22 de novembro de 2024
Algumas boas notícias que vem da indústria
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Desde a vitória de Lula em outubro de 2022, criou-se uma grande expectativa entre jornalistas e economistas que se interessam pelo tema do desenvolvimento, se o governo federal iria tomar alguma atitude para recuperar o parque produtivo nacional.

A revolução do agronegócio foi tremendamente importante para o país, gerando divisas numa escala e magnitude que poucos imaginavam há alguns anos. Não se trata apenas de uma atividade “primária” como se avaliava no passado, pois há estudos mostrando que o agronegócio moderno embute uma quantidade crescente de complexidade econômica, ou seja, demanda cada vez mais tecnologia, inovação e pesquisa cientítica.

Mas é um fato que a manufatura tradicional brasileira, a indústria de transformação propriamente dita, tem ficado estagnada ou mesmo declinante há alguns anos, pois o agronegócio e a mineração absorvem quase todo o capital que poderia ir para ela.

Por outro lado, há algumas confusões conceituais muito comuns no debate político, e que resultam de um esforço meio ingênuo, meio populista, de “botar o dedo na ferida”. Antes de tratar disso, porém, vamos aos últimos números da indústria nacional, que mostram uma promissora recuperação de alguns setores estratégicos.

Segundo o IBGE, a produção industrial brasileira cresceu 4,3% no acumulado dos dois primeiros meses do ano (jan/fev), na comparação com o mesmo período do ano anterior: as indústrias extrativas cresceram 6,1%, mas as de transformação também experimentaram um incremento expressivo de 4,0%.

Alguns setores se destacaram, como produtos têxteis, que cresceram 13,5% no primeiro bimestre, e equipamentos de informática, que cresceram 16,7%.

Basicamente todos os setores industriais importantes tiveram um desempenho positivo. Com exceção de um, o de produtos farmoquímicos. Este é um setor, todavia, que deverá receber grandes investimentos por parte do governo federal, e apesar dos números ainda serem negativos, é um dos mais promissores da indústria nacional, por causa da existência do SUS, que tem recursos garantidos, em lei, para investir em compras de produtos fabricados no Brasil.

Ainda segundo o IBGE, a produção industrial de bens de consumo duráveis, que formam o setor mais nobre da indústria de transformação, registrou em fevereiro o seu melhor índice em cinco meses.  Os bens de consumo duráveis são aqueles que, como o nome diz, duram mais, como geladeiras, fogões, carros, micro-ondas, computadores.

Quem conhece melhor o setor industrial, porém, sabe que o termômetro mais importante da atividade manufatureira é o setor de bens de capital, que inclui os maquinários e equipamentos industriais. Se há aumento na produção de bens de capital é porque tem indústria fazendo investimento para produzir mais e melhor.

O setor de bens de capital passou a crescer bem desde o início do ano. Se continuar assim, será um sinal forte de que a indústria brasileira iniciou um processo sustentável de recuperação.

Outra boa notícia para o setor é o desempenho das exportações de produtos classificados como “indústria de transformação”. O Brasil vem exportando anualmente, há três anos, mais de US$ 150 bilhões em produtos industrializados. Nos últimos 12 meses, até março, exportou US$ 177 bilhões desses produtos. Na década de 90, e até o início dos anos 2000, o Brasil exportava pouco (menos de 50 bilhões de dólares por ano) em produtos industrializados. Quem abriu mercados externos para nossos industrializados, a propósito, foi o presidente Lula, sobretudo na América Latina, oriente médio e África. A acusação de que Lula teria sido responsável pelo processo de desindustrialização do país é, por essa e por inúmeras outras razões, tremendamente injusta. Os governos petistas sempre buscaram investir na modernização e expansão do parque industrial nacional. Não fosse a Lava Jato, que foi o maior ataque à indústria já vivido pelo país, em toda a sua história, muita coisa estaria visível hoje, a começar pelas refinarias, que seriam a base de sustentação de um novo processo de industrialização no Brasil.

Por fim, vamos às confusões conceituais de que falávamos. Elas podem ser classificadas em duas categorias: confusão estatística e confusão filosófica.

A confusão estatística é a mais comum e mais conhecida. O sujeito apresenta um gráfico, num debate político, com os percentuais de participação da indústria no PIB do Brasil.

Trata-se de uma estratégia retórica sempre conveniente no debate político, principalmente em momentos eleitorais, que é enfeitar o passado, inventando uma bonança que nunca existiu.

Por exemplo, o gráfico do economista Paulo Morceiro é o mais famoso na bolha de jornalistas e economistas que se interessam pelo assunto. Ele mostra a linha de participação da indústria de transformação no PIB do Brasil, desde 1947 até os dias de hoje. É um gráfico impressionante, de fato, mas que gera uma ilusão de ótica.

O sujeito então enche a boca para falar que, nos anos 80, a indústria respondia por quase 30% da economia brasileira, e hoje só responde a pouco mais de 10%.

Qual o erro aí?

O erro é passar a impressão de que o Brasil era uma “potência industrial” nas décadas de 70, 80, até o início dos anos 90.

Não era.

O Brasil daquele tempo era muito mais atrasado, tecnologicamente e industrialmente, do que o Brasil de hoje. Como já vimos, a nossa pauta de exportação, por exemplo, era composta virtualmente apenas de produtos primários.

Esses quase 30% de participação da indústria na economia eram vistosos não por causa do tamanho do setor, mas porque a economia como um todo era pequena! Grande parte do país vivia na miséria, em cultura de subsistência.

Além disso, quatro fatores produziram mudanças profundas na economia brasileira a partir da década de 90: a revolução do agronenócio (incluindo aqui naturalmente a pecuária), a descoberta de novas jazidas de minério de ferro, e a exploração dos campos de petróleo em alto mar (antes mesmo do pré-sal, tínhamos descoberto petróleo no mar, no chamado pós-sal). Esses primeiros três fatores injetaram uma quantidade colossal de recursos na economia, fazendo o PIB crescer e, portanto, reduzindo a participação relativa do setor industrial. O quarto fator foi a revolução tecnológica, que transformou completamente o setor de serviços, em todo o mundo.

A indústria brasileira enfrentou, sim, problemas graves a partir dos anos 90, em função da oferta crescente de artigos industrializados produzidos na Ásia, que arrasaram setores industriais inteiros, no Brasil e em vários outros países, como o de roupas, calçados, brinquedos, etc. Mas outros setores resistiram e alguns se fortaleceram e se modernizaram.

O Brasil detém hoje, por exemplo, uma indústria alimentícia muito superior a que possuiu em qualquer outro momento de sua história.

Ah, mas indústria de alimento não vale! Ora, não vale porque?

Aí entra uma confusão do tipo filosófico, que encontra guarida facilmente nessa cultura de baixo autoestima dos brasileiros: tudo que produzimos aqui não presta. O fato de abrigarmos uma das indústrias de carne mais modernas e científicas do mundo é raramente comentado nos debates econômicos. A mesma coisa vale para o setor agrícola como um todo. Os feitos agrícolas do país são depreciados. Além disso, um outro ponto é esquecido: tanto a agropecuária primária, quanto uma indústria alimentícia, estão entre os setores mais estáveis e sólidos da economia global. Aliás, foi isso que nos salvou durante a pandemia. Enquanto setores industriais inteiros enfrentavam severa crise, por causa do isolamento social, o consumo de alimentos não se reduziu. A população mundial não parou de comer.

O Brasil ainda tem uma indústria. No afã de “causar” nas redes, alguns agentes políticos fazem uma análise exagerada, apocalíptica, sobre a desindustrialização do país. Não apenas ainda temos uma indústria, como temos recursos para modernizá-la, e inteligência para criarmos alguns outros setores industriais de que precisamos.

O discurso catastrofista não me parece frutífero.

Devemos encarar as coisas com menos drama. O processo econômico de uma economia não totalmente planificada, como a nossa, levará fatalmente algumas indústrias a fechar as portas, ou a procurar salvação no capital estrangeiro. Mas outras podem abrir, e podemos adquirir empresas em outros países. A Avibrás, empresa brasileira especializada na produção de armas militares, por exemplo, entrou em falência em 2022, possivelmente em resultado de um cenário global muito mais fechado para empresas de armas não pertencentes aos respectivos clubes geopolíticos. E agora, início de 2024, anuncia a sua venda para um grupo australiano.

É sempre uma perda testemunhar a desnacionalização de uma empresa nacional, mas temos visto, também nos últimos meses, vários anúncios importantes de investimentos industriais, a começar pela chegada da BYD ao Brasil, com disposição de construir três grandes fábricas de carros híbridos no país!

Nada disso é desculpa, naturalmente, para baixar a guarda diante dos desafios econômicos impostos ao Brasil pela conjuntura internacional. O país precisa, sim, recuperar e modernizar o seu tecido industrial. Mas sem esquecer que política industrial, hoje, tem de ser associada principalmente a investimentos maciços em ciência e tecnologia. Até mesmo a questão do emprego de qualidade, de que sempre se fala nos debates sobre a importância do setor industrial, apenas faz sentido quando a gente olha não para a fábrica em si, que será cada vez mais automatizada, mas para a imensa gama de serviços industriais, tecnológicos, científicos, que giram no entorno dos centros de produção.

Uma política industrial consequente, portanto, deve pensar na formação de uma grande comunidade científica no país.

Além disso, não vejo como o país poderá levar adiante qualquer política industrial se não modernizar a sua logística de transporte, tanto de mercadorias quanto de passageiros, priorizando o transporte sobre trilhos, como metrôs, vlts, trens de alta velocidade, e trens de frete.

Encerro essa reflexão com mais uma boa notícia para o setor industrial. As exportações brasileiras de veículos rodoviários vem se recuperando vigorosamente desde 2022. No ano passado, o Brasil faturou US$ 12,19 bilhões com as vendas externas de veículos, o que se aproxima dos recordes alcançados pelo Brasil em 2008 (pouco antes da crise dos subprimes) e depois em 2013 (antes da crise da Lava Jato), que foi de US$ 14 bilhões.

No auge da década de 80, quando supostamente vivíamos os “anos dourados” da indústria nacional, a nossa produção nacional de veículos ficava pouco acima de 800 mil unidades por ano. Nos 12 meses de março de 1984 a fevereiro de 1985, o Brasil produziu exatamente 825.870 autoveículos, e exportou 107,1 mil unidades.

Pois bem. Nos últimos 12 meses até fevereiro deste ano, a produção brasileira de veículos foi de 2,35 milhões de unidades e a exportação, de 384,6 mil unidades! A geração de empregos no setor, por outro lado, mesmo com esse aumento tão grande na produção, é hoje muito parecida ao do início dos anos 80, em torno de 100 mil postos de trabalho, em virtude da maior automatização das fábricas modernas. Espera-se, de qualquer forma, que esse número de empregos cresça nos próximos meses e anos, em função da chegada de novos investimentos no setor.

Ou seja, não é inteiramente verdade, ou pelo menos não é uma tendência dramática e irreversível, que a indústria brasileira esteja “desaparecendo”. Ela perdeu participação relativa para o agronegócio e minérios, porque a expansão desses setores foi absolutamente desproporcional. E também perdeu espaço para os serviços, porque isso é o que ocorreu em todo mundo. Em suma, ela enfrenta inúmeros desafios e o governo tem razão em seu esforço para implementar políticas industriais que modernizem e recuperem o setor.

Parafraseando Mark Twain, os boatos de que a indústria brasileira tinha morrido revelaram-se um pouco exagerados.

Fonte: https://www.ocafezinho.com/2024/04/07/algumas-boas-noticias-que-vem-da-industria/