5 de setembro de 2025
Empresários da CNI em Washington ficam ‘constrangidos’ com a presença
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Ao menos seis empresários e representantes setoriais brasileiros relataram desconforto diante da presença do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do comentarista político Paulo Figueiredo no hotel em que parte da delegação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) está hospedada em Washington. A informação é da colunista Mariana Sanches, do portal UOL.

O grupo empresarial, com cerca de 130 integrantes, tenta negociar tarifas impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, mas foi surpreendido pela circulação da dupla, que defende abertamente sanções contra o país.

Café da manhã inesperado

Na manhã desta quinta-feira, Eduardo e Figueiredo conversaram no café do hotel com um empresário supostamente ligado ao setor da pesca. A Abipesca, no entanto, negou qualquer encontro com eles. Nos bastidores, mensagens em grupos de WhatsApp mostravam especulações sobre quem teria convidado o deputado, mas a identidade dos anfitriões permaneceu desconhecida até o fim do dia.

“Não foi a CNI que nos chamou. Foram cinco empresários, encontramos com alguns ontem e fizemos um café da manhã menor hoje. Mas não faz sentido dizer quem são, não vamos expor”, disse Figueiredo. Ele contou que Eduardo teria condicionado sua participação a conhecer a lista de empresários presentes, o que não ocorreu. Por isso, a conversa ficou restrita a um grupo reduzido de empreendedores já conhecidos do deputado.

Críticas e constrangimento

A presença de Eduardo gerou incômodo entre os industriais. “É algo que não tem nem sentido, né?! Não foi ele [Eduardo] quem criou o problema? Agora vai aparecer aqui para vender solução?”, questionou um representante de empresários do Sudeste. Outro classificou a situação como “estranhíssima”. Nenhum dos ouvidos pela reportagem defendeu a participação do parlamentar.

Eduardo e Figueiredo têm articulado junto à administração de Donald Trump a adoção de sanções contra o Brasil, sob o argumento de que elas poderiam pressionar por uma anistia a Jair Bolsonaro e aliados. A carta em que Trump justificou o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros ecoa esse discurso, ao classificar os processos contra o ex-presidente como “caça às bruxas”.

CNI tenta blindar comitiva

Ricardo Alban, presidente da CNI, disse que a delegação foi organizada para excluir qualquer viés político e se concentrou em empresários. Nem mesmo técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) foram incluídos, apesar de pedidos para integrar a viagem.

“Por que é que nós vamos perder a razão, para quê vamos misturar alhos com bugalhos? A visita dos senadores [brasileiros, há algumas semanas] era política, queríamos fazer uma visita empresarial”, afirmou Alban. “Eu sei que a CNI não convidou [Eduardo], mas não sei se alguém convidou porque tem relação pessoal”, completou.

Política pesa mais que negócios

Apesar do esforço de blindagem, a política dominou as conversas oficiais. A delegação foi recebida no Departamento de Estado, no Departamento de Comércio e no USTR (Representante Comercial dos EUA). O consultor da CNI e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Roberto Azevêdo, afirmou que os estadunidenses colocaram o aspecto político como “prioritário” em todas as reuniões.

“Ficou claro que a dimensão política é muito importante, uma espécie de chave para que possamos desenvolver soluções concretas [para o tarifaço]”, disse Azevêdo. Segundo ele, a carta de Trump foi citada repetidamente, e não há perspectiva de redução das tarifas no curto prazo.

Na correspondência enviada a Lula, Trump listou o processo contra Bolsonaro e decisões do STF sobre big techs como justificativas para as medidas. O governo dos EUA condiciona negociações a esses pontos, enquanto o Palácio do Planalto afirma que não negociará sobre a independência do Judiciário e a soberania nacional.

Alternativas apresentadas pelos empresários

Para tentar abrir espaço de diálogo, a CNI apresentou aos estadunidenses propostas em três frentes: exploração de minerais críticos, como terras-raras; ampliação da cooperação no mercado de etanol e combustíveis sustentáveis de aviação (SAF); e a instalação de data centers no Brasil com energia renovável.

“É um governo que pensa fora da caixinha, então nós também temos que pensar”, afirmou Alban.

Mesmo assim, Azevêdo reconheceu que os EUA não demonstraram clareza sobre prioridades em relação ao Brasil. “Eu fiz a pergunta a eles: ‘Quais são as áreas de interesse de vocês?’ E essa resposta não foi muito clara”, relatou.

Entre elogios às propostas e entraves diplomáticos, a presença inesperada de Eduardo Bolsonaro acabou se tornando o episódio mais comentado da viagem, expondo o embaraço entre empresários que tentavam, justamente, evitar a contaminação política da missão.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/empresarios-da-cni-em-washington-ficam-constrangidos-com-a-presenca-de-eduardo-bolsonaro/