
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, chega ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a trama golpista em situação delicada: além de responder por acusações graves, corre o risco de perder parte dos benefícios obtidos em sua delação premiada firmada há dois anos com a Polícia Federal.
Cid fez história ao se tornar o primeiro militar a firmar um acordo de colaboração no Brasil, decisão tomada após a PF apertar o cerco contra seu pai, o general Mauro Lourena Cid, investigado pela venda irregular de presentes de Estado recebidos durante o governo Bolsonaro. Duas semanas após o general ser alvo de buscas, o então ajudante de ordens se apresentou à Polícia Federal, acompanhado de seus advogados, propondo delatar os bastidores do fim da gestão presidencial.
O pacto previa uma pena reduzida e proteção judicial a seus familiares. No entanto, o andamento da delação foi conturbado. Cid inicialmente omitiu informações relevantes, mudou de versão sobre personagens centrais e só mais tarde mencionou nomes como o do ex-ministro Walter Braga Netto. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), as contradições pesam contra o militar e devem limitar os benefícios do acordo.
A PGR acusa Mauro Cid de crimes como golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano ao patrimônio público e deterioração de patrimônio privado. O procurador-geral Paulo Gonet pede sua condenação e sugere redução de apenas um terço da pena, em contraste com a expectativa inicial da defesa, que buscava no máximo dois anos de reclusão.
Entre as acusações, está a participação em reuniões estratégicas com militares especializados para operacionalizar a ruptura institucional. Uma delas, em 12 de novembro de 2022, teria ocorrido na casa de Braga Netto, apontado como mentor de um plano chamado Copa 2022, que previa ações contra o ministro Alexandre de Moraes. Cid nega conhecimento do plano, e sua defesa classifica essa parte da denúncia como a mais frágil do processo.
Outro episódio citado ocorreu em 28 de novembro de 2022, quando Cid teria se reunido com militares das Forças Especiais, os “kids pretos”, para redigir uma carta pressionando o comandante do Exército a apoiar um golpe. A carta foi divulgada na internet no mesmo dia, mas Cid disse em depoimento que o encontro foi apenas “bate-papo de bar”, sem qualquer discussão sobre golpe de Estado.
A PGR apresenta visões divergentes sobre o papel do militar: em alguns trechos, descreve-o como “porta-voz de Jair Messias Bolsonaro”, sem autonomia decisória; em outros, como figura central e “decisiva” nos planos golpistas. A defesa insiste que ele atuava apenas como ajudante de ordens, sem influência real sobre os rumos da conspiração.
As omissões iniciais de Cid em sua delação, segundo Gonet, devem ser consideradas na hora de definir o benefício final. “A omissão de fatos graves, a adoção de uma narrativa seletiva e a ambiguidade do comportamento prejudicam apenas o próprio réu, sem nada afetar o acervo probatório desta ação penal”, afirmou o procurador-geral.
Os advogados de Cid rebatem, afirmando que ele só compreendeu plenamente a gravidade do que presenciou após a revelação dos planos pela PF. “A posição da Procuradoria-Geral da República ao entender que as informações trazidas pelo colaborador contribuíram efetivamente para os esclarecimentos dos fatos e dinâmica dos acontecimentos […] é manifestamente incompatível com o pedido de subtração dos benefícios ajustados no acordo”, conclui a defesa.
Assim, o julgamento no STF definirá não apenas a responsabilidade penal de Mauro Cid na trama golpista, mas também se ele manterá — em maior ou menor grau — os privilégios conquistados em sua delação premiada, um acordo que pode acabar se tornando um dos mais controversos da história recente.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/stf-pode-reduzir-beneficios-de-mauro-cid-e-colocar-em-xeque-primeira-delacao-militar-do-pais/