
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, inicia uma nova etapa na disputa em torno do licenciamento ambiental no país, segundo conta em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Para que prevaleça o que ela considera o “melhor caminho” para o setor, será preciso convencer o Congresso Nacional — um terreno historicamente desfavorável às propostas da área.
O tema voltou ao centro das atenções após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar 63 dispositivos do projeto aprovado pelos parlamentares e, na sequência, encaminhar ao Legislativo um novo texto, com urgência constitucional, que retoma parte das medidas, mas com alterações.
— É uma pergunta que a gente precisa se fazer o tempo todo — disse Marina, ao comentar a dificuldade de construir consenso. — Acho que há uma curva de aprendizagem. Agora é o momento de convencer aqueles que acham que deveria voltar para o processo anterior de que o governo criou um encaminhamento que dialoga com as expectativas do Congresso e atende a todos.
Disputa em torno de dois pontos centrais
A lei aprovada pelo Congresso flexibilizava e simplificava etapas do licenciamento ambiental. Dois dispositivos geraram maior polêmica:
- LAC (Licença por Adesão e Compromisso): permite autorizar empreendimentos de pequeno e médio porte mediante declaração de compromisso do empreendedor de cumprir exigências ambientais.
- LAE (Licença Ambiental Especial): criada com apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), possibilita ao governo federal priorizar projetos estratégicos, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, por decisão de um conselho ministerial.
Ambos foram vetados por Lula, mas incorporados ao novo projeto com ajustes. A LAC, por exemplo, foi mantida, mas limitada a empreendimentos de baixo potencial poluidor. A LAE ganhou regras adicionais e prazos de análise mais claros.
Segundo o governo, a versão original da LAE previa apenas uma etapa de avaliação ambiental, o que foi alterado para incluir mais fases, sem ultrapassar 12 meses para conclusão. Para cumprir o prazo, o órgão licenciador terá equipe reforçada.
Avanços e críticas
Marina admite que a proposta do Congresso trouxe “avanços conceituais” aproveitados no novo texto, mas mantém críticas a pontos considerados inconstitucionais.
— Conseguimos dar segurança jurídica para investimentos, investidores e empreendedores. Integrar as inovações do Congresso a vetos que mantêm a integridade do licenciamento, a proteção do meio ambiente e o direito das comunidades. Ganhando agilidade, sem perder qualidade, e assegurando processos compatíveis com o arcabouço legal e a Constituição — afirmou à reportagem.
A ministra argumenta que a priorização de obras estratégicas já ocorre com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas que agora a decisão passará por todas as pastas do conselho de governo, e não apenas por negociações bilaterais.
O projeto também determina que as regras estaduais e municipais para licenciamento se alinhem a diretrizes nacionais, restringindo a autonomia total prevista na redação aprovada pelo Congresso.
Além disso, o Executivo vetou a limitação de consulta a comunidades indígenas, quilombolas e áreas de conservação, estabelecendo no novo texto um procedimento mais objetivo para esses casos.
— Se pontos [da lei] não tivessem sido reparados, nós iríamos entrar num vórtex de ações jurídicas intermináveis. Conseguimos fazer algo que atende a necessidade de proteger o meio ambiente, usar os recursos naturais com sustentabilidade e evitar que o Brasil entre num verdadeiro caos — disse Marina.
Resistência política
Apesar dos ajustes, a proposta enfrentará resistência. Desde 2023, o Congresso impôs derrotas à ministra, como a aprovação da nova lei dos agrotóxicos e cortes no orçamento da pasta. A bancada ruralista, principal defensora do texto original, ainda não se manifestou.
Marina afirma que a articulação política será liderada pela Secretaria de Relações Institucionais, chefiada por Gleisi Hoffmann, e que pretende dialogar com Davi Alcolumbre, com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), além de líderes partidários e frentes parlamentares.
Relação entre meio ambiente e mercado externo
A ministra também destacou o impacto de políticas ambientais na economia, citando dados do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, sobre a abertura de 398 novos mercados desde o início do governo Lula.
— O valor nutricional da nossa agricultura já existia antes, o valor sanitário também, e a capacidade de produzir em constância e quantidade, também. Quais são as grandes novidades [em relação ao governo anterior]? O engajamento do presidente, do ministro, e uma política ambiental articulada, com credibilidade e que dá resultados: a queda do desmatamento — afirmou a ministra.
Para ela, o licenciamento deve ser instrumento de proteção, e não de afrouxamento de regras.
— O esforço no licenciamento ambiental não deve ser para proteger menos, mas para proteger mais. Porque, senão, teremos uma situação na qual, em pouco tempo, os mais prejudicados são aqueles que agora imaginam que estejam sendo beneficiados — alertou.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/marina-silva-defende-vetos-de-lula-e-busca-apoio-no-congresso-para-novo-modelo-de-licenciamento-ambiental/