21 de agosto de 2025
GCM usa força desproporcional e gás de pimenta para despejar
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Artistas fazem manifestação em frente ao Teatro de Contêiner, na região central da capital paulista – Rafaela Araújo/Folhapress

Reintegração de posse atropelou negociação em curso e foi repudiada pelo Ministério da Cultura; espaço era referência de transformação social na região

O Teatro de Contêiner Mungunzá, localizado no centro de São Paulo, foi alvo de uma ação de reintegração de posse na última terça-feira (19). Abandonado por anos, o espaço localizado na rua dos Gusmões é sede da Cia Mungunzá desde 2017 e se tornou uma importante ocupação artística, cultural e social em uma região conhecida pela extrema vulnerabilidade das pessoas que por lá vivem e circulam.

Com 11 contêineres, o teatro foi vencedor de prêmios, realizou cerca de quatro mil atividades artísticas ao longo de nove anos e se tornou referência como ferramenta de transformação social na região.

Agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) retiraram à força e com uso de gás de pimenta artistas de um prédio anexo ao teatro, onde eram guardados equipamentos e pertences utilizados pelo Teatro de Contêiner. 

Imagens publicadas nas redes sociais mostram agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) entrando no prédio e retirando os artistas, com uso de força. Uma profissional que trabalha na companhia alerta um dos agentes que se aproxima dela. “Vocês são policiais? Não são? Não são nem policiais femininas.”.

Segundo Carmen Lopes, coordenadora do Coletivo Tem Sentimento, que também utiliza o espaço, os agentes quebraram as paredes do prédio para entrar no edifício onde fica o teatro. “Falaram que iam usar o prédio e a gente começou a tirar as coisas do local, e aí, quando fui ver, começou o tumulto, usaram spray de pimenta. Primeiro veio o pessoal da prefeitura e depois a GCM”, relatou.

Do lado de fora, pessoas protestaram contra a ação da GCM. “Covardes”, gritavam os manifestantes. “A gente tá sofrendo uma reintegração de posse truculenta aqui pelo governo do Estado de São Paulo querendo dizimar o Teatro de Contêiner Mungunzá porque simplesmente amanhã vai ter um evento aqui, que o governador e o prefeito vão e eles querem mostrar que a cracolândia acabou”, denunciou, em vídeo, o ator e produtor Marcos Felipe, integrante e um dos fundadores da Cia Mungunzá de Teatro.

Uma manifestação espontânea em repúdio ao ato dos agentes municipais foi realizada no início da noite e contou com a presença de artistas, lideranças políticas e apoiadores da causa, que permaneceram do lado de fora do prédio alvo da ação de despejo, mas dentro do terreno, como um ato de resistência.

O ator e cofundador da Cia Mungunzá de Teatro Leo Akio explica que existe uma disputa judicial em curso e que a companhia tenta negociar um prazo maior para a saída do local. Essas tratativas, segundo o artista, foram atropeladas pelo poder público. “O novo aviso que dava 15 dias de prazo irrevogáveis venceria na quinta-feira. A gente estava lutando por mais prazo, pedimos para parlamentares fazerem pressão, até para o governo federal ajudar. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, mandou um ofício para o prefeito Ricardo Nunes pedindo de 120 a 180 dias a mais”, conta.

Akio relata que a companhia também foi orientada a protocolar um pedido de dilação de prazo para dar força à negociação. “Isso foi feito hoje [nesta terça-feira], meio-dia, quando eram quatro horas da tarde, já tinha uma ‘mão oficial’ aqui com um processo falando que foi indeferido o nosso pedido, então já estava tudo meio organizado”, explica.

Em nota, o Ministério da Cultura (Minc) e a Funarte repudiaram a ação policial da GCM contra artistas do Teatro de Contêiner e da organização não governamental (ONG) Tem Sentimento, em um prédio anexo ao teatro, no centro da capital paulista.   

“O Ministério da Cultura e a Funarte manifestam veemente repúdio à ação policial empreendida pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo para retirar artistas do Teatro de Contêiner e membros da ONG Tem Sentimento de um prédio anexo ao terreno onde ficava o muro que cercava a Cracolândia, na Luz, região central de São Paulo, na tarde desta terça-feira (19)”.

O Teatro de Contêiner Mungunzá está instalado no local, pertencente à prefeitura, desde 2016. O pleito do grupo junto à prefeitura é que o terreno seja destinado à Secretaria de Cultura do município e que a pasta regularize a situação do teatro.

No entanto, a prefeitura pretende dar outra finalidade ao local, que é próximo da região da Cracolândia. “A área ocupada pelo grupo está dentro de um amplo projeto de revitalização da prefeitura, incluindo a construção de habitações e área de lazer”, informou a administração municipal, em nota.

A administração deu esta quinta-feira (21) como prazo final para a desocupação do espaço. No entanto, nessa terça-feira, a GCM começou a desocupar o prédio anexo ao teatro.

“A GCM realizou nessa terça-feira (19) uma operação na Rua dos Protestantes para a desocupação de um imóvel localizado ao lado do Teatro de Contêineres. O prédio, que está interditado e será demolido pela Prefeitura de São Paulo, foi invadido por um grupo de pessoas que utilizava um acesso clandestino feito a partir do terreno do teatro. Diante da invasão e da negativa para desocupação do imóvel, foi necessária uma intervenção por parte das forças de segurança”, disse a GCM, em nota.

O Teatro de Contêiner pediu à prefeitura a prorrogação do prazo para a desocupação de suas instalações. No entanto, não foi atendido pela administração municipal, que alega já ter dialogado com os artistas por um ano e oferecido dois outros espaços para a instalação do teatro. Os membros da companhia alegam que os locais ofertados não comportam a atividade teatral. 

A prorrogação de prazo também foi pedida pelo Ministério da Cultura, que ainda não recebeu resposta da prefeitura.

“Em ofício, até agora sem resposta, enviado ao prefeito Ricardo Nunes pela ministra da Cultura, Margareth Menezes e pela presidente da Funarte, Maria Marighella, foi solicitada a ampliação do prazo dado pela prefeitura para o despejo do coletivo artístico de sua sede, de modo a permitir que os entendimentos iniciados junto à Superintendência do Patrimônio da União para a busca de novo terreno pudessem resultar positivamente”, diz a nota do Minc.

Fonte: https://horadopovo.com.br/gcm-usa-forca-desproporcional-e-gas-de-pimenta-para-despejar-teatro-premiado-no-centro-de-sp/