemas sejam como farpas ou fósforos: que fiquem sob a pele, que acendam alguma coisa. Se uma pessoa for atravessada por uma imagem, um verso, uma verdade que a faça ver diferente – isso já é interferência. E é isso que me move.
O Imparcial – Como você analisa o cenário da poesia contemporânea
brasileira? Quais poetas destacaria no cenário maranhense?
Luiza Cantanhêde – Este cenário tem sido marcado por uma diversidade impressionante de vozes, temas e estilos, sobretudo das vozes outrora silenciadas, das ditas minorias, das periferias, que vem rompendo as barreiras tradicionais de publicações, e aqui eu destaco o papel importantíssimo das mulheres escritoras. Essa diversidade, reflete as complexidades da sociedade atual, abordando questões como identidade, gênero, raça, política e outras questões sociais, o que enriquece a cena Literária oferecendo perspectivas multifacetadas e estimulando diálogos importantes.
Quanto ao cenário maranhense, é impossível falar de poesia, sem citar, Ferreira Gullar, Nauro Machado e Salgado Maranhão, porém o campo Literário é vasto e em constante evolução, há uma nova safra de excelência na poesia contemporânea maranhense e um movimento forte de autores e autoras de um potencial criativo que alargam a força da literatura de nosso estado, onde, modéstia à parte, nos inserimos.
O Imparcial – Os prêmios literários são importantes?
Luiza Cantanhêde – A poesia tem me levado a lugares impensados, mas em todos eu seguro nas mãos dos meus ancestrais, não nego a minha identidade. Carrego comigo todas as marcas, as feridas e as cicatrizes de todas as lutas que travei para conquistar estes reconhecimentos. Os prêmios abalizam a minha produção, indicam que esta produção vem ganhando força e qualidade discursiva, são uma validação da qualidade do nosso trabalho, nos dão credibilidade, abrindo portas para novas oportunidades de publicação, e participação em eventos literários. Venci o prêmio destaque Nordeste em 2019, conquistei o primeiro lugar no Prêmio Nacional Off Flip 2023, e em 2024, ganhei o concurso literário na FELIPI – Feira da Literatura Piauiense. Os prêmios chamam a atenção para leitura da obra. Os leitores precisam conhecer o avesso da minha poesia!
Poema de Luiza Cantanhêde
AJUDA-ME A ENCONTRAR TEU GRITO
Ajuda- me a encontrar o teu grito
Tua luz apagada
A vertigem de tua língua
Inalcançável
Ajuda-me a regar tua flor silvestre
Nesta orla feita de sol e primavera
Para mim, basta saber que me acolhes
Em teu voo migratório.
Quantos caminhos
Até encontrar em teus olhos
Um vestígio de eternidade?
Meus pés (trôpegos no tempo)
Perdidos, para refazer o caminho.
É preciso apagar as pegadas
Decodificar a trilha com a luz apagada
Olho-me no espelho e minha cara é de deboche,
Mas algum rasgo é de ignorância
Alguma linha tem algo de Frida
E da natureza morta no calo da vida.
Não creio nos tons amenos
Quando sinto fome.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/07/luiza-cantanhede-virar-o-avesso-do-mundo-atraves-da-poesia/