A Ford deixou de fabricar seus veículos no Brasil há quase três anos, mas segue tendo o País como um dos principais mercados de seus produtos na América Latina. Em tão pouco tempo, vimos uma grande mudança no mercado. Agora, a bola da vez é a eletrificação. Diante disso, como será que a montadora americana enxerga o Brasil?
Para responder sobre o tema, o Olhar Digital conversou com Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford na América do Sul, que explicou quais são os objetivos da empresa por aqui. Ele também falou sobre tecnologia embarcada, vantagens e desafios dos elétricos.
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A Ford vai voltar a produzir no Brasil?
- Em 2021, a Ford encerrou sua produção em nosso País;
- Desde então, suas instalações passaram a ser disputadas, especialmente por montadoras chinesas;
- Um exemplo é a planta de Camaçari (BA), comprada pela BYD recentemente;
- Nessa linha, ele deixa claro que, por agora, não há planos de retorno ao Brasil neste momento. Mas, há algumas ressalvas importantes.
“A Ford não tem planos hoje de voltar a produzir no Brasil. Minha opinião é que, no futuro, à medida que o Brasil começar a promover essas tecnologias de eletrificação, conectividade, autônomas e semi-autônomas, você terá dinâmica de mercado muito diferente”, explica o executivo.
O vice-presidente da Ford na América do Sul, portanto, não descarta um retorno no futuro. “A Ford vai observar e ver as oportunidades. O mais importante de tudo é o consumidor. Preciso dar soluções de mobilidade e facilitar a vida do consumidor usando toda essa tecnologia”, diz.
Inovar para seguir vivo
Para o executivo da Ford, é preciso inovar para seguir no setor. Neste sentido, Golfarb compara o setor automotivo com o de tecnologia. Afinal, hoje, as montadores são, também, empresas tech. Ele cita como exemplo a Apple, que não prioriza fábricas próprias, pois foca na inovação e acaba terceirizando sua produção.
“Estamos em transformação global para que o carro seja produto de tecnologia. Somos líderes na Europa no segmento de vans há mais de dez anos; vans produzidas no Uruguai. A produção é toda terceirizada. E muito dessa liderança é dada ao foco no desenvolvimento do produto”, exemplifica.
Golfarb, porém, tem dúvidas sobre o futuro que a Ford deve seguir e frisa que o Brasil deve seguir produzindo internamente e não buscar a importação. “Quando eu olho daqui a dez anos, não sei se o caminho é a Ford produzir, ou outras montadoras produzirem. O Brasil tem que produzir. São coisas diferentes. O Brasil não pode abrir mão da produção local, da manufatura. Mas a empresa tem que usar caminhos muito diferentes”, crava.
“No setor automotivo, quem não inovar, não vai sobreviver. Vejo foco cada vez maior na inovação. Não sei dizer se estaremos ou não produzindo no Brasil. Mas eu gostaria que o centro de desenvolvimento de tecnologia que temos no País (em Tatuí, no interior de São Paulo) continue crescendo.”
Ele também prevê que montadoras, como a Ford, ficarão mais alinhadas às empresas de tecnologia: “Os mecanismos de produção também vão mudar. O setor automotivo ainda é muito focado na produção, mas isso está mudando. Veremos estruturas mais próximas no futuro, mais parecidas com as empresas de tecnologia”.
Tecnologia embarcada nos carros e sua importância para a Ford
O executivo exaltou as tendências no mercado de veículos atualmente, como a conectividade e tecnologia embarcada. Cada vez mais, o consumidor busca automóveis que possuam a maior quantidade de tecnologia embarcada possível e a melhor conectividade, de modo a se manter conectado ao que acontece fora do veículo enquanto dirige. Ouvir suas músicas, podcasts, notícias e mensagens passaram a ser praticamente essenciais a todos os que vão em busca de um carro.
Nessa linha, Golfarb aponta que esta é a direção que a Ford está seguindo atualmente, visto que toda essa conectividade e tecnologia interna depende de muito desenvolvimento de software e hardware.
“Há um lado mercadológico, de vender, mas, também, essa inovação exige muita engenharia e muito desenvolvimento de software. E nós resolvemos investir no Brasil exatamente nesta área. Nós temos o maior centro, com especialistas trabalhando em conceitos que vão chegar em 2030, 2035. O nosso modelo mudou. Nós temos fábricas na América do Sul, que abastecem o Brasil. E hoje nós oferecemos no Brasil um portfólio global, é o que oferecemos de melhor no mundo. Veículos a combustão, híbridos e elétricos”, detalha.
Nosso caminho é o da inovação e de aproveitar essa transformação tecnológica aqui no Brasil.
Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford na América do Sul, em entrevista ao Olhar Digital
Veículos elétricos no Brasil: há espaço para eles?
Nos últimos tempos, o Brasil passou a receber grandes quantidades de veículos elétricos, considerados o futuro do mercado automobilístico. Essa é uma questão ambiental e tecnológica. Inclusive, as últimas – e próximas – montadoras desembarcando por aqui, além de serem chinesas, ou focam 100% em elétricos, ou oferecem, também, modelos híbridos.
BYD, GWM, Neta, Jaecoo e Omoda são exemplos de montadoras (chinesas) que já estão aqui, ou que chegam ainda este ano, prometendo modelos elétricos e híbridos, visando conquistar o consumidor que anda em veículos flex.
“Hoje, o carro é um gerador de dados, tem tecnologias semi-autônomas, já existem carros andando autonomamente. Além disso, há o fato da conectividade e da eletrificação. Estamos em processo de transformação da mobilidade. É uma transformação das empresas, do produto e do comportamento do consumidor, que começa a perceber o benefício disso”, comenta Golfarb. Mas, onde a Ford se encaixa neste cenário?
“Nossa visão está no futuro. E esse futuro não é tão distante assim. Temos carros 100% elétricos andando aqui no Brasil, no mundo inteiro. Há cinco anos atrás, se eu falasse isso, talvez você pensasse que isso demoraria muito mais”, frisa o executivo.
Veículos elétricos: vantagens
Golfarb, assim como outros executivos do setor automobilístico, defende os veículos elétricos, apontando diversas vantagens que eles possuem se comparados aos veículos a combustão, como a dispensa de idas ao posto de combustível, sustentabilidade , eficácia energética, e mais.
“Quando você olha para o carro 100% elétrico, ele tem uma série de vantagens importantes. Até um terço a menos de peças e ele é muito mais eficaz energeticamente. O motor elétrico tem eficiência de 90%. De 100% da energia que entra nele, 90% ele usa para o movimento. O motor a combustão, os melhores deles, não passam de 30%. De toda energia do combustível, só 30% é usada. O resto, em geral, é calor. Quando a gente olha o mundo e o nome do jogo é energia limpa, o elétrico é muito mais eficaz”, explicou, ressaltando, contudo, que a energia deve ser “ambientalmente correta”.
“O Brasil tem matriz energética mais limpa e sol. Temos muito sol de norte a sul a maior parte do tempo. Quando você olha essas vantagens e o comportamento do consumidor, não ir a um posto de gasolina, é uma grande vantagem. Ninguém gosta de abastecer o carro no posto. Outra coisa, a manutenção do carro elétrico é muito mais fácil, é menos custosa. Você não troca óleo, não troca filtro. É mais barato fazer a revisão de um carro elétrico. Tudo isso mostra que esse carro tem muita aderência, muitas vantagens intrínsecas”, comenta.
“E há outra vantagem: os minerais das baterias são quase 100% recicláveis e sem perder quase eficiência. Então, num carro elétrico, você consegue a economia circular. Há muita coisa que direciona para o elétrico. Se você for ver, estamos na primeira, indo para a segunda geração de carros elétricos”, conclui.
Veículos elétricos no Brasil: desafios a vencer
Mas, como temos visto, o mercado de elétricos ainda enfrenta certa resistência e desafios a superar em nosso País. Golfarb também analisa o cenário, apontando que a tecnologia é cara, além de depender da melhoria das baterias e de postos de carregamento mais rápidos.
“O que falta? A tecnologia ainda é cara e, para isso, você precisa ter escala, o que está vindo aos poucos. E você precisa ter solução para a recarga. São duas maneiras: postos rápidos e a melhoria da eficiência das baterias. E a próxima geração de veículos virá com mais capacidade, mais quilometragem, velocidades de carregamento mais rápido. Isso já na próxima geração (algo em torno de quatro ou cinco anos). Essa é a curva das novas tecnologias”.
Ele explica como será a segunda geração dos veículos elétricos e o que é necessário ser melhorado para que eles sejam mais eficientes e mostrem que vieram para ficar:
“A próxima geração vai trazer, também, o seguinte: do ponto de vista aerodinâmico, os carros elétricos estarão muito sofisticados. A resistência ao vento, o arrasto, cresce ao quadrado da velocidade. Se você pegar um carro elétrico e andar na cidade, aquele anda e para, você não vai perceber a queda da carga tão rápido – porque, a cada vez que você freia, você regenera. Nas estradas, com viagens mais longas, com velocidades altas, essa resistência do vento cresce muito com a velocidade e drena a carga da bateria. Os carros elétricos precisam ser muito mais eficientes do ponto de vista da aerodinâmica”, opina.
E o futuro?
Golfarb ressalta a questão do sistema de recarga, que, para ele, precisa ser mais eficiente. No mundo, muitas montadoras e empresas vêm tentando melhorar nesse quesito, inclusive, utilizando-se de sistemas de dispositivos, como smartphones.
“Algumas montadoras têm trabalhado nessa questão da rede de carga. A parte mais interessante é o fato de que você tem grupos que estão se dedicando 100%, pois foram criados para fazer essa rede de recarga. Há fundos de investimentos vindo. Isso mostra que o segmento de carros elétricos têm atratividade do ponto de visto de consumo e investimento. Tive contato com empresas que estão investindo apenas em recarga rápida”, conta.
Ele também ressalta o crescimento da tecnologia de recarga em locais públicos. “O setor privado atua de maneira criativa. Você vai a restaurantes e shoppings com ponto de recarga, porque é bom para eles. Hoje, você tem prédios lançados já equipados com ponto de recarga. Então, a gente vê esse movimento acontecendo naturalmente na economia”.
“A grande barreira para o carro elétrico é custo e posto de recarga. Posto de recarga, a iniciativa privada dará conta à medida que o mercado cresce. E o custo vai cair. E, num futuro próximo, o carro elétrico pode ser inspiracional. Você pode não ter, mas deseja”, opina.
Golfarb lembra inclusive, de outras tecnologias, que, quando chegaram ao Brasil, eram muito caras e disponíveis apenas para um pequeno público:
“O carro elétrico conectado vai seguir o padrão de outras inovações que aconteceram no passado aqui no Brasil. Quando se falou em televisão colorida, era muito cara. Era para pessoas de alta renda, as conversas não eram tão diferentes dessa sobre carros elétricos. Para que você precisa? Preto e branco está bom! Quando você trouxe aparelho de celular, era uma fortuna. Mas, hoje, você não consegue encontrar uma pessoa sem smartphone. As pessoas aderiram porque existem vantagens claras no dia a dia. E o carro elétrico, para mim, segue o mesmo caminho. A tecnologia vai fazer com que caia o preço, a escala vai ajudar, e vamos ver os carros elétricos, aos poucos, por todos os cantos e ficando mais acessíveis com o tempo”, finaliza.
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