
Ato do Movimento dos Atingidos por Barragens, em Brasília, contra PL da Devastação. Foto: Gabriela Biló/MAB
O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou uma nota técnica ao presidente Lula solicitando o veto imediato a mais de 30 dispositivos da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021), aprovada em meados de julho de 2025 pelo Congresso.
Segundo o órgão, o texto contém trechos que enfraquecem a proteção socioambiental e violam dispositivos da Constituição, além de afastar compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
A nota técnica foi elaborada por três câmaras superiores da PGR: Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, e Direitos do Cidadão. O documento alerta que o projeto abre espaço para modalidades de licenciamento mais permissivas, como Licença Especial Ambiental (LEA) e Licença por Adesão e Compromisso (LAC), modalidade de autolicenciamento que permite a dispensa de análise técnica em setores como agronegócio e obras de infraestrutura. Também exige renovação automática de licenças, suprime a participação da Funai em licenciamentos que afetem terras não homologadas e retira a exigência do Cadastro Ambiental Rural (CAR), além de flexibilizar regras da Lei da Mata Atlântica.
O MPF considera que essas mudanças violam o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, os direitos territoriais originários de povos indígenas e quilombolas (independente da homologação administrativa) e o princípio da vedação ao retrocesso ambiental, consagrado pelo STF a partir do artigo 225 da Constituição. Também ressaltam que o projeto contradiz jurisprudência consolidada do Supremo e fragiliza o pacto federativo e a proteção eficiente.
Ao limitar a atuação de órgãos como a Funai apenas a terras já homologadas, o texto dificulta a avaliação dos impactos indiretos de grandes obras em comunidades tradicionais e infringe a Convenção 169 da OIT sobre consulta prévia, livre e informada. Para o MPF, isso também gera risco de responsabilização internacional, inclusive por violação do Acordo de Paris ou de tratados de direitos humanos, com possível responsabilidade diante de cortes como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O projeto aprovado pelo Congresso, apelidado por críticos como “PL da Devastação”, reúne cerca de 60 artigos contendo mais de 300 dispositivos. A expectativa é que até o dia 8 de agosto Lula decida entre sancionar integralmente, vetar ou propor nova redação via projeto de lei ou medida provisória. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou que os técnicos da pasta estão finalizando análise para orientar o presidente, argumentando que, se vetos forem necessários, também se deve apresentar uma proposta alternativa para restaurar garantias do sistema ambiental brasileiro.
O MPF já havia alertado o Congresso diversas vezes ao longo de 2024 e 2025 sobre os riscos de retrocesso socioambiental com a flexibilização das regras de licenciamento. Em maio de 2024 entregou documento ao Senado apontando prejuízos à proteção ambiental e às populações tradicionais. Em 2025, voltou a discutir o tema em audiências públicas e reuniões com a Comissão de Meio Ambiente do Senado.
Relatórios publicados pelo InfoAmazônia apontam que o PL também exclui 121 terras indígenas da Amazônia Legal das zonas de proteção ambiental em torno de grandes empreendimentos, reduzindo drasticamente as faixas de impacto na região. Essas medidas eliminam exigências de consulta e diminuem a distância de amortecimento em torno de rodovias, ferrovias, portos, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão e projetos minerários em áreas sensíveis. Das 792 terras reconhecidas pela Funai, 289 ainda não são homologadas, sendo 121 na Amazônia Legal — percentual que corresponde a cerca de 26% das terras indígenas da região.
De acordo com o MPF, ao promover autolicenciamento, dispensar setores inteiros, eliminar análise técnica e enfraquecer condicionantes, o PL representa um retrocesso injustificado que compromete o núcleo essencial do direito ao meio ambiente.
Fonte: https://horadopovo.com.br/mpf-recomenda-lula-vetar-mais-de-30-itens-do-pl-da-devastacao-ambiental/