
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, ao menos por ora, não acionar a Justiça dos Estados Unidos contra a sanção financeira imposta pelo presidente Donald Trump. Durante jantar no Palácio da Alvorada, nesta quinta-feira (31), Moraes comunicou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a colegas do STF que dispensará, neste momento, a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) em sua defesa.
A AGU estava pronta para atuar em nome do ministro, após sugestão de integrantes do Supremo e determinação do próprio presidente Lula. A estratégia havia sido acertada em encontro reservado na noite anterior entre o petista e ministros da Corte. A ideia era acionar juridicamente os EUA com base na tese de que a sanção viola a soberania do Judiciário brasileiro.
No entanto, Moraes afirmou, segundo relatos de participantes do jantar, que não pretende estabelecer relação com os Estados Unidos e que prefere aguardar os desdobramentos do caso. Apesar da recusa inicial, ele não descartou que a AGU possa atuar futuramente em sua defesa, inclusive no plano internacional.
Durante o jantar, Moraes aparentava tranquilidade e minimizou o impacto das sanções em território brasileiro. Segundo ele, não há motivo para preocupação prática no país, e seu trabalho no Supremo seguirá normalmente. “Não deixarei de exercer minhas funções diante dessa ameaça”, disse o ministro, segundo presentes.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, confirmou que respeitará a decisão de Moraes. A proposta de oferecer apoio jurídico foi interpretada como um gesto político de alinhamento do governo com o Supremo diante da interferência de Trump, sobretudo no contexto do processo que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro como réu por tentativa de golpe.
A ideia de processar o governo estadunidense ainda não foi abandonada. O Planalto estuda duas frentes: a contratação de um escritório de advocacia nos Estados Unidos para atuar em nome do ministro, ou a tentativa de levar o caso à Suprema Corte dos EUA, com base no argumento de violação da soberania do Judiciário brasileiro.
Lula: defesa do STF é inegociável
A reunião com Moraes aconteceu um dia depois de Lula receber os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, também fora da agenda oficial. Segundo relatos, o presidente da República reagiu com firmeza à sanção estadunidense. “O momento é crucial para definir o tamanho do Brasil na geopolítica”, disse Lula a um dos presentes.
Ainda segundo esse relato, o presidente se mostrou disposto a negociar questões comerciais com Trump, inclusive o tarifaço contra produtos brasileiros. No entanto, ele deixou claro que não aceitará ingerência dos Estados Unidos sobre temas internos, como o julgamento de Bolsonaro. A partir daí, afirmou, o diálogo ficou inviável.
Lula garantiu aos ministros que seu governo fará uma “defesa incondicional do STF e de Moraes”. A ordem já foi repassada ao núcleo duro do Planalto. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), tem vocalizado esse apoio em nome do Executivo.
“O STF atua rigorosamente no devido processo legal: os réus tiveram garantia do contraditório e direito de defesa, que entra agora na fase de alegações finais antes do julgamento. É assim que funciona a Justiça, algo que nem Trump nem Bolsonaro querem aceitar”, declarou Gleisi.
Desagravo e discurso público
O jantar no Alvorada foi visto como um ato simbólico de desagravo a Moraes. Além do presidente Lula e dos ministros do Supremo, participaram os ministros da Justiça, Ricardo Lewandowski, e da AGU, Jorge Messias, além do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Nesta sexta-feira (1º), com a retomada das atividades no STF após o recesso, está previsto que os ministros façam os primeiros discursos públicos em defesa de Moraes e da independência da Corte. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, anunciou que abrirá espaço para manifestações em plenário e diante da TV Justiça.
Sanções e preocupações futuras
A Lei Magnitsky, aplicada por Trump contra Moraes, foi criada pelo Congresso dos EUA em 2012 para punir agentes públicos estrangeiros envolvidos em violações de direitos humanos. As sanções incluem o congelamento de bens, o impedimento de movimentações bancárias e o bloqueio do uso de cartões de crédito estadunidense.
A avaliação dominante no STF é que a medida foi usada de forma política para pressionar o Supremo e interferir no julgamento de Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado. Ministros ouvidos pela Folha consideram que Moraes não se enquadra nas condições previstas pela legislação estadunidense e que a sanção não tem validade jurídica fora dos EUA.
A preocupação maior está nos efeitos indiretos. Há o receio de que bancos brasileiros, pressionados por vetos do sistema financeiro estadunidense, acabem sendo forçados a seguir as sanções, mesmo em território nacional. Nesse cenário, instituições — inclusive públicas — teriam de optar entre manter vínculos com Moraes ou preservar suas operações internacionais.
Apesar disso, o Supremo mantém o cronograma do julgamento da trama golpista para meados de setembro. Bolsonaro responde por golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado. As penas somadas podem chegar a 43 anos de prisão.
Mesmo diante das pressões externas e ameaças veladas, Moraes e o Supremo indicam que não pretendem recuar. Ao contrário, veem nas sanções um ataque direto à autonomia do Judiciário brasileiro — e uma tentativa de intimidar seus integrantes às vésperas do julgamento mais sensível da história recente do país.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/moraes-recusa-acao-da-agu-nos-eua-e-reforca-que-seguira-firme-apesar-das-sancoes-de-trump/