13 de setembro de 2025
MP-SP tenta barrar autorização da Câmara de Vereadores para privatizar
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´Texto aprovado prevê a a venda da Rua América Central e de uma viela vizinha em Santo Amaro – Foto: Google Street View

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entrou na Justiça na quarta-feira (10) com uma ação civil pública para anular o processo legislativo que resultou na aprovação do projeto de lei nº 673/2025. A proposta, enviada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), foi votada no dia 3 de setembro e recebeu 29 votos favoráveis e 11 contrários. O texto principal autoriza o leilão da Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, no bairro dos Jardins, Zona Oeste, para que uma construtora, que já comprou todos os imóveis da viela, possa construir um condomínio de luxo.

Além disso, os vereadores anexaram ao texto oito emendas polêmicas que abriram espaço para a privatização de outras áreas da cidade, sem que houvesse qualquer consulta pública. Uma dessas emendas, de autoria do vereador Marcelo Messias (MDB), incluiu no projeto a venda da Rua América Central e de uma viela vizinha em Santo Amaro, onde ainda vivem dez famílias. Os moradores afirmam que não foram informados sobre a medida e reagiram com surpresa diante da iniciativa. O MP já instaurou investigação preliminar para apurar a motivação do parlamentar, uma vez que a área despertou interesse de uma empresa farmacêutica.

Na ação, os promotores Marcus Vinicius Monteiro, Camila Mansour e Roberto Luís de Oliveira Pimentel afirmam que tanto a prefeitura quanto os vereadores “ignoraram o princípio da gestão democrática da cidade”. Eles ressaltam que “para além da falta de consulta aos moradores das áreas afetadas, os poderes executivo e legislativo de São Paulo, de forma deliberada e acintosa, não providenciaram qualquer tipo de audiência pública para oitiva da sociedade civil, em especial, das comunidades do entorno”.

O MP critica ainda a forma como a Câmara usou o projeto. Para os promotores, “um projeto de lei com alcance restrito foi usado indevidamente como ‘veículo’ para aprovar, sem debate público, a alienação de terrenos valiosos em áreas nobres e outras regiões da cidade.”

Outro ponto destacado é a ausência de estudos prévios: “Não há qualquer registro público disponível de que o Município de São Paulo ou a Câmara Municipal tenham analisado os impactos viários, sociais e urbanísticos de cada uma das novas áreas incluídas”, afirmam. Por isso, o MP pede que o PL 673/2025 seja submetido a audiências públicas e que se proíba a inclusão de emendas sem relação com o tema original, sob pena de multa de R$ 1 milhão.

Os promotores também sustentam que “a administração dos bens públicos municipais é uma atribuição típica do Poder Executivo. Cabe a ele, dentro de um juízo de conveniência e oportunidade, decidir quais bens não servem mais ao uso comum e podem ser alienados”. Segundo eles, as emendas aprovadas “vulneram o princípio da separação de poderes por se tratar de matéria de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, interferindo indevidamente na gestão administrativa do Município.”

A Mesa Diretora da Câmara reagiu em nota, afirmando que “vê com muita estranheza a tentativa de utilizar uma ação civil pública para barrar um processo legislativo ainda em curso”. Para os vereadores, “trata-se de tentativa ilegítima de utilizar o Poder Judiciário para violar a separação dos Poderes. Tais iniciativas não encontram respaldo na jurisprudência reiterada pelo TJ/SP, nem pelo STF, que a respeito já emitiu a Tese de Repercussão Geral n. 1120”. A nota ainda acrescenta: “Eventuais inconstitucionalidades havidas no processo legislativo, como é consabido, devem ser tratadas em ADI (ação direta de inconstitucionalidade).”

A Procuradoria-Geral do Município declarou que ainda não foi notificada da ação. Já a Casa Civil afirmou que deve analisar o projeto nos próximos dias e adiantou: “É possível antecipar, entretanto, que as emendas que tratam de ruas usadas como acesso a residências e incluídas no PL sem a concordância dos moradores serão vetadas”.

O projeto final aprovado pela Câmara traz as seguintes alterações:

  • Emenda 1 – Fabio Riva (MDB): concessão administrativa por 20 anos de área no Jardim Felicidade, na Zona Norte, ao Instituto Gomes de Basquete.
  • Emenda 2 – João Ananias (PT): autorização para venda de terreno de 25,6 mil m² na Rua Keia Nakamura, destinado a 720 moradias populares.
  • Emenda 3 – Zoe Martinez (PL): venda de terreno de 140 m² na Av. Brigadeiro Faria Lima.
  • Emenda 4 – Sansão Pereira (Republicanos): venda da Rua Aurora Dias Carvalho, no Itaim Bibi.
  • Emenda 5 – Marcelo Messias (MDB): venda da Rua América Central e viela adjacente em Santo Amaro.
  • Emenda 6 – Isac Felix (PL): venda da Rua Canoal (Codlog-666211).
  • Emenda 7 – Silvinho Leite (União Brasil): concessão gratuita de duas áreas municipais na Marginal Pinheiros e em Jurubatuba para associações comunitárias.
  • Emenda 8 – Silvão Leite (União Brasil): concessão administrativa de terreno de 5,2 mil m² na Rua Luis Pereira Rebouças para o Esporte Clube Bem Bolado.

VIRARAM REPRESENTANTES DAS EMPRESAS

O cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV, avalia que os vereadores agiram em favor de interesses privados: “O papel dos vereadores foi bastante corporativo ao desconsiderar o interesse dos moradores e de quem lá na rua já está, já mora há muito tempo e terá suas vidas completamente modificadas. Eles [parlamentares] viraram representantes da empresa. E este é um debate muito importante para a cidade porque, por mais que haja interesses corporativos, é preciso considerar o interesse coletivo. Faltou esse espírito público aos parlamentares.”

A jurista Bianca Tavolari, professora da FGV Direito e pesquisadora do Cebrap-USP, reforça a gravidade da prática: “privatizações ou potenciais privatizações de ruas por emendas, sem a necessária discussão com a população sobre o interesse público desses espaços”. Ela lembra que esse expediente já foi visto nas revisões do Plano Diretor, favorecendo o mercado imobiliário, e conclui: “Uma situação sem transparência e sem que a gente possa, de fato, ter uma percepção pública de qual é o interesse real desses vereadores”.

Fonte: https://horadopovo.com.br/mp-sp-tenta-barrar-autorizacao-da-camara-de-vereadores-para-privatizar-ruas-da-capital-paulista/