
O embaixador Celso Amorim, principal conselheiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na política externa, avalia que a presença de navios de guerra dos Estados Unidos na América Latina com a justificativa de combater o narcoterrorismo representa um motivo de preocupação. Em entrevista ao jornal O Globo, ele destacou que há um risco de confundir a luta contra as drogas com o combate ao terrorismo, o que, segundo ele, são conceitos distintos.
A declaração ocorre após o presidente Donald Trump anunciar que a Marinha dos EUA realizou um ataque no Caribe que resultou na morte de três pessoas, classificadas pelo líder estadunidense — sem provas — como “narcoterroristas venezuelanos”. No início de setembro, outro ataque dos EUA teria deixado 11 mortos em um barco apontado como pertencente a traficantes.
Lula prepara discurso na ONU
Na próxima semana, Lula discursará na Assembleia Geral da ONU. Segundo Amorim, a fala deve reforçar princípios de soberania, democracia, multilateralismo e respeito às regras internacionais.
“(O discurso terá como destaque) Soberania, democracia, assim como o multilateralismo e o respeito às regras são o que o Brasil defende. Nossa democracia é baseada na separação dos poderes. O discurso do presidente Lula ainda não está feito, mas acho que o clima é esse, naturalmente. Acreditamos em um mundo mais equilibrado, mais multipolar. E achamos que os EUA têm um papel muito importante nesse mundo multipolar.”
Amorim acrescentou que o Brasil se vê como uma potência pacífica: “É preciso entender que o mundo está mudando. Nós somos uma potência pacífica. Quanto à soberania, temos grande respeito aos americanos que defendem as decisões que se aplicam ao território deles e nós defendemos as decisões que se aplicam ao nosso território”.
Trump, Brics e ameaças
Questionado sobre a possibilidade de uma conversa entre Lula e Trump, o embaixador foi taxativo: “Não posso dizer nada a respeito disso. Não há a intenção e não tem nada programado”.
Diante das críticas de Trump ao Brics, Amorim ressaltou que o Brasil seguirá defendendo a democracia e o multilateralismo. “Nós continuaremos a defender a democracia, o multilateralismo, e isso precisa ser baseado não só em regras, mas em regras multilateralmente aceitas, equilibradas, em que os países em desenvolvimento tenham peso. O Brasil dá muita importância aos Brics, mas dá muita importância ao G-20 também. E esse é um bom momento de discussão”.
Sobre eventuais novas sanções dos EUA contra o Brasil, respondeu: “A gente não sabe qual o limite entre a ameaça e a bravata, mas acredito que a racionalidade vai prevalecer”.
Soberania e poder militar
Amorim voltou a criticar a utilização do poderio militar dos EUA na região. “O combate às drogas tem de ocorrer, mas baseado na cooperação e na ação soberana dos Estados. Você pode até aceitar a cooperação, mas não através de ameaça militar. Acho também que não se pode confundir, por pior que seja, o combate às drogas com terrorismo, que é uma outra coisa, que visa a destruir os Estados. É uma coisa diferente e tem de ser outra concepção.”
China, Índia e integração regional
O conselheiro destacou ainda a importância das relações econômicas com a China e a Índia, ao mesmo tempo em que reafirmou a prioridade da integração sul-americana.
“O Brasil tem boas relações com todos os países, mas a China hoje é o país que economicamente mais cresce no mundo. A Índia também cresce muito, mas a China tem muito mais, digamos, flexibilidade nas negociações. Nós queremos negociar com a China, com a Índia, e temos também muito interesse em concretizar coisas práticas da integração da América do Sul. Nunca deixar de lado isso. Mesmo que politicamente não seja o momento de afinidades generalizadas, com a integração todo mundo tem a ganhar. Nós compramos gás da Argentina, temos um projeto de fibra ótica com a Colômbia…”
Fonte: https://agendadopoder.com.br/celso-amorim-critica-acao-militar-de-trump-no-caribe-nao-se-pode-confundir-combate-as-drogas-com-terrorismo/