
Exatos 31 dias após a decisão da Casa Branca de elevar de 10% para 50% a tarifa de importação sobre diversos produtos brasileiros, o impacto já é mensurável. A medida, em vigor desde 6 de agosto, atingiu mais da metade da pauta exportadora nacional, provocando forte retração nas vendas externas e forçando a realocação da produção para o mercado interno.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) apontam que as exportações brasileiras para os Estados Unidos caíram 18,5% em agosto, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Setores como café, carnes, madeira, frutas, pescados e alumínio estão entre os mais afetados.
Resignados a prateleiras tropicais
Sem espaço no mercado estadunidense, produtores e indústrias buscam alternativas. O Brasil já iniciou tratativas com novos parceiros: uma missão foi enviada ao Japão para negociar a abertura ao mercado da carne bovina, enquanto o vice-presidente Geraldo Alckmin liderou uma comitiva ao México, que se tornou o segundo maior comprador da proteína brasileira. A China também sinalizou interesse em importar café, gergelim e farinha de aves e suínos.
Ainda assim, especialistas apontam que negociações com novos mercados não trazem resultados imediatos. “Por enquanto, a solução é voltar a produção ao mercado interno. E, por conta da desaceleração da economia, a única forma de fazê-lo é pela queda de preços”, explicou Robson Gonçalves, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), à CNN.
Segundo levantamento da Scanntech, entre julho e agosto os preços caíram: frango recuou 5,7% (R$ 17,33/kg), café 4,6% (R$ 76,40/kg), carne suína 1,3% (R$ 23,05/kg) e bovina 0,8% (R$ 34,58/kg). Apenas o pescado destoou, com alta de 2% (R$ 34,43/kg), reflexo do aumento sazonal da demanda no segundo semestre.
“O aumento da oferta interna começa a pressionar os preços no varejo brasileiro. O consumidor sente alívio no curto prazo, mas isso gera uma preocupação em cadeia para produtores e indústrias”, destacou Thomaz Machado, CEO da Scanntech. Eduardo Lobo, presidente da Abipesca, acrescenta: “O setor conseguiu realocar parte da produção e segurar outra. Como no segundo semestre há um notório aumento na demanda do produto no Brasil, isso explica o aumento registrado”.
Setores contaminados de pessimismo
Além da pressão nos preços, a confiança da indústria exportadora despencou. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra queda significativa no índice nos últimos dois meses, reflexo do cenário de incerteza.
Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), resume: “Incerteza”. O dirigente falou à CNN durante viagem a Washington, onde integra uma comitiva de 141 empresas e entidades organizada pela CNI. “Frente às questões políticas, a missão empresarial tenta separar essa pauta e focar no econômico e técnico. É muito importante tentarmos a construção de pontes junto ao governo.”
Luz no horizonte longínquo
O professor Robson Gonçalves avalia que a medida adotada pelos EUA segue uma lógica “definitivo-provisória”. “Casos como da China, Índia e até do próprio Brasil, com todas suas exceções, mostram que nada é cravado em pedra”, afirmou.
No curto prazo, os preços devem seguir em queda no mercado interno, mas há expectativa de que a reconfiguração da ordem mundial abra novas oportunidades comerciais. Mesmo nos EUA, alguns produtos brasileiros ainda encontram compradores dispostos a absorver os preços elevados.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou na semana passada que as importações pelos EUA de carne brasileira aumentaram, sinal de que parte do mercado resistiu ao tarifaço.
Ainda assim, especialistas defendem que o Brasil use a crise como catalisador de mudanças. “Isso faz parte de um processo de dinamização do mercado brasileiro. É uma movimentação que o Brasil deveria ter feito 30 anos atrás”, diz Robson. “Talvez nossas carnes, pescados, frutas e derivados possam encontrar novos mercados. Se conseguirmos resistir ao longo de dois anos, o saldo pode ser bastante positivo.”
Fonte: https://agendadopoder.com.br/apos-um-mes-tarifaco-dos-eua-derruba-exportacoes-brasileiras-e-forca-queda-de-precos-no-mercado-interno/