
A Praça Tiradentes, no centro do Rio, vai se transformar em quilombo nesta quinta-feira (14), a partir das 10h, até sábado (16), durante o Encontro de Jongueiros. Na Semana do Patrimônio Histórico Nacional, cerca de 400 praticantes da dança, originários de 18 comunidades de jongo de São Paulo e do Rio de Janeiro vão se reunir em rodas, shows de samba, oficinas com mestres, exposição fotográfica na praça e seminário no Teatro Carlos Gomes.
O evento comemora os 20 anos de reconhecimento da dança como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, em 2005, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), dentro do calendário de festas, eventos e projetos comemorativos criado por lideranças de comunidades jongueiras.
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A intenção é analisar os resultados do plano de salvaguarda do gênero musical coreográfico afro-brasileiro, que reúne ritmo com a percussão de tambores, dança de roda e versos dos cantos também conhecidos como pontos.
“Vai ser a grande comemoração dos 20 anos do tombamento do jongo. A Praça Tiradentes vai virar quilombo”, disse o pesquisador, músico e coordenador do encontro, Marcos André Carvalho, em entrevista à Agência Brasil.
Oralidade
A manutenção da expressão cultural afro-brasileira característica da Região Sudeste do Brasil, se deve muito à transmissão dos saberes de geração em geração, por meio da comunicação oral ou oralidade, do gestual e da materialidade dos instrumentos musicais.
Dependendo da localidade, o jongo também é chamado de congo ou caxambu. No Espírito Santo, pode ser congo. No Morro do Salgueiro, na zona norte do Rio de Janeiro, é caxambu, nome dado também em Minas Gerais e no Morro da Serrinha, em Madureira, e ainda na zona norte da capital.
A dança tem matrizes que vieram da África com pessoas escravizadas, de origem Bantu, especialmente do Congo, Angola e Moçambique, levadas para trabalhar em lavouras de café e de cana-de-açúcar, no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo.
Com a abolição, parte dos libertos migrou para a capital do Rio de Janeiro, se instalando em favelas e fundando escolas de samba. Outros permaneceram na região fortalecendo a cultura no Vale do Café, onde o jongo é preservado na essência original. Lá existem cinco comunidades centenárias dos municípios de Barra do Piraí, Piraí, Valença, Pinheiral e Vassouras, no sul do estado.
“O jongo nasceu nas senzalas das cidades do Vale do Café e, com a abolição, desceu para a capital, onde foram fundadas as primeiras favelas do Rio, que são Salgueiro, Mangueira, São Carlos, Providência e Serrinha”, completou Marcos André.
Segundo Marcos André, eles criaram o Circuito Afro do Vale do Café, unindo as cinco comunidades centenárias para trazer o turismo étnico mundial e melhorar a vida dessas populações, historicamente exploradas e excluídas.
Debates
Pesquisas, inventários e registros sobre o jongo e o Vale do Café é o tema de abertura do seminário, hoje, às 10h, no Teatro Carlos Gomes. Participam a pesquisadora e integrante da Velha Guarda do Império Serrano, Raquel Valença; as professoras do Laboratório de História Oral da Universidade Federal Fluminense (UFF), Hebe Mattos e Martha Abreu; o Procurador da República, Júlio José Araújo Júnior; o fundador do Instituto Cachuera de São Paulo Paulo Dias; a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eleonora Gabriel e da UFF Elaine Monteiro; e o jongueiro do Morro da Serrinha e produtor cultural Rodrigo Nunes, e outros.
No mesmo dia serão realizados dois debates. O tema do primeiro, que começa às 11h30, é Mestras e Mestres – Avaliação dos 20 anos de registro do Jongo e prospecções sobre o futuro das comunidades. Estarão presentes mestres dos grupos de Pinheiral, Pádua, Campos, Quilombo São José dos municípios de Valença, Barra do Piraí, Natividade, Quissamã, Magé e Piraí e do babalorixá e produtor Pai Dário do Morro da Serrinha.
Às 14h30, começa a contribuição bantu para a formação da cultura do Rio e do Vale do Café, que vai contar com a participação da primeira doutora negra do Brasil, a professora Helena Theodoro, do babalawo Ivanir dos Santos, do professor e escritor Luiz Rufino e do pesquisador Marcos André.
Lançamento
A programação da tarde tem ainda o lançamento do Museu do Jongo, com participação de uma das lideranças do jongo de Pinheiral, Mestra Fatinha, matriarca com mais de 40 anos de militância pela divulgação e preservação desta cultura.
“O jongo do Pinheiral nunca parou ou ficou adormecido. Ele vem passando de geração em geração, e há 40 anos fazemos a coordenação do trabalho de preservação da dança, da autoestima do nosso povo preto, principalmente das nossas crianças. É a nossa bandeira de luta, porque, em uma roda de jongo, a gente trabalha várias coisas sempre em busca da liberdade, e continuamos mantendo a tradição genuína”, afirmou Mestra Fatinha, em entrevista à Agência Brasil.
O espaço vai reunir em um portal cerca de 5 mil fotos, áudios e vídeos inéditos e artigos sobre comunidades de jongo, resultado de uma pesquisa de 30 anos de Marcos André e das lideranças jongueiras do local.
“Ali vão estar todos os acervos das famílias jongueiras que estavam se deteriorando e dispersos. Tudo isso foi reunido em um trabalho de décadas e vai estar tudo digitalizado e disponibilizado gratuitamente na internet no Museu do Jongo”, disse o pesquisador.
O museu vai funcionar dentro de um parque temático, que está em andamento com o projeto executivo selecionado, segundo o pesquisador, pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. O local é no Parque das Ruínas de Pinheiral, origem desta manifestação afro-brasileira.
“Tantos anos depois da abolição essas comunidades ainda não têm seus museus, centros de visitação ou suas escolas de jongo. É sobre isso que a gente está falando e Pinheiral já deu o primeiro passo com a aprovação do projeto executivo pelo PAC na Fazenda São José dos Pinheiros”, observou.
Além do Museu, o espaço terá a Escola do Jongo, um restaurante de comidas étnicas e um centro turístico de visitação. Conforme o pesquisador, a inauguração está prevista para 2027.
A programação do primeiro dia tem ainda a exibição curta-metragem Jongo do Vale do Café, que conta as raízes do jongo e do local onde ele nasceu durante a escravidão. A direção é de Marcos André Carvalho. O dia se encerra às 17h,com uma roda de jongo.
Oficinas
Na sexta-feira (15), serão realizadas oficinas entre 10h e 18h, no Museu da República, no Catete, e na sede do Iphan RJ, no centro da cidade. A primeira, às 10h, vai ensinar a fazer um tambú, que é a arte de confecção do tambor de jongo.
Depois, às 11h30, é a vez de mostrar as igualdades e diferenças da dança do jongo e do caxambu. Na parte da tarde a terceira oficina, às 14h, vai tratar dos cantos e pontos, a forma musical como se comunicam os jongueiros e às 16h a oficina 4 trará Toques do tambú e candongueiro.
No último dia, sábado (16), vai ter mais um seminário no Teatro Carlos Gomes. O tema da primeira mesa, que começa às 10h30, é Políticas de Salvaguarda para o Jongo – Poder Público e parceiros. Ao meio dia, haverá uma homenagem às mestras e mestres de jongo e caxambu. Às 12h30, o lançamento e a estreia do curta-metragem Mestres do Patrimônio Imaterial do Estado do Rio, dirigido por Marcos André Carvalho.
“Tem mestres da ciranda caiçara da Costa Verde, do candomblé, do afoxé, do jongo e da umbanda. São mestres dessas tradições com seus depoimentos.”
Após a exibição, começa o cortejo, às 13h e às 14h, com a abertura da exposição fotográfica na Praça Tiradentes, no mesmo local das rodas de jongo das comunidades, a partir das 15h. O público vai se divertir com o grupo Samba de Caboclo e participações especiais. O encerramento está previsto para às 22h.
“É um momento histórico, realmente. Nunca 400 quilombolas de 18 quilombos ocuparam uma praça no centro do Rio. Vai ter fogueira, vão construir um altar com pretos velhos, as árvores da praça vão ser iluminadas”, revelou.
Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-08/encontro-de-jongueiros-transforma-praca-tiradentes-em-quilombo-no-rio