18 de agosto de 2025
Bancos privados descumprem regras do BC e se tornam alvo
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Bancos privados brasileiros vêm sendo acusados de permitir débitos automáticos ilegais em contas de aposentados do INSS, em operações que violam regras do Banco Central (BC) e expuseram milhares de clientes a cobranças indevidas. Levantamento inédito realizado pela plataforma Escavador, a pedido do portal UOL, identificou que o Bradesco concentra a maior parte das ações, seguido de Itaú e Santander.

Segundo a norma do BC em vigor desde 2021, apenas empresas financeiras autorizadas pelo órgão podem realizar débitos sem autorização prévia do cliente. No entanto, os bancos permitiram cobranças feitas por clubes de benefícios e por uma financeira não autorizada, a Paulista Serviços de Recebimentos e Pagamentos, localizada na Avenida Faria Lima, em São Paulo.

Débitos sem autorização e milhares de processos

A reportagem exclusiva do UOL identificou que o Bradesco processou débitos automáticos em favor dos clubes Sebraseg e Binclub sem autorização dos clientes. Além disso, Bradesco, Itaú e Santander permitiram cobranças da Paulista, contrariando a regra que exige autorização formalizada pelo correntista.

Em dez anos, Sebraseg, Binclub e Paulista foram alvo de ao menos 61 mil processos judiciais, sendo que 7 mil também incluem o Bradesco como réu. Os clubes de benefício, fundados em 2020, reconheceram irregularidades, afastaram diretores e prometeram devolver em dobro valores cobrados indevidamente.

O UOL analisou 100 ações judiciais envolvendo os bancos e as três empresas. Em nenhum caso foram apresentadas autorizações diretas dos clientes ou documentos que comprovassem os controles exigidos pelo BC. Em vez disso, as defesas alegam que não podem ser responsabilizadas por irregularidades cometidas pelas empresas. Em uma ação, advogados do Bradesco chegaram a comparar a acusação com “culpar o asfalto por um acidente de trânsito”.

Ganhos milionários com tarifas

As operações geraram receitas significativas para os bancos. Cada transação de débito automático pode render tarifas de até R$ 11 no Bradesco, R$ 8 no Santander e valores não divulgados no Itaú. Em um cenário de 100 mil aposentados pagando R$ 50 por mês, uma empresa poderia arrecadar R$ 60 milhões por ano, dos quais até R$ 13,2 milhões seriam destinados aos bancos em tarifas.

Para Alexandre Chaia, professor do Insper, o problema foi claro: “O banco deveria ter pedido ok do cliente. Teve uma falha. Alguém errou”.

O que dizem os bancos e a Paulista

O Bradesco e o Santander não responderam diretamente sobre os casos citados, limitando-se a afirmar que seguem as regras do BC. O Itaú informou que suspendeu os débitos da Paulista após reclamações de clientes, ressarciu os afetados e passou a exigir autorização. Não esclareceu, porém, se a revisão abrangeu todos os correntistas ou apenas aqueles que judicializaram a questão.

O Banco Central também não comentou o descumprimento da norma. Em nota, informou apenas que os bancos devem adotar “procedimentos e controles que confirmem a identidade do titular e assegurem a autenticidade da autorização”.

Já a Paulista, envolvida em 32 mil processos na última década, sustenta que atua em conformidade com as normas vigentes. A empresa cobra até R$ 10 por débito automático, repassando de 90% a 95% desse valor às instituições financeiras. Apesar de registrada como empresa financeira, não possui autorização do BC para operar débitos sem consentimento dos clientes.

Um sistema vulnerável

O esquema expõe falhas de proteção aos aposentados, que têm seus dados bancários utilizados por empresas sem autorização. Diferentemente da fraude investigada pela Polícia Federal — em que descontos eram feitos antes mesmo do depósito do benefício —, nesses casos as cobranças ocorrem diretamente na conta bancária.

As ações judiciais revelam um sistema em que bancos lucram com tarifas, empresas intermediárias acessam dados sensíveis e aposentados acabam arcando com prejuízos financeiros e emocionais.

Com a repercussão geral do tema e o aumento das denúncias, cresce a pressão para que o Banco Central e o Judiciário responsabilizem não apenas as empresas fraudulentas, mas também os bancos que, ao permitir os débitos, garantiram legitimidade a cobranças ilegais que atingiram milhares de aposentados em todo o país.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/bancos-privados-descumprem-regras-do-bc-e-se-tornam-alvo-de-acoes-por-debitos-automaticos-ilegais-em-contas-de-aposentados/