10 de setembro de 2025
Debate sobre anistia reacende em meio ao julgamento de Bolsonaro
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Enquanto o Supremo Tribunal Federal julga o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, parlamentares da oposição articulam a votação de uma proposta de anistia “ampla, geral e irrestrita” aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. A iniciativa, no entanto, se insere em uma longa tradição brasileira de concessão de anistias, pelo menos 80 desde a Independência, segundo levantamento da Agência Senado.

O cientista político Alessandro Costa, professor de direito constitucional do UniCeub, avalia que há uma recorrência histórica: “uma tradição cíclica de anistias no Brasil, um padrão que reflete a instabilidade política crônica do país, onde o perdão legal é usado como válvula de escape para crises, em vez de resolução estrutural”.

Durante o Império, medidas de perdão foram aplicadas em conflitos como a Confederação do Equador (1824) e a Balaiada (1838-1841), pacificando elites regionais. Na República Velha, insurgências como a Revolta da Armada (1893) e os movimentos tenentistas dos anos 1920 também foram anistiados. Já no século XX, Getúlio Vargas recorreu a anistias durante o Estado Novo, e a ditadura militar (1964-1985) aprovou a Lei da Anistia em 1979. Após a Constituição de 1988, novas concessões continuaram, inclusive em casos de greves, crimes eleitorais e demandas de servidores públicos.

“Essa frequência revela um Estado que prioriza a conciliação sobre a accountability, perpetuando ciclos de impunidade que enfraquecem instituições. Positivamente, anistias facilitaram transições em contextos da nossa história, como o fim do exílio de figuras como Jango (João Goulart) ou Brizola; negativamente, elas inibem a memória histórica e a prevenção de abusos, tornando o Brasil um ‘país sem memória’, como alertam historiadores. Em suma, essa tradição é um sintoma de fragilidade democrática, onde o perdão é ferramenta de poder, não de justiça, e deve ser reformulada para priorizar direitos humanos e transparência”, frisa Alessandro.

Estratégia política

Para Alessandro Costa, a atual movimentação no Congresso, puxada por deputados do PL e aliados de Bolsonaro, tem caráter estratégico: “um movimento político calculado para mobilizar a base bolsonarista e testar a força do ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso, em um momento de vulnerabilidade jurídica para ele”.

O projeto em discussão busca perdoar crimes cometidos desde 2019, incluindo os previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal (abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe), além de depredação de patrimônio público. A proposta alcançaria não apenas os invasores do 8 de janeiro, mas também o próprio Bolsonaro, restaurando sua elegibilidade.

“Em meio ao julgamento do ex-presidente Bolsonaro no STF, que retomou nesta terça-feira (9 de setembro de 2025) com votos como o do ministro Alexandre de Moraes pela condenação por tentativa de golpe de Estado, potencialmente somando mais de 30 anos de pena, essa proposta surge como uma contraofensiva política a uma questão eminentemente jurídica. Possivelmente inspirada no indulto concedido por Donald Trump aos envolvidos no ataque ao Capitólio em 2021, ela reflete uma tática de polarização, priorizada pela oposição no segundo semestre, mas que enfrenta resistência do governo Lula, que monta operações para barrá-la no Congresso”, analisa o professor.

“Historicamente, anistias no Brasil serviram para transições, mas aqui parece mais uma busca por impunidade seletiva, o que pode enfraquecer a accountability democrática e incentivar futuras rupturas institucionais. Se aprovada, inevitavelmente seria questionada no STF por violar princípios como a proibição de anistia a crimes contra a ordem constitucional”, acrescenta Alessandro.

Aspectos jurídicos

O advogado e doutor em direito constitucional Guilherme Barcelos lembra que a anistia é uma das modalidades de perdão previstas na Constituição, de competência exclusiva do Congresso Nacional. Já a graça e o indulto cabem ao presidente da República.

“Enquanto a anistia é prerrogativa do Congresso, a graça e o indulto são prerrogativas do presidente da República. A anistia, de igual maneira, se volta a fatos. Já a graça e o indulto se voltam a pessoas, determinadas ou determináveis. A graça é individual, voltando-se a uma pessoa determinada. Já o indulto é coletivo, voltando-se a pessoas determináveis”, explica Guilherme.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, afirmou que ainda não há definição sobre a inclusão do projeto na pauta. Ele disse estar ouvindo os líderes partidários sobre o tema.

A memória da Lei da Anistia de 1979

A Lei da Anistia, sancionada em 1979, foi considerada fundamental para a transição da ditadura para a democracia. Beneficiou tanto opositores do regime — como Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes — quanto agentes do Estado responsáveis por tortura e desaparecimentos.

“Embora tenha sido a pavimentação de um caminho democrático, também permitiu a impunidade de violações de direitos humanos, levando muitos historiadores e cientistas políticos a encará-la como um pacto elitista que sacrificou a justiça pela estabilidade, preparando o terreno para a redemocratização, mas deixando feridas abertas na memória coletiva e levando a uma justiça de transição incompleta, já que os torturadores e assassinos em nome do Estado não foram responsabilizados”, avalia Alessandro.

Na visão do professor, o cenário atual difere daquele de 1979.

“Diferentemente de 1979, onde a anistia era ‘recíproca’ para facilitar a transição, a proposta atual é unilateral, beneficiando golpistas que atacaram instituições, não vítimas de perseguição. Além disso, em 1979, o perdão visava reconciliação nacional; hoje, é visto como impunidade, potencialmente inconstitucional e sem o consenso social da época. Juristas argumentam que, enquanto a de 1979 foi um mal necessário para o fim da ditadura, a atual incentivaria a erosão democrática, sem paralelo histórico em regimes democráticos”, conclui.

*Fonte: Correio Braziliense

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Fonte: https://oimparcial.com.br/brasil/2025/09/debate-sobre-anistia-reacende-em-meio-ao-julgamento-de-bolsonaro-e-revive-tradicao-historica-no-brasil/