
Em uma das mesas mais aclamadas da 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi ovacionada por um público emocionado ao defender a floresta, denunciar retrocessos ambientais e propor uma nova forma de fazer política — menos burocrática e mais conectada com saberes como a arte, a espiritualidade e a psicanálise.
A mesa, intitulada “O lugar da floresta”, homenageou ambientalistas assassinados no Brasil, como Chico Mendes, Dorothy Stang e Dom Phillips, e também lembrou os indígenas mortos durante a pandemia. A curadora da Flip, Ana Lima Cecilio, abriu a conversa destacando essas perdas como consequência de “uma política de Estado que a gente espera que em breve seja julgada por genocídio”.
Marina foi recebida de pé pelo público que lotou o Auditório da Matriz, o Auditório da Praça e ruas adjacentes. De punho erguido, respondeu aos gritos de “Marina! Marina!” com emoção. A conversa foi mediada pela jornalista Aline Midlej, que a descreveu como “a personificação da sustentabilidade”. Parlamentares como Chico Alencar (PSOL) e Jandira Feghali (PCdoB) estavam na plateia e também foram aplaudidos.
Crítica contundente ao PL do Licenciamento Ambiental
Durante a mesa, Marina criticou duramente o Projeto de Lei 2159/2021, que flexibiliza regras para o licenciamento ambiental. Para a ministra, a proposta compromete o futuro do país.
“O licenciamento ambiental é a principal vértebra da proteção ambiental no Brasil. Não consigo ver como alcançaremos as metas de redução de CO₂ se ele for mutilado como no Congresso”, afirmou. “As mudanças podem gerar processos generalizados de judicialização.”
Ela ainda ironizou o ex-presidente dos Estados Unidos:
“Até o Trump disse que estava taxando porque estava preocupado com o desmatamento.”
Ao ser questionada sobre um possível veto do presidente Lula, Marina respondeu de forma cautelosa:
“Está sendo feita uma análise rigorosa do PL. São mais de 60 artigos e 300 dispositivos. O diálogo é constante entre os ministérios, a Casa Civil, a Secretaria de Relações Institucionais e o Congresso.”
Homenagem a Dom Phillips e emoção com memória de Chico Mendes
Em um dos momentos mais simbólicos da noite, Alessandra Sampaio, viúva do jornalista britânico Dom Phillips, subiu ao palco para entregar a Marina um exemplar do livro póstumo do marido, “Como salvar a Amazônia: uma busca mortal por respostas”. As duas se abraçaram sob aplausos comovidos.
Mais tarde, Marina relembrou a trajetória de Chico Mendes e emocionou a plateia ao dizer:
“A gente tem que trabalhar para não termos heróis. Os heróis são uma denúncia contra nós. O herói é extraordinário porque não tornamos o extraordinário em ordinário. Quando todos formos ativistas do clima e da floresta, não precisaremos mais de heróis.”
Literatura, política e espiritualidade: saberes que se cruzam
Marina também compartilhou sua história de vida e como a literatura entrou em seu mundo através de cordéis recitados pela avó analfabeta. Ela aprendeu a ler apenas aos 16 anos, após sair do seringal para viver na cidade.
“Eu ouvi um cordel sobre uma disputa de rimas entre um homem da cidade e um sertanejo. O sertanejo perdeu por ser analfabeto. Eu falei: ‘então, eu não quero ser analfabeta’”, contou entre lágrimas, recebendo aplausos em pé da plateia.
A ministra propôs uma política renovada, que se abre à arte, à espiritualidade e à psicanálise:
“A política entrou num processo de vã repetição. Ela precisa beber nesses lugares. Eu me inspiro na arte, na espiritualidade e na psicanálise. Pode parecer um paradoxo, mas há interpelações possíveis entre esses saberes. A vida é insistência, dizia Hannah Arendt. Não sou otimista nem pessimista — sou persistente.”
COP 30 e o desafio climático
Ao comentar a COP 30, que será realizada em Belém, Marina destacou o tamanho da tarefa diante do colapso climático:
“A COP deve sair com um mandato para fazer um mapa para o fim dos combustíveis fósseis e do desmatamento, e viabilizar US$ 1,3 trilhão em investimentos. O desafio é imenso.”
A mesa “O lugar da floresta” terminou como começou: com emoção, reflexão e aplausos. Marina Silva reafirmou seu compromisso com o meio ambiente, mas também com uma política mais sensível, ética e conectada com as pessoas.
“Nosso papel é transformar o extraordinário em ordinário. Só assim deixaremos de precisar de heróis para salvar a floresta — porque seremos todos guardiões dela.”
Fonte: https://agendadopoder.com.br/marina-silva-emociona-publico-na-flip-e-diz-que-nao-precisaremos-de-herois-quando-todos-forem-ativistas-da-floresta/