
Há concertos ao vivo que marcam a trajetória de uma banda e a sua relação com um determinado país. Para os Parcels, banda australiana parcialmente radicada em Berlim, um desses casos foi o concerto que deram na edição de 2019 de Paredes de Coura, em que praticamente ninguém que estava no anfiteatro natural do emblemático festival português ficou indiferente ao espetáculo dançável e carismático que o grupo deu.
A verdade é que a música dos Parcels, familiar, acolhedora e energética — por vezes tudo ao mesmo tempo — é fácil de agradar, facilitando um ponto comum entre diferentes fações de melómanos que se unem num concerto ao vivo. Pode argumentar-se que outros artistas fazem ou já fizeram o mesmo, mas a reconfiguração contemporânea de géneros como o funk, rock e pop dos anos 70 e 80 dos Parcels é divertida, despretensiosa e feita com gosto.

No âmbito da atuação dos Parcels no Primavera Sound Porto 2025 (a quinta passagem da banda por Portugal), tivemos oportunidade de nos sentarmos com Jules Crommelin, guitarrista e vocalista da banda, e com o teclista Louie Swain, para uma pequena conversa sobre o seu próximo álbum, o seu processo criativo e sobre as suas atuações ao vivo muito celebradas — sendo que o espetáculo do Primavera Sound não foi exceção, pois os Parcels tocaram para uma das maiores e mais entusiastas plateias do festival.
Como é que o vosso próximo álbum [que sai a 12 de Setembro] encaixa nos vossos lançamentos e na narrativa da vossa carreira?
Jules: Essa é uma grande questão. Acho que não sei. Tenho dito que talvez seja o completar de um ciclo. Estamos a voltar ao início, de certa maneira, e a completar 10 anos desde que estamos juntos. Também estamos a referenciar-nos a nós mesmos de alguma forma.
Louie: Normalmente, percebo que não faço ideia daquilo que um álbum [nosso] é até muito tempo depois de o termos lançado; nessa altura é mais fácil entender onde encaixa. Mas este… sim, acho que é o fechar de um ciclo e às vezes sinto que é o segundo álbum que nunca fizemos.
Como é que o descreveriam a alguém que nunca o ouviu?
Jules: Diria que é muito alegre. Há muita alegria nele e é bastante animado. Diria que soa orgânico, muito “ao vivo”. Sinto que é o mais próximo que chegámos de juntar uma gravação de estúdio e os nossos concertos ao vivo numa única embalagem.
O mundo não está muito alegre hoje em dia. Esta música é uma reação a isso? Ou os eventos mundiais não permeiam a vossa música?
Jules: Não penso muito nisso quando estou a fazer a música, mas acho que também é uma reação a isso, para mim mesmo. Fazer música é como regressar à Natureza e àquilo que é inato. Há algo inerentemente positivo na Natureza e na música.
Louie: Nós também costumamos usar a música como uma forma de escapar e de nos distrairmos do mundo. De certa forma, reflete os tempos que vivemos no sentido de providenciar o escape que algumas pessoas possam precisar.
Vocês gravaram o próximo álbum em muitos lugares diferentes no mundo. Como é que estes lugares influenciaram o disco? Tiveram dificuldades em manter a coesão?
Jules: Cada estúdio em que trabalhámos soava muito diferente dos outros. Mas, para este álbum, nós chegávamos com uma nova confiança de que podemos soar a nós mesmos e soar bem em muitos contextos diferentes. Trouxemos isto e, nas fases mais tardias do processo, conjugar tudo foi meio que um novo passo criativo para este álbum, que acabou por ajudar.
Como é que a ideia de lançar diferentes versões da “Leaveyourlove” surgiu? Em particular a versão com a MARO, porque acaba por ser mais especial para nós.
Jules: Simplesmente perguntámos às pessoas quem queria fazer parte desta experiência, na Internet. Não me lembro do nascimento da ideia.
Louie: Como cada um dos rapazes [da banda] tem o seu próprio verso na música, pareceu-nos fácil trazer outra voz para, de certa forma, completar a canção. À medida que pensávamos em pessoas que gostaríamos que cantassem connosco, começaram a surgir muitas ideias ótimas e então começámos a enviá-la. A versão original da ideia era ter uma mega-edição da canção que durasse 15 minutos, com todas estas diferentes pessoas a cantar versos.
Vocês já conheciam a MARO?
Louie: Ela publicou uma das nossas canções no seu Instagram, a certa altura, por isso já a conhecíamos dessa forma. Mas acho que também temos a mesma agente. Penso que a Clem [Clementine Bunel, agente da banda] nos disse para falarmos com ela, porque sabia que ela era fã nossa e achou que nos daríamos bem.
O que é que vos atrai no som e na estética retro?
Jules: Na verdade, eles repelem-me hoje em dia. [risos]
Louie: Já não podemos escapar deles. [risos]
Jules: Sinto-me bastante afastado deles, mas acho que, com este disco, não estávamos a referenciar coisas antigas diretamente. É simplesmente aquilo que temos construído: o som dos Parcels é guitarra, baixo, teclas e bateria, e a maneira como tocamos é baseada nisso mesmo, que é a origem de onde começámos. Mas estávamos completamente dispersos em termos de influências para este álbum. Há uma vibe de Katy Perry por ali… [pergunta ao Louie] qual é a era? 2008?
Louie: Katy Perry de 2008 influenciou-nos particularmente.
Jules: Produções do Max Martin. [risos]
Louie: Um pouquinho disso, um pouquinho de rock clássico… alguns sentimentos de Green Day aqui e ali. Coisas com as quais crescemos, mas um pouco mais tardias do que as coisas dos anos 70 e 80 que eram essenciais para o nosso som também.
Como é o vosso processo de combinar os contributos individuais de cada membro da banda, para garantir que toda a gente se sente ouvida?
Jules: Nós escrevemos de forma separada, principalmente. O Pat [Hetherington], o Noah [Hill] e eu escrevemos canções nos nossos quartos e depois, em conjunto, desenvolvemos aquelas de que mais gostamos e que fazem sentido. Depois juntamo-nos numa sala e rearranjamo-las juntos como uma banda ao vivo, desenvolvendo mais as ideias se for preciso.
Vocês parecem funcionar muito como uma entidade única e disseram em entrevistas passadas que, se algo não está certo, a banda não funciona. É difícil manter o espírito quando passam tanto tempo juntos, durante períodos de gravação ou digressões?
Louie: Às vezes, mas acho que isso é a essência de estar numa banda. É este equilíbrio de personalidades, opiniões, gostos e, eventualmente, vidas que precisam de se equilibrar entre si. Acho que fazemos um muito bom trabalho no que toca às nossas relações de trabalho, à relação de banda e às amizades.
Eu não tenho uma banda, por isso, visto de fora, soa tudo bastante místico. Parece um tipo muito específico de relação.
Louie: É meio místico, mas também é como… Imagina uma relação, mas imagina também trabalhares com o teu parceiro.
Jules: Multiplicado por 5. [risos]
É difícil para vocês equilibrar a improvisação e as versões de estúdio nos concertos ao vivo? Tendem mais para um lado ou para o outro?
Jules: Quando nós tocamos algo ao vivo, muda sempre. Isso é algo que nós estabelecemos para nós mesmos. Ficamos rapidamente aborrecidos se tocarmos sempre o arranjo como foi feito inicialmente, por isso continuamos a evoluir e a mudá-lo. Nós não andamos a improvisar muito, para ser sincero, estamos bastante certinhos. [risos]
Louie: Não diria que estamos a improvisar no sentido de cada um ter o seu solo e estendermos [as canções] loucamente. Nós realmente funcionamos como uma unidade quando estamos a fazer um som, e é assim, isso pode estender-se ou adaptar-se a certas situações porque estamos a tocar tudo ao vivo. Mas sim, nós gostamos de soar bem ensaiados.
Vocês lembram-se do concerto que deram em Portugal há seis anos, no Festival Paredes de Coura? Eu estava no público e houve um momento em que estavam a sintonizar um rádio, pararam numa estação e toda a gente começou a cantar a canção que estava a tocar [“Encosta-te a Mim”, do Jorge Palma]. Isso foi bastante especial para nós, como público. Aliás, vocês foram o destaque do festival na altura. Como foi para vocês do outro lado, como banda?
Jules: Eu realmente lembro-me desse festival e desse concerto, o que é dizer muito para mim, porque tenho uma memória terrível. [risos] Foi um espetáculo muito especial e senti que fomos mesmo bem recebidos aqui, o que é ótimo e, provavelmente, a razão pela qual estamos aqui hoje.
O que é que vocês querem que o público sinta durante os vossos espetáculos ao vivo?
Jules: A experiência de ver um espetáculo ao vivo é uma espécie de jornada, na qual nós estamos a tentar levar as pessoas. Esperamos que sintam alguma libertação através da dança e que se sintam bem.
Louie: Acho que tentamos capturar aquela sensação de quando íamos a concertos enquanto crescíamos e sentíamos que tudo isto é maior que a vida e ligado a algo extraordinário.
Jules: Ir a festivais enquanto adolescente foi algo que me formou bastante como pessoa. Eu ia a festivais na Austrália e fiquei bêbedo pela primeira vez… tantas primeiras vezes: talvez beijar uma rapariga pela primeira vez, a primeira vez que fumei erva foi num festival…
Louie: Mas também apaixonares-te por uma banda ou um artista e pensares “uau, esta pessoa/grupo é ótimo/a!”.
Jules: Se conseguires chegar à banda. [risos] Muitas distrações.
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/costumamos-usar-a-musica-como-uma-forma-de-escapar-e-de-nos-distrairmos-do-mundo/