22 de setembro de 2025
Trancistas conquistam reconhecimento profissional | O Imparcial
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Aos 28 anos, Yasmin de Oliveira Pereira transformou uma prática cotidiana da infância em um negócio consolidado. Trancista profissional e fundadora do Yasmin Oliver Studio, em Brasília, ela integra uma geração de mulheres negras que encontrou na arte de trançar cabelos uma forma de renda, autonomia e afirmação cultural.

“Hoje eu trabalho 100% como trancista. Me especializei em cabelos crespos e cacheados, e além do trabalho técnico, é também um ambiente de escuta, de acolhimento. A gente quase vira mãe das clientes”, contou ao Correio.

A relação de Yasmin com as tranças começou na infância, quando esse era o único jeito de usar o cabelo solto. Anos depois, após ingressar em Psicologia e interromper o curso no sexto semestre, ela decidiu transformar a paixão de menina em profissão, dando os primeiros passos rumo ao empreendedorismo. “Eu fiz o curso e decidi que queria fazer esse negócio dar certo. Não queria só uma renda extra. Eu queria começar a trabalhar de fato com as tranças.”

Com a clientela em expansão e a formalização do negócio como Microempreendedora Individual (MEI), Yasmin consolidou o estúdio como um espaço voltado exclusivamente para o cuidado e a valorização de cabelos afros e crespos. “Ser trancista me traz liberdade geográfica. Posso trabalhar em qualquer lugar, sem precisar de um salão fixo. Trabalhamos com arte, com identidade. É mais do que estética, é história”, afirmou.

A atividade de trancista passou a integrar oficialmente, neste ano, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A medida representa o reconhecimento formal de uma prática ancestral, exercida por milhares de mulheres negras, sobretudo nas periferias brasileiras, que agora conquista respaldo legal.

“A formalização da ocupação de trancista reafirma o compromisso do Ministério com a valorização da diversidade no mundo do trabalho e com a inclusão produtiva de grupos historicamente invisibilizados”, destacou Francisco Macena, secretário-executivo do MTE.

Com a inclusão na CBO, as trancistas passam a registrar a profissão na carteira de trabalho, ter acesso a direitos previdenciários, emitir nota fiscal e participar de programas de crédito e qualificação. O reconhecimento também facilita a relação com bancos, plataformas digitais e órgãos públicos.

De acordo com o Ministério, o processo contou com escuta ativa de profissionais da área, análise técnica e participação de lideranças e especialistas, como Anatalina Lourenço, da Assessoria de Participação Social e Diversidade.

Para ela, trançar vai além de um serviço. “O trançar o cabelo é também um gesto de cuidado, de resistência, de geração de renda. É a valorização dos saberes ancestrais de matriz africana, tradicionalmente exercidos por mulheres negras das periferias brasileiras.”

Impacto econômico

O impacto econômico da atividade é significativo. Uma sessão de tranças pode levar de seis a oito horas e gerar rendimentos que variam de R$ 100 a mais de R$ 1.500, conforme o modelo, a espessura e o comprimento escolhidos. Com a regulamentação, esse trabalho passa a integrar o radar das políticas públicas voltadas ao fomento do empreendedorismo e à inclusão produtiva.

O MTE estima que existam cerca de 800 mil trancistas em atuação no país — um número ainda impreciso devido à informalidade da atividade. Com a formalização da ocupação, a expectativa é que esses profissionais passem a ser registrados em sistemas como a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e o eSocial, o que permitirá acompanhar de perto o setor e desenvolver políticas públicas específicas.

A conquista foi fruto de mobilização. Em 2023, coletivos de trancistas de diferentes regiões do país se reuniram em Salvador para cobrar do governo federal o reconhecimento da profissão. A pauta ganhou força, atraiu o apoio de especialistas e resultou, em 2025, na inclusão da atividade na classificação de ocupações.

Além de oficializar a função, a nova CBO incorporou denominações como “trançadeira capilar” e “artesã capilar”, ampliando o escopo da atividade e valorizando a diversidade de atuações. O trabalho vai muito além de trançar: envolve higienizar materiais, operar equipamentos, administrar agendas, atender clientes com escuta ativa e, em muitos casos, gerir negócios familiares.

No caso de Yasmin, a atividade também se tornou um elo com a mãe, que atua no estúdio cuidando de cortes e tratamentos para cabelos crespos. “É um negócio de família. Estamos dentro da área da beleza negra”, disse.

Visibilidade

Para a cientista social Lúcia Udemezue, do coletivo Manifesto Crespo, o reconhecimento oficial da profissão é resultado de uma longa trajetória de resistência e mobilização dos movimentos sociais. “Agora, é importante que o poder público faça um trabalho de divulgação para que essas pessoas possam se registrar. Isso dará visibilidade à profissão e abrirá portas para novos direitos”, ressaltou.

Yasmin reforça esse significado cultural e profissional. “É mais que um dom. A gente leva uma carga ancestral nas mãos. É uma profissão que mistura técnica, cultura e afeto. A trança vai se formando como quem borda um tecido de memórias.”

Com o reconhecimento oficial, trancistas como Yasmin conquistam não apenas respaldo legal, mas também o reconhecimento social e econômico de seu trabalho. Trata-se de um ofício que atravessa gerações, fortalece identidades, transforma vidas e movimenta um setor estratégico da economia da beleza afro-brasileira, valorizando saberes ancestrais e práticas culturais que historicamente foram marginalizadas.

* Fonte: Correio Braziliense

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/09/trancistas-conquistam-reconhecimento-profissional/