
Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta também para um número crescente dos registros de pessoas desaparecidas
O Anuário Brasileirao de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (24), aponta para uma queda geral das Mortes Violentas Intencionais (MVI), porém com um aumento preocupante do feminicídio e nas mortes de crianças e adolescentes.
De acordo com os dados, em 2024, o Brasil registrou uma queda de 5,4% das mortes violentas intencionais, que somaram 44.127, em relação ao ano anterior, quando foram registradas 46.441 MVI.
O Brasil teve 1.492 feminicídios em 2024, maior número desde 2015, quando a legislação brasileira passou a definir esse crime, e uma alta de 1% em relação a 2023 (1.442 vítimas).
Desde 2015, quando foi aprovada a lei que incorporava a noção de que o assassinato de mulheres por serem mulheres (Lei n. 13.104/2015) é um fenômeno a ser quantificado e combatido, estabelecendo, assim, a noção de feminicídio, que o país não presenciava uma taxa tão alarmante deste crime.
O feminicídio está configurado quando a morte de uma mulher ocorre no contexto de violência doméstica e familiar (inciso I) ou em razão do menosprezo ou discriminação à condição de mulher (inciso II). Ou seja, não se trata apenas de um crime contra a vida, mas de um crime com motivação baseada em gênero, o que o torna um crime de ódio. Em 2024, a promulgação da Lei n. 14.994 tornou o feminicídio em crime autônomo e não mais uma qualificadora do crime de homicídio doloso.
Se por um lado, a legislação de 2015 ajudou na compreensão da dinâmica do feminicídio como categoria da violência, por outro ela possui o limite em sua aplicação ao se deparar com a compreensão de violência de gênero dos agentes da segurança pública ao notificar sua ocorrência. Isso porque, em geral, eles ainda tendem a compreender o feminicídio em seu sentido restrito, circunscrito apenas à morte em decorrência de violência intrafamiliar ou doméstica, chamado de “feminicídio típico, ou normal”.
“É possível que o número de mulheres mortas por razões de gênero seja ainda maior do que indicam essas estatísticas, já que a literatura tem enfatizado que parte das mortes com características de feminicídio fica fora das estatísticas, em grande parte devido à caracterização que os profissionais do sistema de justiça dão a este evento”, destaca o Anuário.
A maior parte das vítimas de feminicídio em 2024 eram mulheres negra (64% das vítimas); tinham entre 18 e 44 anos (70%); foram assassinada dentro de casa (64%); por um homem (97%); em geral pelo companheiro ou ex-companheiro (80%) com uma arma branca (48%).
Em 2024, esse número diminuiu para 52 mulheres vítimas de feminicídio possuíam Medida Protetiva de Urgência (MPU) ativa no momento do óbito e em 2023, foram 69 mulheres. Um total de 121 mulheres.
Em 2024, 1.067.556 Medidas Protetivas de Urgência (MPU) foram concedidas, sendo que 18,3% foram descumpridas, o que significa que quase 2 em cada 10 mulheres protegidas sofreram com o descumprimento no período.
Os autores do anuário apontam que, em números absolutos, no que concerne às mulheres, mesmo com a queda de homicídios dolosos, temos pouco a comemorar: 3.700 mulheres perderam as suas vidas de forma violenta em 2024; dessas, 1.492 foram mortas em razão de serem mulheres.
PESSOAS DESAPARECIDAS
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta também para um número crescente dos registros de pessoas desaparecidas e a persistência de desafios na compreensão total desse fenômeno.
“A taxa de registros de desaparecimentos cresceu 4,9% no Brasil em 2024, totalizando 81.873 casos notificados às Polícias Civis de todo o país. Após uma queda acentuada nos anos de 2020 e 2021, período da pandemia de Covid-19, os registros voltaram a subir, atingindo, no último ano, o maior número desde 2018. Considerando as estatísticas recentes, foram realizadas, em média, quatro notificações de desaparecimento por hora às autoridades policiais”, diz o Anuário.
O número de registros de pessoas desaparecidas aumentou para 81.873. Desse total, 57.568 pessoas foram localizadas, permanecendo 24.305 pessoas desaparecidas no ano de 2024. Em 2023, foram registrados 77.725 pessoas desaparecidas, destas, 55.909 pessoas foram localizadas e 21.816 pessoas não localizadas.
Frisa-se que as informações sobre as pessoas localizadas fornecidas pelas estados não especificam se as pessoas foram localizadas vivas ou mortas, o que pode mascarar o número de mortes violentas. Também não especificam se estas pessoas foram as que desapareceram no mesmo período.
VIOLÊNCIA SEXUAL
Em 2024, foram registrados 87.545 casos de estupro e estupro de vulnerável, mais do que o dobro do registrado em 2011. A maioria dos casos (76,8%) são de estupro de vulnerável, foram 67.204 casos de estupro de vulnerável no país, um número mais de três vezes maior do que o estupro. Do total de casos, 55,6% das vítimas são negras e 65,7% dos crimes ocorrem na residência da vítima. Para crianças de 0 a 13 anos, 59,5% dos autores são familiares.
Apesar disso, o estudo aponta que há muita subnotificação e que este número pode ser ainda maior. Estima-se que apenas 8,5% dos crimes são registrados pela polícia.
SUICÍDIOS ENTRE POLICIAIS
Em 2024, foram registrados 126 suicídios de policiais no Brasil, caracterizando uma redução de 8% nos novos casos de suicídio de policiais, em relação a 2023 (137 mortes). “Apesar de serem boas as notícias, é preciso analisá-las com cuidado. De fato, o número total de policiais mortos por confronto e por suicídio vem diminuindo ao longo dos últi-mos anos. No entanto, como mostra o gráfico abaixo, nota-se que, enquanto há uma tendência de diminuição de mortes violentas intencionais (MVIs) de policiais, a quantidade de suicídios desses profissionais vem aumentando de maneira mais ou menos constante desde 2018, primeiro ano da série histórica analisada”, diz o anuário.
Em 2024, os policiais civis morreram mais por suicídio (20 casos) do que por confronto (14 mortes). Para policiais militares em 2024, houve 156 mortes em confronto (no trabalho ou na folga) contra 106 suicídios.
LETALIDADE POLICIAL
Em 2024, a participação das mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP) em relação ao total de mortes violentas também aumentou, passando de 13,8% em 2023 para 14,1% em 2024. Foram 6.243 mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP).
Embora o número absoluto de vítimas de MDIP tenha apresentado uma pequena redução de 3,1% de 2023 para 2024 (de 6.413 para 6.243), o patamar geral permanece com mais de seis mil pessoas mortas por ano em intervenções policiais desde 2018. Se considerarmos o período entre 2014 e 2024, o país registrou 60.394 vítimas de letalidade policial.
A letalidade policial no Brasil é um fenômeno seletivo, com 99,2% das vítimas sendo do sexo masculino. A taxa de MDIP para homens é o dobro da média nacional. Quando estratificado por Raça/Cor, 82% das vítimas são negras (pretas e pardas). O risco de uma pessoa negra ser morta por forças de segurança é 3,5 vezes maior do que o de uma pessoa branca,
Um importante destaque para como o racismo compõem a percepção do chamado “sujeito suspeito” que passa e ser vitimizado por ações das forças de segurança no Brasil. Recentemente tivemos o caso do policial militar que matou o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, na zona sul de São Paulo, com um tiro na cabeça, quando este voltava para casa do trabalho. Guilherme foi supostamente confundido com um assaltante.
As maiores taxas de letalidade policial são observadas entre jovens. Atingem o pico de 9,6 mortes por 100 mil habitantes na faixa etária de 18 a 24 anos, seguida por 7,3 por 100 mil entre 25 e 29 anos. Adolescentes também foram vítimas da violência policial, com uma taxa de 2,3 para cada 100 mil entre 12 e 17 anos.
Em São Paulo, como é de se imaginar sob a gestão Tarcísio, as mortes por Intervenção Policial em São Paulo tiveram um aumento expressivo na taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP). De 2023 para 2024, São Paulo registrou um aumento de 60,9% na taxa de vítimas de intervenções policiais.
“Esses números podem indicar o uso ilegítimo da força, especialmente quando acompanhados da normalização de operações policiais que sistematicamente resultam na morte de civis, somadas a discursos ideológicos que exaltam a letalidade como sinônimo de eficiência. Essa combinação revela um processo de milicianização das forças de segurança e o avanço da corrupção entre seus agentes”, destaca o estudo.
Em 2023, São Paulo estava no grupo de estados com MDIP entre 10,1% e 20% do total das MVI, saltando em 2024 para o grupo de estados onde as MDIP representam mais de 20,1% do total das MVI. A proporção de MDIP nas MVI de adolescentes em São Paulo aumentou de 16,6% em 2023 para 19,2% em 2024.
No nível municipal, vimos a tragédia provocada com a anuência de Tarcísio de Freitas nas cidades de Santos e São Vicente, que registraram 66,1% de todas as mortes violentas em 2024 foram causadas por policiais. Essas cidades foram palco da Operação Verão/Escudo no início de 2024, consideradas as operações mais letais da Polícia Militar de São Paulo desde o massacre do Carandiru em 1992.
Veja a íntegra do levantamento:
Fonte: https://horadopovo.com.br/feminicidios-batem-recorde-e-violencia-policial-cresce-no-brasil-aponta-anuario-da-seguranca/