1 de setembro de 2025
Arthur Guinness completa 300 anos
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A “porter”, fabricada na Irlanda pela Guiness

JENNY FARRELL

Curiosidade: a Guinness, a bebida irlandesa por excelência, exportada para todo o mundo, teve origem nos pubs da classe trabalhadora do início do século XVIII em Londres. Conhecida como porter, esta cerveja escura foi inventada como uma alternativa acessível, nutritiva e consistente às misturas personalizadas que os clientes costumavam comprar. Seu nome veio de sua imensa popularidade entre os estivadores e carregadores do mercado de Londres. Fabricada com malte carbonizado e lúpulo extra, a porter era resistente o suficiente para longas viagens marítimas, tornando-a uma mercadoria perfeita para o império naval britânico.

Quando essa popular importação londrina chegou a Dublin, foi um sucesso instantâneo. Arthur Guinness, que havia comprado uma cervejaria abandonada em St. James’s Gate em 1759, não foi o primeiro fabricante local de porter — dublinenses como James Farrell, orientados pelo cervejeiro John Purser, formado em Londres, já a produziam em meados da década de 1770. Guinness adaptou-se rapidamente, fabricando porter a partir de 1778, abandonando as ales em 1799 e, a partir da década de 1820, seus sucessores comercializaram versões mais fortes como “stout porter” e, mais tarde, simplesmente “stout”. De qualquer forma, em 1779, Arthur havia garantido o lucrativo contrato com o Castelo de Dublin, assegurando o crescimento de sua cervejaria. O verdadeiro legado de Guinness foi copiar a porter em grande escala.

Nascido há 300 anos, Arthur Guinness (1725-1803) era um homem de raízes irlandesas indígenas cuja família se converteu ao protestantismo. Embora não fizesse parte da elite privilegiada, ele pertencia a uma classe média em ascensão que usava a educação, casamentos estratégicos e perspicácia comercial para avançar na sociedade colonial britânica. Ele se identificava como um patriota irlandês protestante — apoiador da emancipação católica e leal à Irlanda —, mas continuava sendo um empresário pragmático que trabalhava dentro do sistema para alcançar o sucesso.

Sua vida se desenrolou tendo como pano de fundo o Código Penal, um sistema abrangente de opressão destinado a impor o controle colonial que submetia a maioria católica à impotência política, ao estrangulamento econômico e à humilhação social. As leis impediam os católicos de votar, possuir propriedades valiosas, receber educação ou praticar sua fé livremente, reduzindo-os a uma servidão miserável. Esse caldeirão de opressão forjou uma identidade irlandesa resiliente e clandestina, com grupos de resistência secretos, cultura e aprendizado preservados em segredo por escolas clandestinas e padres.

As ambições comerciais da Guinness foram restringidas pela política colonial implacável da Inglaterra, que sistematicamente desmantelou a manufatura, o comércio e a indústria irlandeses por meio de legislação direcionada, como a notória Lei da Lã e outras. Exportações irlandesas prósperas, como lã, gado e produtos manufaturados, foram deliberadamente sufocadas para eliminar a concorrência, paralisando a economia e impondo a subserviência. Um Parlamento irlandês corrupto e pouco representativo, controlado por uma oligarquia fundiária e patronos ingleses, servia como um mero instrumento para a vontade de Londres. O resultado foi uma estrutura econômica projetada para reduzir a grande maioria da população à subsistência, onde inquilinos e trabalhadores sobreviviam com uma dieta precária de batatas enquanto produziam alimentos e matérias-primas para exportação. A fome era frequente. Como destacou a ironia cruel de Jonathan Swift, esse sistema permitia que os proprietários de terras “devorassem” o povo, criando uma nação perpetuamente à beira da inanição.

Swift, uma figura-chave do Iluminismo, empregou a razão e a sátira para ridicularizar o sistema colonial como canibalístico — mais notavelmente em A Modest Proposal (1729) — e delineou a necessidade imperativa de uma economia irlandesa indígena em obras como The Drapier’s Letters (panfletos publicados entre 1724 e 1725, sendo a quarta carta a mais famosa: A Letter to the Whole People of Ireland). Escrevendo sob o pseudônimo de um simples lojista, ele criou um herói nacional com quem o público se identificava, que galvanizou a opinião pública contra medidas exploradoras, como a cunhagem de moedas de cobre de baixa qualidade de William Wood. Swift contribuiu assim para forjar uma identidade nacional irlandesa, apelando para todas as classes e seitas, para “todo o povo da Irlanda”, unido contra um opressor comum. Em As Viagens de Gulliver (1725), Swift antecipa até mesmo uma revolução bem-sucedida na Irlanda. Isso setenta anos antes dos United Irishmen!

Tanto Swift quanto Guinness faziam parte da elite protestante, mas suas abordagens divergiam significativamente. Swift agia como uma consciência crítica, criticando o domínio colonial. Guinness, por outro lado, encarnava o patriarca benevolente. Sua filantropia — fornecendo assistência médica, apoiando hospitais como o Meath, cofundando a primeira escola dominical da Irlanda e, nas gerações posteriores, oferecendo pensões e moradia — era genuína em seu cuidado e pragmática em seu design. Uma força de trabalho saudável e leal era produtiva. Enquanto Swift envergonhava a elite por falhar com a Irlanda, Guinness oferecia um modelo de cuidado paternalista dentro do sistema existente, fornecendo soluções privadas para problemas públicos sem desafiar as desigualdades subjacentes.

Guinness praticava o pragmatismo patriótico. Ele se opôs às Leis Penais e apoiou o comércio mais livre e a independência legislativa para o Parlamento irlandês na década de 1780. Como membro do “Kildare Knot”, um ramo provincial da grande Ordem dos Irmãos Amigos de São Patrício, que se adornava com fitas verdes e emblemas irlandeses, ele se identificava firmemente como irlandês. No entanto, ele usou sua rede de contatos, sua participação no conselho e sua influência dentro do sistema – reforma, não revolução. Ele não apoiou a épica revolta dos United Irishmen em 1798; sua visão era de uma reforma eleitoral gradual. Ele se beneficiou do próprio sistema que gerou as queixas por trás da rebelião, e seus ideais progressistas permaneceram sentimentos, em vez de catalisadores de mudança.

Os esforços filantrópicos de Guinness estavam enraizados no ethos protestante das “boas obras”. Ele fez empréstimos significativos a instituições de caridade, recusou o reembolso e atuou como tesoureiro não remunerado do Meath Hospital por décadas. Os assinantes do hospital podiam enviar pacientes para tratamento, uma prática que beneficiava sua força de trabalho e prenunciava as clínicas formais posteriores da cervejaria. Essa abordagem combinava intenção caritativa com interesse próprio esclarecido, promovendo boa vontade e respeitabilidade social, ao mesmo tempo em que atendia a necessidades genuínas dentro das limitações da época.

O legado de Arthur Guinness é, portanto, duplo: ele foi um produto do sistema colonial cujas ações aliviaram parte de sua dureza, mesmo que, no final das contas, ele tenha mantido suas estruturas.

Fato chocante: de 1799 a 1939, a Guinness foi o maior empregador privado da Irlanda. Hoje, porém, a marca é propriedade da Diageo – uma multinacional britânica criada em 1997 através da fusão da Guinness plc e da Grand Metropolitan. Nesse processo, o outrora tão elogiado bem-estar dos trabalhadores da Guinness – moradia, assistência médica, pensões – foi gradualmente eliminado no final do século XX. Desde então, o histórico da Diageo tem sido de cortes de custos, fechamento de cervejarias e perda de empregos. Ela chegou a fazer parte do conselho do American Legislative Exchange Council (ALEC), ajudando a moldar leis tributárias e de responsabilidade civil favoráveis às empresas, antes de se retirar sob pressão pública em 2018. O que antes era uma cervejaria paternalista no coração de Dublin é agora uma multinacional anti-classe trabalhadora que prioriza os acionistas.

Jenny Farrell é professora e escritora em Galway, Irlanda.

Fonte: https://horadopovo.com.br/arthur-guinness-completa-300-anos/