
A publicação de um vídeo pelo youtuber Felipe Bressanim Pereira, mais conhecido como Felca, na última semana, acendeu alerta para a exploração abusiva de crianças e adolescentes na internet e as consequências legais para quem compartilha conteúdos associados à exploração da imagem de menores. A Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus) realiza ações intituladas “Juntos por uma Internet Mais Segura para Crianças e Adolescentes”. A Sejus firmou parceria com a SaferNet Brasil, ONG que atua na proteção de direitos humanos na internet.
Entre as ações que estão sendo desenvolvidas, estão a produção e disponibilização de conteúdos educativos, campanhas de prevenção e conscientização, capacitação de profissionais e rede de proteção, além da realização de cursos de qualificação para educadores e assistentes sociais. Com as ações, espera-se a redução da exposição inadequada de crianças e adolescentes nas plataformas digitais, o fortalecimento da rede de proteção e do Sistema de Garantia de Direitos e o aumento do conhecimento da sociedade sobre os riscos da adultização precoce de crianças.
Episódios recentes ocorridos no DF reforçam os riscos a que estão sujeitos crianças e adolescentes superexpostos à internet. Como o caso da menina de 13 anos, moradora de Águas Lindas, que foi sequestrada, estuprada e mantida em cárcere por um homem que fingiu ser influenciador, em maio deste ano. Ela foi convencida a entrar no carro do criminoso quando ele a convidou a participar de um desafio viral com a promessa de ganhar likes em uma rede social. Um mês antes, a menina Sarah Raíssa de Castro, de apenas 8 anos, morreu ao inalar desodorante para participar de um desafio proposto em uma rede social.
No vídeo de alerta, o youtuber Felca mostra a facilidade em manipular o algoritmo do Instagram, por exemplo, para que a plataforma ofereça apenas conteúdos sugestivos de crianças e adolescentes. Nos comentários de vídeos que parecem inocentes, como fotos de rostos e de práticas de ginástica olímpica infantil, é possível encontrar links que encaminham o internauta a grupos que compartilham conteúdos mais explícitos. “Eles pegam conteúdos inocentes e transformam em um ponto de troca”, denuncia ele.
Felca demonstra que é fácil identificar um padrão em que pessoas que não consomem normalmente vídeos de crianças aparecem nos comentários oferecendo links de compartilhamento de outros conteúdos. “Isso acontece no Instagram, não é nem na deepweb (internet paralela), é algo que está acontecendo neste exato momento”, alerta.
Impactos da exploração
Bárbara Espíndola, psicóloga clínica, mestra e doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB), aponta que as crianças ainda não possuem maturidade cognitiva, emocional ou repertório de vida suficientes para compreender plenamente a complexidade e os riscos envolvidos em interações que envolvem exposição, adultização ou manipulação, especialmente quando há abuso ou manipulação por parte de um adulto.
“A limitação na compreensão dessas questões a torna vulnerável, por isso, a proteção deve ser sempre responsabilidade dos adultos e da sociedade. A curto prazo, essa exposição pode provocar sofrimento emocional, vergonha, medo e isolamento, além de aumentar o risco de desenvolvimento de transtornos ansiosos e depressivos e dificultar a confiança nas relações interpessoais”, detalha.
Reconhecer os perigos dessas situações e buscar ajuda é um desafio, segundo Bárbara, muitas vezes pela falta de conhecimento sobre o que caracteriza violência, tanto por parte dos adultos quanto das próprias crianças e adolescentes.
A pesquisadora chama atenção para a exploração do trabalho infantil nos contextos em que essa adultização possui como fim receber monetização.
“As formas de perpetração de violências evoluem com a cultura e novas tecnologias, ganhando diferentes configurações, como a gravação de conteúdos na internet. Por trás disso, há adultos ganhando visibilidade em redes sociais. A criança, por outro lado, apenas reproduz o que é ensinado e possui limitações para compreender temas complexos, como política e religião”, destaca a profissional, referindo-se à criação de conteúdo em podcasts ou vídeos opinativos.
‘Grooming’
A exposição de crianças na internet tem outro perigo, o aliciamento on-line, ou ‘grooming’, no qual pessoas mais velhas se passam por crianças, imitando vocabulário, gostos e até manipulando fotos para criar falsas identidades. A prática visa conquistar a confiança desse público para, posteriormente, solicitar material íntimo. Muitas vezes, os conteúdos são monetizados.
“Após solicitarem materiais íntimos, os predadores sexuais iniciam um processo de chantagem, no qual ameaçam enviar esses conteúdos ilícitos a colegas de escola dessas vítimas, por exemplo, coagindo-as a enviarem mais materiais, que alimentam o banco de dados dos criminosos” – Frank Ned Santa Cruz, professor do Departamento de Ciência da Computação (CIC), da UnB.
Uma pesquisa realizada pela SaferNet aponta que o número de denúncias de grupos e canais contendo imagens de abuso e exploração sexual infantil no aplicativo de mensagens Telegram, por exemplo, aumentou 78% entre o segundo e o primeiro semestres de 2024.
Parentalidade
Mãe de uma menina de 5 anos, a advogada Priscilla Silva, 41 anos, elogia a lei que proíbe celular nas escolas, pois o contato da filha com as redes sociais é algo que a preocupa. “Ainda bem que essa lei foi sancionada, antes mesmo de a minha filha ter idade para ter celular”, comenta.
Desde quando a menina completou 1 ano, Priscilla monitora de perto qualquer questão que possa adultizá-la precocemente. “Eu tomo muito cuidado com roupas, maquiagem e a exposição a vídeos inapropriados para a idade dela. Ela só assiste a filmes de classificação livre e maquiagem, só se tiver inserido em contexto de faz de conta”, compartilha.
Segundo a neuropsicóloga Juliana Gebrim, quando uma criança ou adolescente é exposto a comportamentos e situações de adultos antes da hora, ele passa a lidar com pressões e responsabilidades para as quais ainda não está preparado. “O caminho é estar presente e participar da vida on-line deles. Conversar abertamente, criar limites de tempo e de conteúdo e incentivar atividades que sejam adequadas para a idade são passos importantes. O exemplo dos adultos conta muito: as crianças observam e imitam. Também vale ensinar a olhar para as redes com senso crítico, entendendo que nem tudo que aparece ali é real”, complementa.
A produtora executiva Rayssa Oliveira, 31, tem um filho de 7 anos e também se preocupa. “Evito ao máximo expor a imagem dele nas redes”, diz. “Eventualmente, eu posto conteúdo dele brincando, aprendendo ou falando algo engraçado. Mas sempre tomo cuidado pra não publicar nada dele sem camisa ou só de cueca. Justamente porque não sei até onde esse conteúdo pode chegar”, completa.
Com relação ao uso do celular, Rayssa preferiu proibir por completo. “Eu percebi que, quando ele fica muito tempo na tela, ele não aprende direito, fica com preguiça de aprender coisas novas. Ele assiste televisão com um tempo específico, fico monitorando 24h, e quando ele está nas casas dos avós ou do pai, é do mesmo jeito”, conta.
Denúncias e acusações
O criador de conteúdo digital Felipe Bressanim Pereira, 27, conhecido na internet como Felca, é natural de Londrina (PR) e acumula mais de 13 milhões de seguidores nas redes sociais. Na última quinta-feira, publicou o vídeo Adultização, no qual denuncia a exploração de menores nas plataformas digitais, partindo de produções que constrangem e, principalmente, sexualizam crianças e adolescentes. O vídeo tem mais de 28 milhões de visualizações.
Uma das denúncias teve como alvo o influenciador Hytalo Santos, 28, acusado de promover conteúdos que mostram jovens em ambientes com bebidas alcoólicas, cenas íntimas e danças sensuais, com o fim de obter engajamento nas plataformas digitais. Felca cita o caso de Kamylinha, jovem que aparece nas produções de Hytalo desde os 12 anos, envolvida em interações amorosas e festas com adultos. Após a denúncia, o perfil do influenciador foi desativado.
Hytalo Santos é natural de Cajazeiras (PB) e ganhou notoriedade após publicar vídeos no TikTok, no qual reúne várias pessoas em uma casa e compartilha suas rotinas, postando vídeo de dancinhas com meninas a quem chama de “filhas” e meninos a quem ele chama de “genros”. O influenciador tem mais de 12 milhões de seguidores nas redes.
Fonte: * Correio Braziliense
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/08/impactos-da-exploracao-de-criancas-e-adolescentes-na-internet/