
Um artigo publicado no periódico científico Journal of Geophysical Research: Oceans descreve uma pesquisa baseada em simulações de modelos climáticos que sugere que a principal corrente do Atlântico começará a entrar em colapso dentro de três décadas.
Conhecida como Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), essa corrente oceânica é um dos sistemas mais importantes do planeta, responsável por redistribuir calor entre os hemisférios e manter o equilíbrio climático global.
Em resumo:
- Pesquisas indicam que a corrente AMOC pode colapsar rapidamente;
- Esse sistema regula o clima global redistribuindo calor oceânico essencial;
- Modelos climáticos sugerem colapso entre 2055 e 2063, dependendo das emissões;
- Formação de águas profundas no Atlântico Norte já mostra enfraquecimento;
- Consequências incluem invernos severos, monções alteradas e nível oceânico elevado;
- Cientistas defendem reduzir emissões imediatamente para evitar um desastre climático futuro.
Liderado por René van Westen, pesquisador de pós-doutorado em física climática da Universidade de Utrecht, na Holanda, o estudo afirma que ela está se aproximando de um ponto crítico, que pode ser atingido em 2055.
Isso significa que, dependendo da quantidade de gases de efeito estufa lançados na atmosfera, essa corrente pode perder estabilidade e começar a colapsar em cerca de 30 anos. Esse processo teria efeitos profundos sobre o clima, alterando temperaturas, regimes de chuva, a agricultura e até o nível do mar em várias regiões do mundo.
Cenário é pouco provável, mas alarmante
De acordo com os cálculos, isso deve acontecer se as emissões de carbono dobrarem até 2050. Esse cenário é considerado pouco provável, mas ainda assim alarmante. Mesmo em um quadro mais realista, no qual as emissões se mantenham próximas às atuais nesse período, o risco continua elevado. Nesse caso, segundo o último relatório climático da ONU, o início do colapso aconteceria em torno de 2063, mesmo se o aquecimento global ficar em 2,7°C acima dos níveis pré-industriais.
Um estudo separado, publicado na revista Environment Research Letters, estima que a chance de a AMOC entrar em colapso neste século chega a 50%. Liderada pelo oceanógrafo Sybren Drijfhout, também da Universidade de Utrecht, essa pesquisa revela que cenários de alta emissão (cerca de 4,4°C de aquecimento até 2100) sempre resultaram em colapso. Até mesmo modelos que mantêm o aquecimento abaixo de 1,5°C, conforme previsto pelo Acordo de Paris, apontaram falhas na estabilidade dessa corrente.
A equipe de van Westen analisou 25 modelos climáticos diferentes. Eles desenvolveram um indicador específico para prever com mais precisão quando a AMOC poderia atingir um ponto de inflexão. Diferente de métodos anteriores, baseados em temperaturas da superfície do mar, esse indicador se apoia na própria dinâmica da circulação oceânica, fornecendo sinais mais claros de instabilidade.

Um dos pontos-chave foi investigar a formação de águas profundas no Atlântico Norte. Esse processo acontece quando a água superficial esfria, fica mais salgada e densa, e desce para o fundo do oceano. Esse afundamento é o motor que mantém a AMOC ativa, empurrando correntes que percorrem o oceano até o Hemisfério Sul. Se essa formação diminui ou para, a circulação perde força e pode entrar em colapso.
Atualmente, esse mecanismo já mostra sinais de enfraquecimento. O ar mais quente no Atlântico Norte dificulta a perda de calor da água, enquanto o derretimento acelerado do gelo do Ártico adiciona água doce ao mar, reduzindo a salinidade e tornando a água menos densa. Esses fatores combinados reduzem a capacidade da água de afundar, comprometendo a estabilidade da AMOC.
Os pesquisadores identificaram o chamado fluxo de flutuabilidade da superfície como um indicador eficaz. Esse parâmetro mede como calor e salinidade influenciam a densidade da água e pode ser acompanhado por satélites e instrumentos oceânicos. Segundo van Westen explicou ao site Live Sicence, o fluxo se manteve estável até 2020, mas desde então começou a indicar sinais de enfraquecimento.
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Altas emissões aceleram colapso da Circulação Meridional do Atlântico
A pesquisa também mostra que cenários de altas emissões aceleram o colapso. Já trajetórias de emissões intermediárias apenas adiam o problema, sem eliminá-lo. “Um cenário de colapso da AMOC pode ser evitado ao seguir um cenário de baixa emissão”, disse van Westen, ressaltando que isso exigiria atingir emissões líquidas de carbono zero por volta de 2050, através de mudanças profundas na produção de energia, no transporte e no uso de recursos naturais.
De acordo com o artigo, as consequências de um colapso seriam dramáticas. A Europa enfrentaria invernos mais rigorosos, tempestades intensas e quedas na produção agrícola que poderiam chegar a 30%. O noroeste europeu teria temperaturas muito mais baixas e menos chuvas, impactando diretamente a vida de milhões de pessoas. Já nos EUA, o nível do mar subiria nas costas leste, aumentando os riscos de inundações.

Regiões distantes do Atlântico também seriam afetadas. Os sistemas de monções na Ásia e na África, por exemplo, poderiam sofrer mudanças drásticas. Isso significaria secas mais intensas em alguns locais e chuvas excessivas em outros, com efeitos graves sobre a produção de alimentos e a segurança de bilhões de pessoas.
A gravidade da situação já desperta alertas políticos. O comissário europeu para o clima, Wopke Hoekstra, compartilhou as informações desse estudo em uma publicação no LinkedIn reforçando sobre a possibilidade de colapso da Corrente do Golfo, parte da AMOC, ainda nesta geração. Ele destacou que os dados representam um sério aviso climático e reforçam a urgência de acelerar as ações contra o aquecimento global.
Embora o risco seja grande, os cientistas ressaltam que os efeitos não seriam sentidos de forma imediata. O processo de enfraquecimento levaria décadas até provocar mudanças radicais, e a transição completa pode levar mais de 100 anos.
Já Drijfhout alerta que o prazo pode ser menor. “A AMOC é como uma fogueira com cada vez menos combustível. Se pararmos de jogar novos blocos de madeira no fogo, o fogo não se apaga imediatamente, mas continua queimando lentamente por algum tempo”, disse ele. “Para a AMOC, esse ‘tempo de queima lenta’ é de cerca de 50 anos.”
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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/09/05/ciencia-e-espaco/principal-corrente-do-atlantico-pode-comecar-a-colapsar-em-30-anos/