
A proposta do governo federal de criar um Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) mínimo, em tramitação na Câmara dos Deputados, trouxe à tona novas discussões sobre a tributação dos mais ricos no Brasil. O projeto prevê a cobrança de um valor mínimo de imposto para compensar a faixa de isenção ampliada a quem ganha até R$ 5 mil mensais.
Segundo reportagem do jornal O Globo, um estudo do economista Sérgio Gobetti — assessor da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul e pesquisador licenciado do Ipea — mostra que um quarto dos cerca de 141 mil contribuintes de alta renda que deverão ser atingidos pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) mínimo se beneficiará do teto na tributação sobre os lucros. O chamado teto global é um mecanismo que considera tanto o imposto pago pela pessoa física quanto o recolhido no nível da empresa, via IRPJ.
Um grupo menor, equivalente a 2,5% desse total, se beneficiará integralmente desse teto, ou seja, não precisará pagar o IRPF mínimo por já arcar com o máximo possível no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
O teto global e a distorção brasileira
Em quase todos os países, os lucros são tributados tanto nas empresas quanto na pessoa física (sócios e acionistas). No Brasil, porém, os dividendos recebidos por pessoas físicas são isentos de IR. Nas empresas, a alíquota nominal é de 34% (IRPJ somado à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a CSLL).
Críticos da proposta do IR mínimo argumentam que o lucro já estaria excessivamente tributado no nível das empresas, e que cobrar mais na pessoa física representaria carga exagerada. Gobetti rebate essa ideia, lembrando que a alíquota nominal pouco corresponde ao que efetivamente se paga.
— A alíquota de 34% (no IRPJ e na CSLL) é uma ficção, uma alíquota para inglês ver — afirmou o economista.
Segundo ele, a carga real suportada pelas empresas fica entre 16% e 18%, em razão de regimes especiais como o Simples, incentivos fiscais e uma série de regras que reduzem a base de cálculo.
Maioria paga pouco imposto
Ao analisar os dados da Receita Federal de forma inversa, Gobetti concluiu que, se 26,5% dos contribuintes de alta renda se beneficiam do teto global, significa que os outros 73,5% estão recebendo dividendos de empresas que recolhem menos de 24% de IRPJ.
— Quem paga menos do que 24% não vai ter refresco nenhum (por causa do teto global) — disse. — A grande maioria está pagando menos do que 24% (de IRPF).
A análise reforça a percepção de que o sistema tributário brasileiro é pouco eficaz na cobrança de impostos sobre os muito ricos, já que a maior parte consegue estruturar sua renda de forma a reduzir significativamente a carga fiscal.
Comparação internacional
As conclusões de Gobetti vão ao encontro de um estudo apresentado em Brasília pelo economista francês Gabriel Zucman, referência mundial na análise da desigualdade. Em colaboração com a Receita Federal, a pesquisa mostrou que os brasileiros com renda anual acima de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões) pagam, em média, apenas 20,6% de seus rendimentos em tributos.
A título de comparação, a população em geral arca com uma carga total de 42,5% da renda, considerando impostos sobre consumo, patrimônio, contribuições previdenciárias e tributos sobre a renda.
A diferença escancara um dos principais pontos de crítica ao sistema brasileiro: enquanto a classe média e os mais pobres sofrem com alta carga sobre o consumo e o trabalho, a elite econômica consegue se beneficiar de brechas legais para manter sua tributação em patamares reduzidos.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/super-ricos-pagam-cerca-de-20-de-impostos-no-brasil-enquanto-trabalhadores-arcam-com-o-dobro-diz-estudo/